segunda-feira, 20 de dezembro de 2021

A Ver Estrelas

Decora-me as pálpebras com briosas estrelas, 
Numa tinta sem corrente, esperando por alguém,
Pois assim, assim de repente sou tal como elas,
Acompanhado bem alto no céu e para lá do além, 

Sem ti, sinto-me perdido, não há sequer libertação, 
A sombra da pluma passageira esvoaçando adiante
Não consegue abraçar o Sol apenas esta inquietação
De ombros encolhidos e palavras inauditas, o amante

Que partiu, rasgado e esfarrapado, num silêncio de afogado,
A casa desabitada, por debaixo dos pés o ranger das folhas, 
Os últimos pingos de chuva arrumadas num dia engavetado, 

Procuramos a sede de toda uma constelação, a imaginação, 
O sonho, a quimera, a chuva caindo enquanto vais e olhas
Para os pássaros cantando que nos acordando vêm e vão.

quarta-feira, 8 de dezembro de 2021

Os Pregos Assentes

Domingos à noite sou rio a entrar em estuário, 
Foz de uma memória, riacho para um instante, 
Indo de maré para maré donde vem o obituário
Do dia inconcluso, o sono perpétuo e relutante,

Há feridas ainda por abrir, sonhos por adquirir, 
Porém enfrentamos quezílias, a batalha infinda,
O corpo torna-se corrente para o céu encobrir
A terra de nuvens, ansiando uma manhã linda,

A maravilha do olhar de uma criança, desinibido,
Inquirido pelas estrelas, as paredes ruem enfim, 
Traz-me conforto, enfim é o princípio do querido,

E os pregos assentes nas mãos e pés caem por fim, 
Ajuda está a vir! O rio fluindo no até então preterido,
Desafogando as quimeras que vão brotando de mim.

sábado, 4 de dezembro de 2021

Poema da Solidão

Para os poetas, um beijo é quase um desejo,
Um instante no tempo ao vento quase perdido,
Pois o passageiro deixa atrás sombra, almejo,
Somos pluma sem asa num momento já ido,

Carrego-os aos ombros, leves, quase pesados,
O restante é ideia e pedágio, perdão, pecados,
E eu a solidão de meia mão sem outra mão,
O bocado que não ecoa longínquo no coração,

Esperando por bilhete para entrar no comboio,
Ruptura da mente, somos aqui recém-chegados
A um ponto de partida neste trilho tão rastoio

Onde falham as pernas para caminhar, para ser
Pena na boca de pássaro-azul, somos pernoitados
Por um dia que não chega, o horizonte do não ver.

quarta-feira, 24 de novembro de 2021

Tal Mariposa

Ninguém repara em nós enquanto passa o mundo,
Os transeuntes deixam-nos num sítio bem escuro,
E eu cheio de escarro, pus e sangue tal vagabundo
Em torno de uma luz rodopio, o Sol ainda procuro,

Falha-me a visão, cego hei-me tornado meia vida,
Carecido de fontes, montanhas e planícies, liberto
Perante a perfídia do tempo, a ventania no peito ida,
Porquê criar estas pontes se o segundo é tão incerto,

Sou recém-chegado procurando uma mão singular,
Um beijo na testa que dure eternas eternidades, 
Enquanto que é tão simples ir é tão difícil chegar,

E faz frio invernal, calco as folhas caídas a meus pés,
Ouço o riso de quem passou em frente, as saudades,
Pois agora sei, irei sempre adiante, jamais irei de rés.

segunda-feira, 22 de novembro de 2021

Quando Cair O Outono

Mal consigo lembrar de alguém para este Outono, 
Assim trago neve no olhar, como sempre, definido, 
Conforme o sol se aproxima do seu seguinte sono,
Somos agora amigos perdidos num beijo dolorido, 

Olha, algo aconteceu nesta pele submersa, interna,
Crescendo onde prosperam aqueles sem abrigo,
Estamos no caminho quase certo, vejo a lanterna, 
Vamos assim nos conhecer, já não em mim me ligo, 

Ainda assim, eu sinto que sei, embora não saiba bem
Que minha mais do que querida, esta é a única canção,
Temos cores, pérolas e poesia neste momento com ou sem,

Qual o problema com a vaidade, porque não abraçá-la?
Basta ir devagarinho, com o pé na palma desta mão,
Assim se chega longe, a melodia é possível cantá-la.  

terça-feira, 16 de novembro de 2021

Acenando ao Silêncio

Acenando o silêncio destas luzes apagadas,
O sono que não vem, é cruz e é desamparo
Para o sonhador vaivém, cortinas cerradas,
Trazendo fagulhas para deixar o dia claro,

Indo no holofote, dedos por janelas apontados, 
O mundo, entretanto, mudou perante este olhar,
Quatro estações num dia por sol e lua pautados
Através do passageiro, pratos ainda por lavar,

E eu a escutar a chuva que não vejo, o desejo
De dormir numa cama feita, a dor do tratante,
Ansiando o ardor da manhã, o seu único beijo,

A ajuda está a vir! Ouvi num instante um murmúrio,
E o meu coração tão distante, e o pulmão ofegante 
Rezando por paz, suplicando por um bom augúrio.


segunda-feira, 8 de novembro de 2021

Numa Poça de Água

Numa poça de água reflicto o rosto do passado, 
As marcas superficiais e a cicatriz já profunda, 
Os rastos cadentes são do trilho o caminhado
Tal cinza de cigarro esbatido na bruma vagabunda, 

Dentre o sol nascente e poente fulge o firmamento, 
Tanto espaço para o olhar espargido no telhado,
O sussurro deste suspiro é porção, é fragmento  
De coração esbatendo nos carris do eclipsado, 

Transbordando a noite perante o beijo do dia, 
E eu com saudades da sua verdadeira melodia, 
De braços sem meus braços num abraço eterno

De uma vida rascunhada a aguarelas num caderno,
Caderno esse com margens e bermas, leves curvas,
O dia está prestes a raiar por entre estas noites turvas.

domingo, 31 de outubro de 2021

Escravos do Tempo

Os relógios assim vão extinguindo o fogo da Vida, 
Sinto os minutos a passar tal paisagem fugidia,
Contando os segundos até à margem querida,
São as areias do tempo elidindo a noite vadia, 

Os sapatos sujos de lama ecoando na passagem,
Da alma junto da mente, da carne virando osso, 
Estes rastos esboçados pela poeira da viagem,
De passada em passada enviada para o poço, 

Vou lentamente esquecendo o meu nome, silêncio, 
Somos todos escravos do tempo, assim vai o vento,
Levando pedaços de nós com ele, assim vivencio

Que a Vida vai sendo trocada por rugas e cabelos grisalhos
E que o que fica são os bocados, momentos e seu alento
Confere a Vida deixada, talvez trocada tal queda de orvalhos.

domingo, 24 de outubro de 2021

Por Vezes Lembro-me

As vigílias destas ruínas tecem da noite segredos, 
Perscrutando linhas do horizonte, eternas pontes,
Tal corpos arqueados sobre o oceano e estes dedos,
Esplendores maravilhosos, brotam mil e uma fontes,

De onde permaneço há ainda para ver novos luares,
Numa espécie de melancolia que me leva o dia a dia,
Que sussurra ao ouvido a ausência de novos lugares,
Que abolem novos caminhos para o que então seria

Alguém novo em improviso de colibri, o seu perfume,
O infinito geminado na palma da mão, a imortal paixão, 
Entre lençóis, o silêncio de braços procurando o ardume

Que não surge, a lembrança de um sono, um pacto quebrado, 
E é ai que reparamos que a saudade é maior do que o coração
Consegue albergar, mais do que sangue a estancar, que o amado.

quarta-feira, 20 de outubro de 2021

O Tempo E A Sua Inevitabilidade

Desabafo meus pronomes tal folha outonal, 
Talvez não caiam para baixo como é suposto,
Explicam o silêncio de um amor incondicional
Partindo de uma ponte onde o andar é proposto

Por quem o vê a passar de uma margem direita, 
Será que basta ser metade nestes dias de outrora?
Caminho nu e sozinho por uma ruela tão estreita,
Caminho nu para ser encontrado por uma aurora, 

Vou indo em desprendida pressa, vou indo discreto
Em arremesso certeiro, na muche, mas ao seu lado,
A carícia do relógio, a ampulheta mudando o afecto

De quem percorre os ponteiros de areia, o inevitável
É só o agora nas órbitas de uma pelicula cujo fado
É destino e balada perante o tido como indubitável.

quinta-feira, 14 de outubro de 2021

Esta Poesia É Ardor

Aprendemos que uma promessa não é um talvez,
Ardendo cartas antigas de candeias feitas de amor,
Procurando agulhas em palheiros outra vez,
Especado a olhar o sol, estes olhos retratos para o ardor

Que sente quem lacrimejou um outrora,
Em moções silenciosas, o peso aos ombros do inverno
É suficiente para até ir esquecendo a  aurora
Enquanto se rascunham pestanas num  caderno,

Porém, a tragédia é que ainda em anjos acredito,
Fotos empilhadas em contentores do lixo
Trazem memórias da sua face de cor e por escrito

Pois sua voz são os meus silêncios, a acalmia
Diante a tempestade, diante o requebrar do esguicho,
E a obra de arte, a despedida no aceno desta poesia.

domingo, 3 de outubro de 2021

A Vida Ainda Está Por Começar

Trago-te nos nódulos dos dedos, neste olhar, 
Nos abraços conferidos, na pele sobre a pele, 
Nos lábios fantasma, na revolução do beijar, 
Nas caricias nos braços, na canção que impele

Estes versos, que faz o sol em mim ainda brilhar, 
Por favor, permite-me um dia nunca esquecer,
São estas palavras que travam a língua, o retornar
De uma brisa a espreitar-lhe no cabelo, a estremecer,

Trago-te descalça e branda numa moção levezinha, 
Numa alvorada sobre a enseada da outra margem
Que parece por vezes anoitecer pela noite vizinha,

Entre cortinas, havemos um dia ainda de escapar
Desta vida que é morte, que não é sequer viagem
Acredita amor meu a vida ainda está por começar!
 

Entre Mim e Eu - Uma Distância a Percorrer

Há entre mim e eu uma distância a percorrer,
Um desejo por dar por cumprido, um anseio, 
Pois de tantos beijos dados nem sei o que ser
Parece que de tantos ter sido me perdi no enseio,

Era agora dormir para verter dos olhos o silêncio, 
A lembrança de dois lábios em e por si embriagados, 
Melancolicamente bonito, o instante que vivencio,
Lugares que trazem o verão, pássaros voando liberados,

Atirando seixos para os solavancos, sem sítio para mim,
Hoje, como estranho nas entranhas esta sua ausência,
Esta solidão infligida, o coração entreaberto, o sim,

O não, este conter o oxigénio por debaixo de um rio,  
Não obstante do mundo, trouxeste-me esta poesia,
Então quando me recordo, recordo-me de ti... e sorrio.


segunda-feira, 20 de setembro de 2021

Mil E Uma Fontes

A Primavera é esta pétala que trago na mão, 
De fragrância forte e aberta para o nascente, 
Tem a asa ferida, mas voa sem temer o chão,
É vela ao vento, um ângulo do Sol crescente,

E vão passando as estações, vem a alvorada,
A maré é a corrente de um sono em quietude
Onde sozinho caminho esse trilho, essa estrada,
Por acreditar que no centro é que está a virtude!

Esvoaçam as nuvens num dia feito de frialdade, 
A vida é vagante, espuma à tona de uma praia
Onde um dia nos afogámos, mas... aqui há beldade,

No rosto pintado de pássaros largados aos horizontes,
O fluído de uma existência enraizada que desmaia,
Que é sede no viandante, que é suas mil e umas fontes.


domingo, 19 de setembro de 2021

O Pedaço de Vida

Eu não sou o mesmo, mudou de sítio o coração,
Mil e uma vozes soam igualmente nesta cabeça,
A tristeza é mulher, a chuva é lágrima no pulmão,
Demora-me a verdade, e demora-me que aconteça

A Vida, pois a solidão amedronta, é rareamento,
É um dia escuro, estação a estação, desmaia o sol,
E assim cerro o olhar a nublando o discernimento
Pois eu amei, muito mais do que podia, cai no anzol

Que é do peito, infinito, e vai a noite alta mas a tua falta
É escassez de água, é areia na língua, beijo nas rochas, 
De mãos nos olhos a Lua fraca que este instante enalta,

Por só pretender querer ser feliz nesta estrada tão branca, 
Este caminho é tão sozinho a percorrer, sem luz de tochas
Apenas procuro o pedaço de Vida que esta ferida estanca.

segunda-feira, 13 de setembro de 2021

A Todo E Qualquer Amador

Aqui faz trevas, e vem toda uma solidão, 
Com tanto frio, tanto vazio, porém vontade
De ser igual ao que bate alado neste coração, 
Que vem e porém fica cortado por uma metade,

Estes lábios ainda tremem por uma resolução, 
As minhas mãos vão indo, indo e vacilando,
Inconscientes de que está para vir a revolução
Das mentes devaneadoras que se vão a si rascunhando,

Pois nem eu com cobertores sobre esta minha cabeça
Me esconderei da libertação que é do pós-remador,
Assim fecho os olhos e vou, aconteça o que aconteça

Porque do céu nos vertemos, o Pai será nosso legitimador!
Somos um exército de sonhadores, a terra que estremeça!
Esta é a simples trova dedicada a todo e qualquer amador.

segunda-feira, 30 de agosto de 2021

Haverá Momentos

Um pouco de sol e um poço de desejos, 
Haja asas para esboçar, evocando os almejos
Que trazem Deus do universo para a terra,
Suspenso entre ambos desde o que o tempo encerra,

Tenho água rasa na nudez destes lábios,
Inesgotável na mudez de homens sábios,
Já há navios sem voltar ao seu porto,
Digam-me se têm lugar para eu ir vivo ou morto

Pois a queda é vigília, é parte da embriaguez,
É o grito mais baixo, é quase aquela surdez,
Há bruma entre o sonho, treino para a verdade,

Pois de tanto querer, acabo sempre na saudade,
Há solidão envolvida em sacos plásticos
Em tons de aguarela, em beijos espásticos.




terça-feira, 17 de agosto de 2021

Não Consigo Ver O Luzir Das Estrelas

Onde o rio atravessar o lago serei levado, 
Fazendo as malas, chegou a hora de partir
Para outro testamento, para outro legado,
Esta é a verdade que hoje me deve vestir, 

Onde o vento atravessar o ciclone serei petiz,
Com nuvens às costas, este sorriso é perdido
Pois desencontrou o coração ou um beijo feliz,
Assim segregou a mente da alma e do sentido

Que era milhões de galáxias, ao peito constelações, 
Não obstante dos ecos passados dados na eternidade,
Daqui nenhuma rima é escrita entre estas divagações,

Esperando por um sinal do outro lado da insanidade,
Disseste que me encontrarias na luz e suas refrações
Pois daqui nenhuma terra é nossa, só a efemeridade.

sábado, 14 de agosto de 2021

Quando Me Levantar

Há lembranças sim no fundo do caldeirão,
E eu cego e torturado por uma memória
Que me atormenta a porção do coração, 
Que me desdenha tal uma outra história,

Lançamo-nos no musgo, isto é quase amor,
Faço cicatrizes no meu peito, no imperfeito
Ser que tenho, lembro-me de setembro a dor
Que é minha e de quem vive e morre no leito

Pois devias ter visto o meu funeral, foi apoteótico, 
Os enlutados presentes tão novos para se apresentar,
Pesadelos sobre o mar, compartimentos no exótico, 

E eu sem conseguir caminhar, sem conseguir trilhar
O espaço entre aqui e o além, a harmonia, o caótico,
Liberta-me desta noite, há tanto a ir e ainda a chegar.

quarta-feira, 11 de agosto de 2021

Ver Nascer a Primavera

Bebamos hoje à exumação do sonho sepultado,
Aquele que brilhava, que comecem as estações
E haja o sabor de lábios e que sob eles abrigado
Haja tempo para viver do alto desses corações, 

Despertamos os astros guardados na cabeceira, 
Limpando as teias de aranha do anseio suspirado,
A Valsa de Orfeu trazendo mil ideais na algibeira
E eu, sôfrego, procurando o passo outrora trilhado,

Esta tela de aguarelas longínqua da estrela da tarde
Aguardando pincel subtil para o encanto da Vida,
A descida de uma estrela que a mim me resguarde

Para ver nascer a Primavera, é um amor a transbordar,
Procuramos a luz ao fim do túnel, a ímpar alma querida,  
Entre ambas sempre haverá uma cantiga para cantarolar.




quarta-feira, 4 de agosto de 2021

Assim Passo as Noites

Esta vida vertendo-se no olhar para cataratas frias, 
A mentira foi a crença, esta vontade de pertencer,
O aguaceiro dos meus olhos, estas preces vazias,
Quando tudo o que pretendo é o permitir acontecer, 

Lembro-me do que já vi, o fôlego da morte de perto, 
Anos desperdiçados misturando-se com o ver do poeta,
Por favor, beija-me, beija para longe os espinhos e decerto
Que o amor exalará desses olhos não de uma forma obsoleta,

Assim passo as noites acordado, esperançando vossa vinda,
E esta vida significa mais pois há fagulhas perto do precipício, 
E delas se alimenta a alma, e delas se faz a constelação infinda, 

Assim passo as noites sem dormir, escutando a queda do aguaceiro, 
Um punhal cintilante no coração da verdade e por pouco o resquício
De um dia não terminado onde estes lábios não beijassem o cinzeiro.

terça-feira, 27 de julho de 2021

Culminando Neste Grito

E tempo já passou minha viúva fatigada,
O perfume de uma pétala cativa do porto,
Liberta-me com o teu sorriso, doce amada,
Liberta-me do fardo dos vivos, desse conforto

De quem conhece aquela canção de radiância,
Preenchido por flores no jazigo de um outrora
Entre harmonia e o caos ornado aquela distância,
Do ontem vem a raiz, do hoje a semente e a aurora, 

Entre o ontem e o amanhã procuro o meu lugar, 
Escapando das armadilhas na pele ainda cravadas, 
À procura de uma palavra perfeita para poder rimar

Assim vem o continuo e adjacente ao tido como infinito
Pretendo-o acumular radiante em poses almejadas
Até abarrotar por todos esses dias culminando neste grito! 



segunda-feira, 26 de julho de 2021

Ou Não

Esperando pela palavra das caras vazias preenchidas, 
Vamos vivendo para a solidão dos ecos sem varão, 
A palavra lida entre as linhas por poemas despidas,
O ruído das ruas sem ninguém, a ausência de verão,

É o som forasteiro de uma cidade de nome perdido,
Onde viuvez é adjectivo para as minhas noivas,
Cadeiras amontoadas, lascando um beijo concedido
E eu, caído dos céus, vou esquecendo das dádivas

Que eram valor acrescentado, a semente de uma estrela
Velha, o bater de uma nova, sou um estranho à constelação
Que me cedeu nome, caminhando os trilhos que são dela,

Vivo para quartos desocupados resfolegando ar rarefeito,
Dando a volta ao destino, ao fado, ao que diz o coração
Esquecido de mim, numa parte de mim, o amor-perfeito (ou não).

sexta-feira, 16 de julho de 2021

É Preciso Amar

As alvoradas aparecem com o Sol presenteado,  
Chilreiam os pássaros Ícaro ainda relembrando, 
E eu do chão observo-os liberto neste bocado 
Das mundanismos terrestres, do trilho onde ando, 

Suplico aos céus uma bússola que possa alumiar
Os passos que vou dando depressa ou devagar
Pois o detalhe é divino face à perfídia do caminho
E eu mero peão que o vai trilhando sozinho,

Um dia chegará um dia, disso faço esta certeza,
Portanto vou andando sem descanso ou cuidado,
Sei que enfrentarei a fealdade do andar e a beleza

É que de tanto ir poderei nunca vir aqui a chegar, 
Por isso canto a preciosidade do instante dado,
Por isso exalto a necessidade indelével de amar!

segunda-feira, 5 de julho de 2021

O Fascínio do Trilho

Derrama-te na areia humedecida este nome escrevendo,
Esquecendo-te de mim como as nuvens se vão dissipando,
Até eu olvido esta vontade, esta pertença, este ir querendo, 
Pretendo apenas um amor até vir a morte neste quebrando,

Busco coisas improváveis, sonhos impossíveis de alcançar,
A magia a fluir para longe, a chuva que cria rios ao recair, 
Este vento que passa, que vem e quase me abraça sem tocar
O beijo, a fundação para a força herculana que ao se esvair

De marés, de ondas, desta intempérie que trago no peito, 
Se silencia, se sossega, cala num instante a aurora boreal,
É aqui que se vêem melhor as estrelas, daqui é perfeito!

Pedacitos de sol arranham o céu caindo perpendicularmente,
Trepando ao galho mais alto, o oxigénio daqui não é igual, 
O fascínio do trilho é que ainda temos tanto trilho pela frente.

(O fascínio do trilho é o trazer do sonho para o real)

segunda-feira, 28 de junho de 2021

Desperta-me

Desperta-me de um sonho lindo num amanhecer,
Do despontar do Sol dentre o abraço do horizonte
Enquanto vou esboçando estrelas cintilantes no ver
De uma criança sendo isto tudo para o olhar fonte, 

Porém como a uma pedra vem a queda, o negrume
De um Inverno sem fim advindo de beleza sem par,
O silêncio preenche os lábios roxos e o seu lume
Abranda, acalma, sossega o repuxe que é do mar, 

Esbanjando a juventude por um instante infundado
E ouvindo revelamos as nossas feridas, a tragédia,
Estas asas coladas às costas tal um balão emendado,

Não é suficiente para subir aos céus, quietamente, 
Apenas para compor estas rimas nesta comédia
Que é do coração mestre e que é beijo felizmente.


segunda-feira, 21 de junho de 2021

Esboço Para Um Astronauta

Vou pensando nos seus olhos delineados e bem abertos,
Sorrindo enquanto puxam as cores de verdes prados,
Retratando as linhas delicadas dos corais despertos,
Em névoa e felicidade de estrelas e aviões deslumbrados,

Vou sonhando com o seu olhar enquanto aguardo por uma rima, 
Esperando o rodopiar do mundo para lentamente reaparecer,
Pois tens reunido anjos e esvanecido cada dia em cada lágrima
Que reflecte pássaros-azuis, reensinando-me por fim a ver,

E a alvorada imagina a refracção dos satélites a azul e verde,
Lembra-me de que gostaria do teu cabelo longo pelo chão
Pois mal posso esperar por extinguir esta implacável sede,

És a canção que anseio ouvir, uma linha de pérolas ao pescoço,
Se quiseres que explore o espaço entre o teu olhar, no colchão, 
Eu serei o astronauta girando para fora com este nosso esboço.

quarta-feira, 16 de junho de 2021

Rimas de Papel

Bate um coração por baixo de cada semblante,
E nesse pulsar há um momento para o instante
E é aí que Deus discursa indómito na terra e céu,
Através do inteiro que é impulso e instinto para o eu,

A palavra é partilha de um amor tido como imensurável
Por padrões humanos, espaço entre o adeus e o bem-vindo,
Pois parece-me que entre constelações encontrei o confortável
Permanecendo dormente por épocas e épocas num sonho lindo,

Por isso vou passando a mão entre os cabelos do tempo,
Grisalho e enrugado, com um sorriso de missão cumprida,
Até parece que esvoaçamos mais alto que o próprio vento

Parece que a escrita é indomável nestas rimas de papel,
Assim adormeço entre as estrelas que me dão guarida, 
Num esbelto e eterno beijo tocado por um celestial gospel.

segunda-feira, 14 de junho de 2021

Sou Rabisco Em Caderno Feito de Plumas

Estáticos são os rabiscos num caderno feito de plumas,
Erráticos desaparecíamos entre eles cadentes tornados,
Tenho toda uma vida para sair quase ileso destas brumas,
Desenho-as suavemente entre dedos e vincos enrugados,

Crianças caindo tais cometas de um céu semi-escarlate,
Em danças eternas que só desaprendiam ao crescer,
Qual a diferença entre um salvamento e um resgate,
Quase igual ao presente incluso do nascer até ao morrer,

O caminho ao avesso calcado por passos desalinhados,
Com carinho tombávamos entre montanhas e astros,
A jornada é o dia a dia, os pequenos nadas alcançados

Pela estrada de um poema há sempre campos e prados vastos,
Enquanto houver amor a partilhar nestes sapatos calçados, 
Por este canto que o tempo silencia enquanto cobre estes rastos.




sábado, 5 de junho de 2021

Coloca a Mão no Meu Ombro

Coloca a mão no meu ombro e as palavras sussurradas, 
Esperando o passar dos anos, do medo em mim retido,
Mais cedo ou mais tarde o reabrir das portas encerradas,
Desperdiçamos lágrimas e sangue num andar comprometido,

Aguardando a aurora, a procura de um único Sol e a sua luz, 
Enquanto a sombra deflagra, e a lua se engasga, doce beleza, 
Imagino-nos à frente da auréola do sol que assim em contraluz
O perdão de um sentimento sem futuro, a verdadeira tristeza

Presa fácil entre todos os desejos e todas as necessidades, 
A noite vem e as coisas vulgares são a vista da janela, 
Enquanto o amanhã se aproxima de mim tenho saudades

Pois um coração velho não se contenta com novas paixões, 
Logo não há canção para dançar, não há amor ou donzela,
Para imbuir um sorriso no peito sem quaisquer objecções.

segunda-feira, 31 de maio de 2021

Se Um Dia For Caixão

Se um dia for caixão, deixem-me ser leve,
Pois os sonhos e a esperança não têm peso, 
São memórias e ideais de quem em si escreve
O passar dos anos acumulados num instante, preso,

A um esgar perdido no tempo, agora encontrado,
Se um dia for caixão achar-me-ão entre estrelas,
Através de épocas e eras disperso e por fim achado,
Reconhecer-me-ão ao brilhar tanto ou mais que elas,

Os horizontes inconsequentes dentre este indúbito olhar,
Se um dia for caixão saibam que tenho uma constelação,
E saibam também que dentro dela aprendi enfim a dançar!

E para isso só foi necessário permitir bater o coração,
Pois se um dia for caixão espero ter aprendido a amar
O tempo que passa, e passou e fui sendo de mão em mão.


sábado, 22 de maio de 2021

Um Dia

Dói-me o tempo trazido no olhar da esperança,
Pretendia brisa para auxiliar a subida da colina,
Porém navego em água rasa numa delicada dança
Que me resguarda da intempérie um pouco acima,

Alastra-se o fogo pela pradaria de um sonho ido,
A água pelos tornozelos, o fôlego escasseia-me, 
De um lugar ilusório onde perdi a certeza do apelido,
Então beija-me, aquele conforto do caixão rodeia-me,

Que pertence a um Outono passado, hoje e aqui elapsado,
E eles, os poetas, com o coração na mão, amaldiçoados
Pela bênção de respirar de peito cheio, bem marcado

Pelo destino, pelo fado, pelo nem sequer saber qual o norte,
De tanto esforçar, de tanto querer, ficam de ossos quebrados
Por isso fecham os olhos e deixam-se ir, um dia encontrarão a sua sorte!


segunda-feira, 10 de maio de 2021

Quarentena

Esta fuga é escape entre o vazio e o preenchido, 
Voando e sucumbindo à água de pé descalço,
Parece que vai o instante e não sei se é vivido,
E parece que do nada, nada surge em meu encalço,

Quatro paredes tornam-se família, tornam-se lar, 
E eu vou encontrado mais vazio, mais falta de ar,
Esta fuga é escape que parece nunca mais acontecer,
Aparentemente não é fácil somente ir e começar a viver,

E eu com bolsos cheios de nada, fiquei de testa enrugada,
Nesta clausura, nesta reclusão que não é auto-infligida,
Que é tempo parado e coração sozinho, alma isolada, 

Vida à porta fechada, por onde vão passando as estações,
E eu sonhando o sono e serenando a aurora pretendida,
Pois, não obstante, os invernos têm passado os verões. 

terça-feira, 4 de maio de 2021

Desaguo

Onde os rios se encontram eu sou e desaguo,
Inculcam os moinhos águas de outros ventos,
O tempo conhece estas marés, e eu no recuo
Vou em frente molhando os pés em momentos

De mais um dia passado, após o sol e as estrelas, 
Lançamos âncora nas praias rasas, no superficial,
Olho para cima e regozijo em finalmente vê-las
Hoje preencho o lugar entre o efémero e o imortal,

Relembro-me que por vezes pulsa o peito lá para fora,
Logo me caem as coisas que fui trazendo na algibeira,
Os beijos que fui partilhando desde o anoitecer à aurora,

Pois quando envelhecer dúvidas pretendo jamais ter, 
Do que podia fazer pois que a luz se torne verdadeira
Será assim tão difícil dar Vida a quem só quer viver?

quarta-feira, 28 de abril de 2021

O Trazido

O oceano que trago no olhar revestido,
É folha caída numa floresta abandonada,
E os prados estelares que sinto tal vestido
São refracção para o não visto, para a luz apagada,

Passam diante de mim as opções um dia tomadas,
Os trilhos escolhidos, o claro e até o escuro,
Pois digo-vos de todas essas vontades ansiadas
Muitas das vezes fui contra um resiliente muro!

Vendo estrelas a difundir-se entre as palmas das mãos,
E eu, clandestino e viajante no interregno infinito
Sendo ponto de intersecção para melodias e seus sons

Faziam-me viajar absorto e liberto entre constelações,
Que resumia comummente num sempre e eterno grito,
Assim é que se vai e faz por chegar ao ritmo de mil corações.

segunda-feira, 26 de abril de 2021

Choro as Lágrimas

Choro as lágrimas que mais ninguém vê,
Já não tenho azul para as manter a jorrar,
A dor que sinto apresento a quem me lê,
Sem um lenço que a consiga enxaguar,

Choro as lágrimas de um coração ferido, 
Atropelado pelo que é o fado, pelo destino,
Pois até quando pulsa magoa, está partido, 
É este o bater de um triste olhar clandestino, 

Choro as lágrimas onde me vou afogando, 
E todos me vêem, porém ninguém me ajuda,
Choro as lágrimas e dentro delas vou chorando

Pranteio a lástima do que trouxe na algibeira,
O velório de uma multidão numa vela desnuda,
Um mar de lágrimas arrepiando pé por uma ribeira.



domingo, 18 de abril de 2021

O Que Faz Um Poeta

Encobre-o a auréola que faz um poeta, 
Escrevendo letra a letra de noite e de dia, 
Preenchendo de belas estrofes e rima certa,
Trazendo para o real o que pode de magia, 

Este fôlego que é para a obra o seu sustento,
A inspiração é um olhar no horizonte vertido, 
Um toque, um beijo que vai e vem como o vento, 
Pois por vezes, por vezes, até o poeta está perdido, 

É uma dança lenta ao som de um fósforo a arder, 
Dentro da estrutura, é a liberdade que é do poema, 
E nele a bater vai o seu coração, todo o seu querer,

Sob palavras, sob silêncio numa voz que é universal, 
E a escreve-las não há incerteza, não há sequer dilema, 
Pois ao anoitecer ele será mensageiro entre o céu e o abismal.

terça-feira, 13 de abril de 2021

Enxaguadela

Enxagua as lágrimas, ainda vejo o comboio,
Voltarei enquanto o tempo for passageiro, 
És Vida, o fluir de memórias neste arroio, 
Saudades do que foi e não voltará, o viageiro

Leva pontos por cada sorriso deixado ao lado,
Perdido eternamente na tristeza de um coração, 
Por cada momento ou instante não contemplado
Eu tornei-me a falta, a carência e a não justificação, 

Por isso caminho perante o abismo, o despenhadeiro
É meu, se viver mil vidas pelas chuvas e torrentes,
A lama e a sujidade, sem proa e sem timoneiro,

Dar-me-ias a mão? Dir-me-ias qual a canção
Que sossega a mente e quebra as correntes,
Que repousa a verdade e trará redenção?

domingo, 11 de abril de 2021

Poema A Quem Passou, Ao Mar e ao Sol

Recolher os milhares de fragmentos de uma pessoa
É como largar lágrimas à chuva, água num riacho,
A envolvência do mar revolto, o vendaval ressoa
Fluindo pelo subsolo marítimo onde me encaixo,

As ondas e marés sustentam as margens, as miragens
Trazidas de outros lugares, a doce fonte inspiradora, 
Fatigado de tanto navegar anseio tanto novas aragens,
Há um pouco de quem passou nesta alma ensejadora,

Outras proas diriam o mesmo neste convés de calmaria,
É o vento que me abraça as velas que difunde a cantiga
Deste encanto, deste prazer, deste tormento, da hemorragia,

Embalo-me na corrente, desalgemado em noites de lua cheia,
Procuro-me onde ainda não me encontro, no espírito que mendiga,
Almejando Vida e um pouco mais de Sol onde a luz ainda escasseia.

terça-feira, 6 de abril de 2021

Um Momento de Claridade

Um momento de claridade, prontos a navegar, 
Aproxima-se o dia de reflexão, da libertação, 
A sonata para a noite, o tentar sempre chegar
À montanha mais alta, ao ponto de elevação, 

Este céu que nos abriga dos morros uivantes,
Chuva antes de mais, é uma rosa feita de amor
A partilhar que faz do longínquo menos distante
E torna este poema, mais poema, beijo, clamor!

Trago punhados de tempo no trilho e no fim
Não pretendo mais do que um pouco mais
Do que ouso sonhar ou pedir só para mim,

O rio que flui e chega defronte o mar, a maré
Vertida em sonho de porcelana, não temais
Hoje prostrar-me-ei aos pés de Oxumaré!



quarta-feira, 31 de março de 2021

Quando Chegar a Hora

Para além do outro lado, fechando com dedos cautelosos
Nossos olhos de melancolia pela bruma surpreendidos, 
São estes os últimos dias do verão, estes ventos dolosos
Permanecem nas margens por choros ainda preenchidos,

O céu de cristal silenciosamente suplica por novos horizontes,
Nossos destinos entrelaçados falam de visões ainda por vir,
Campos dourados regozijam nos toques com sede de mil fontes,
Um estalido de faísca de ouro, fagulha nos peitos ainda por sentir, 

Beleza, querida teia de estrelas aproximando-se da abóboda, 
Labirinto do tempo, meu agora e para sempre nesta solidão, 
Cruzemos então a vida e a morte, uma alma na eterna roda, 

Aquela que é Deus para um infinito número de caras e rostos, 
Tempo, a divindade, Eu vim e tomei estas terras celestiais na mão
E agora que a noite me leva, tal pegada na areia, ofereço meus gestos.


sexta-feira, 26 de março de 2021

O Bosque Pelo Mar Sem Margem

Olhamos para dentro buscando a auréola exterior, 
Era eu, o homem de mãos à cintura, a bravura,
De quem esperava o amanhecer do dia anterior, 
Precisando de ébano e marfim, de simples alvura, 

Pois há bosques adiante de luzes fragmentadas, 
Os celestiais livres de tristezas da substância,
Doces sítios para movimentos e emboscadas
Quando, para lá da vista, ainda há relevância, 

Para lá das barreiras que limitam esta existência, 
Um dia, adiante, serei para lá dessa dimensão, 
Abraçando Rainhas e Reis em toda a sua iminência, 

Os céus cairão a meus pés, passado e presente,
Como um recém nascido de coração na mão, 
Este é o momento em que nos tornámos crente!

quarta-feira, 24 de março de 2021

Tanto Quanto Os Meus Olhos Conseguem Ver

Tanto quanto os meus olhos conseguem ver
Há sombras próximas, as portas sendo abertas, 
E eu, velho e sábio, não consigo ir ou me conter
À pergunta: "Será breve o passar das horas incertas?"

E tanto quanto os meus olhos conseguem ver, 
Os ventos de Outono trarão o Domingo, o vento, 
Quando for velho e sábio e no caminho for e correr, 
Um dia qualquer, no meio do tempo, ainda lamento, 

"Já foste meu amigo não foste?" - caem os confetes,
Saúda-me meu velho amigo, esqueci-me das pontes, 
Fecho os olhos, cerro o coração, não me inquietes, 

Poeira na brisa, uma gota de água num mar infinito,
Desconhecendo o que poderá vir depois ou dantes, 
Eu sou o aprendiz dos mestres, o eterno incógnito. 

As Palavras Que Saem Do Coração

Sei que as palavras são cegas e vagabundas,
Trilham na vaidade, no velório da impaciência,
São veículo para o longínquo, roda das rotundas, 
Porém o instante dita-me sobre sua transcendência, 

Prematura ou inesperada, deixai-me ir à procura,
Vestidos brancos, uma tela de tintas ainda fresca, 
Atracções onde nos vemos, a pele é tal brancura
Silhueta para a perfeição e a paisagem é pitoresca, 

Onde me perco vezes sem conta nos seus cabelos, 
Os dias poesia para uma noite repleta de estrelas,
A maré sobe, movemo-nos num sonho dos belos, 

Aqueles que nos antecedem, que abrem caminho, 
As palavras juntam-se em moções de aguarelas,
Pouco mais tenho a oferecer, só este bocadinho. 

terça-feira, 16 de março de 2021

A Infinda Vestimenta

Vou caminhando sozinho, em busca do perene itinerário,
Nunca tive os pés sobre a terra, desta terra quase falto,
Preferia ser um pássaro, vendo o mundo ao contrário,
Talvez fosse tudo mais belo visto do alto, lá do alto…

Outrora era astro indómito navegando o firmamento, 
A fagulha então luzente, a estória ainda por acontecer,
Aprendiz para o Inteiro, trazendo nos bolsos o sentimento
Que alumia o Céu e que não se permite em bolsos conter,

Doces brisas no topo das árvores, limpai-me o rosto,
Tenho esperado por séculos o regresso ao alvorecer
Guardá-lo-ei em garrafas para perdurar pelo sol-posto,

Apregoando amor perante o vendaval, perante a tormenta!
E o que restar guardarei nas algibeiras até poder oferecer,
Sim, as constelações terei um dia como infinda vestimenta.

segunda-feira, 15 de março de 2021

A Espera Continua

Vou seguindo o pássaro negro para casa, o lugar
Que apelido é onde descanso os ossos enfim, 
Pressiono a cara contra a vidraça da sala de estar,
Toco na janela e abro a porta, espero-a em nosso jardim,

Pois sei que Deus espera por mim no final do trilhado,
Não receio a morte nem a bruma que um dia virá,
Caminho procurando a libertação do coração algemado.
Procuro o Inteiro, desejo o prometido e pretendo-o já!

Quanto a quem amei um dia, sempre haverá espaço,
Para a ver quente e feliz, haja chuva ou faça Sol, 
Suspiro este desabafo nas nuvens ansiando seu regaço,

Os castelos de areia feitos no ar, tão difíceis de fazer,
Tão bonitos de ver, são apenas emboscada e anzol,
Miragem e ilusão para um peito casto satisfazer.


A Candeia Entre a Neblina

Algures entre este sol desponta o horizonte, 
De olhos perdidos para o poema, para a Vida, 
Translúcido, procurando sementes para a fonte
Que sacia a sede do sedento na ocasião envolvida,

Algures anoitece, a frialdade do ar queima o rosto,
O dano de um beijo e o ser colocado num cinzeiro,
Porém agitam-se os ramos e por instantes não há desgosto,
Para além de um manto de penumbra acossando o luzeiro, 

É o esplendor que separa o trigo do joio, o insigne amor, 
Descendo os corrimões que vão para Tártaro, à perdição!
Quase ouço os sopros, imponentes e repletos de clamor,

Antes que sucumba sobre mim a noite escura, a última cortina,
Percorrerei a terra, para sempre buscando o fragmento do coração,
Nesse preciso momento serei Deus a alumiar envolvido por neblina.

sábado, 13 de março de 2021

Este Quase Talvez

Olhos mexendo sob lágrimas azuladas, 
Este sonhar por vezes não é sustentável, 
Crava-se na pele e nas marés atracadas,
O tempo retoca e passa, isso é indubitável, 

Imobilizado e vestido em baldes de cimento,
Agarrando nuvens tentando obter o horizonte,
Onde o passo logo é passada e incremento
Para o viandante, o ir para lá desta ponte,

Porém ainda se perguntavam para onde foi o verão
E a beleza das transparências de corda ao pescoço
Apoquenta a graça, remedeia o ponto do cidadão,

Perdido e encontrado assim por uma última vez,
Sendo tão difícil de engolir, sendo tão insosso, 
Esta pedra que trago na garganta, este quase talvez.

sábado, 6 de março de 2021

Acordando Desperto

Acordando desperto procurando o brilhante
Do estelar, a incerteza de um olhar objectivo
Aí jaz então a beleza encontrada no instante, 
Desde o detalhe do abraço ao beijo respectivo,

Reflicto no passado, é vê-lo ao comprido estirado,
Foi a lágrima e o sorriso, foi o deixado e pretendido,
Onde a mudança foi permanente e é o único guardado
No baú deste coração ornamentado o então difundido, 

Os fragmentos que ligo são holofote para meninos perdidos,
Para sempre caindo magoando o joelho, arco-íris vendendo, 
Fugindo atrás do Sol, por um momento no tempo concedidos

Ao prazer de não ver as sombras no ir indo sobre o horizonte, 
Sobre a linha do céu, somente tu e eu, o infinito querendo
Quem trouxer ao passar do segundo, ao passar pela ponte.

terça-feira, 2 de março de 2021

Lágrima ao Mar

Não temais marinheiros, entrai bravios no mar,
Ante a próxima intempérie, o sonho inacabado,
Procurando a palavra, retorquindo deste lugar,
O osso do inteiro outrora então fragmentado,

Não temais exploradores, apostai na revinda, 
Sorri ao inalcançável, somos brisas e perdição, 
Os restantes dias passados donde a luz finda
Dos bastidores e uma cortina fecha o coração,

Escondemos os tesouros tão fundo sob a terra, 
Gritos entre segredos ocultos e lábios cerrados,
O mundo por vezes é aquilo que nos encerra 

Dentro do sol, sufocando e mendigando ar, 
Contando as sombras dos dias já rasurados, 
Com o tempo na lágrima, a lágrima no mar.

quinta-feira, 25 de fevereiro de 2021

Pois Um Dia

Fechando os olhos apenas por um momento,
A berma afastada celebra um sonho sonhado, 
Recuso-me a partir, a esquecer o sentimento
De quem se largou no poema, o escrevinhado, 

Não posso descurar que somos poeira ao vento,
O anseio e desejo futuro, um instante passado,
Pois ao partir a pegada na estrada é testamento
De quem lá passou em ritmo lento ou apressado, 

Para a foz tragam o melhor que vem da passagem,
Esta brisa é o ponto do tempo que é toda a verdade,
Por isso preencho os pulmões, sinto-os com a aragem, 

A procura é por quem não encontramos, dentro ou fora, 
Almejando que o dia regresse agindo em reciprocidade,
Pois um dia sim iremos todos fugir, iremos todos embora.

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2021

O Passo Desalinhado

Esta melancolia verte-se na lágrima caída,
Esta solidão, esta demora é esta amante,
Por quem me enleva o coração, a batida
Aumenta o ritmo da chuva sempre errante, 

Espero por quem ainda não me apareceu, 
Espero por quem já foi e partiu há estações,
Esquecendo o beijo que esvoaçou para o céu
E timidamente, esqueceu a fluidez das canções

Que adormeciam gigantes na delicadeza do amor,
Então merecem os corações esse toque de Ícaro? 
O perdão pedido, as asas ardendo e neste torpor 

Encontrar felicidade, o morrer com um sorriso traçado,
Que o morro deixe a paz e paixão elevada ao pícaro
Do Elísio, pois tem de haver trilho para o passo desalinhado.

Acredita Nestas Palavras E Confere-me A Mão

Confere-me a mão em plena confidencialidade,
Demonstrando-me que não há razão ou idade
Para se ser feliz por um momento desta vida
Pois a qualquer instante vem o fim, a partida, 

Logo devemos aproveitar este bocadinho de sol, 
Escapar às curvas da estrada, às redes, ao anzol,
Pois há tanto para ver e saborear, há tanto a tocar, 
Por vezes parecemos baratas tontas de papo para o ar, 

E há parte do expoente do dia, parte do que é importante, 
Por isso a procuro sempre mais e mais, o eterno suplante
Do passado, o amor indomável, o beijo eterno e devasso

Em breve seremos novamente poeira, é erro crasso
Não aproveitar este mundo enquanto nele estamos,
Ou não instanciar o beijo enquanto nele habitamos.

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2021

De Mão em Mão

Cabeça na almofada, despertador na cabeceira,
Debaixo do Sol caminhamos de mão em mão,
Perdidos entre cores, encontrados na ribanceira,
De tanta curva e contracurva, vem a contramão,

Lá fora o Luar expedita aqueles sonhos e ilusões, 
Onde, de mão em mão, estrelas foram alcançadas, 
Nas frentes outrora escuras temos nossas dimensões,
Este instante é nosso, dizem as noites alvoraçadas,

E se um dia me faltar o ar, se um dia eu for partida, 
Que o deslumbre continue, que não seja peça extinta,
Pois enquanto formos de mão em mão, na investida,

E tivermos falta de mais, chama, o mundo a nossos pés,
Trincando a maçã, bebendo o vinho na sombra indistinta, 
Com saudades do Lar, lugar, beijo na face em belos rodapés.

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2021

Eu Por Cada Momento

Transpõe-me para uma ausência de escuridão,
Pois a terra é um carvalho assente em raízes, 
É um livro escrito com galhos em imensidão, 
Apontado para Norte, somos meros aprendizes, 

Folhas caídas pelo Outono revestidas, doce som,
Pois aqueles que abdicam de si são crianças nuas, 
Calcando ignorantes o futuro e a sua sofreguidão, 
Assim vão passando os sois, assim passam as luas, 

Daqui para o infinito e dele para o preciso instante
Onde enveredamos pelo trilho cuja semente é plantada, 
Crescem fortes estes troncos do peito, não obstante

O quanto nos lembramos do que pretendemos projectar,
Este jardim de Éden, os campos Elísios, a luz fragmentada
Nada nem ninguém me irá impedir de cada momento amar.



A Candeia Para a Escuridão

A exigência de pedágios para a passagem na ponte,
Caminhando ouço as vozes dos que me precederam 
Eu, só o viandante pretendendo chegar ao horizonte
Trazendo aos ombros os gigantes que antes viveram, 

Entre montanhas e vales, que me siga quem se procura, 
Este trilho é abóboda celeste para os reais sonhadores
E será caminho da brilhante escadaria à viela escura
Pois somente a revinda do sonho removerá as dores

De quem amou e ficou demasiado tempo perto do fogo, 
Inalando fumo nos pulmões por longínquas distâncias,
Saibam que um dia chegaremos algures... logo, logo

Seremos a pertença de um beijo doirado jamais dado, 
Anjos entre homens, homens inteiros e até crianças,
Este coração é candeia para a escuridão, é o fado. 

domingo, 7 de fevereiro de 2021

O Universo de Si Consciente

Quando viramos a coberta que nos encobre,
Há horas passadas que vão pelo nevoeiro
Do tempo, nossa riqueza que nos faz pobre
Se enquanto não usado vai com o barqueiro,

Tais passos não dados, a indiferença do olhar, 
É assunção de escassez de vida, de partida
Do ser antes de ter ido, não é possível amar
Sem deslumbre se a margem não é querida, 

Fugimos à morte se atingirmos o acontecimento,
Deus pretende que entrelacemos nossa história,
Somos expoente em vida se formos no momento, 

Portanto assim vou e rumo desaforado e impaciente, 
Um dia sim, seremos apenas mais uma memória
Porém hoje somos o Universo de si consciente.

terça-feira, 2 de fevereiro de 2021

É Preciso Despertar

É preciso despertar o brilhante do firmamento, 
Transparecer luzidio para poder alumiar o dia,
Este aqui é o único instante, o único momento
Para poder trazer o brilho das estrelas e a magia, 

Escrevo-a dentre dedos cujas pontas são esticadas
Para o horizonte longínquo, porém, no presente, 
É assim que nascem asas destas costas arcadas
Mesmo quando regressa a chuva incipiente,

Lembranças dormentes passando de mão em mão
E não tidas tais nuvens brancas além escondidas
Até andei de pernas para o ar para sentir o chão

Entardecendo a aurora com um Luar versejado,
É preciso reencontrar as horas outrora perdidas
Para finalmente reencontrar o nosso Sol amado. 


quinta-feira, 28 de janeiro de 2021

O Abismo Entre Eu e Ela

Estas quatro paredes nunca nos segurarão,
Não enquanto houver novos sítios e lugares,
O movimento é o que digna, enleva e dá a lição
Do tempo partilhado e os seus diferentes estares,

São caminho no holofote, para termos de novo vida.
O mundo entretanto mudou, é difícil ir de mão em mão, 
Pulsa o peito batente é tumultuoso e anseia por guarida
Que gostaria que fizesse parte do cenário, da conclusão

Em que dois eram somatório, oratório para os deuses do olimpo, 
Rodinhas para rodar, asas para voar e olhos para conseguir ver,
Saudades de casa, o seu ombro arrebatado a um cerúleo tão limpo,

Não obstante, verto-me por degraus para chegar a esse lugar, 
Algemado ao coração, tentando não sentir o óbvio e o tecer
Que me entrelaça a ela é abismo para o não saber quando amar.


terça-feira, 26 de janeiro de 2021

Quando Vier a Emboscada

Há quem passe a vida perseguindo-a sem nunca a alcançar, 
Numa doce procura, numa caminhada através de labirintos,
Através do escuro beco sussurram as vozes num abismar
Que parece de outra dimensão, de tempos outrora extintos, 

Prosseguindo as inquietudes da alma trazidas na algibeira aberta,
Os sonhos verteram-se para o chão, perdeu-se a razão para amar,
Ninguém pisca os olhos, quanto mais fechar, a quimera é incerta
E nessa mesma incerteza que era dela não permitia ser ou estar,

Porém há uma esperança que ainda perdura no canto do olho, 
É a brasa, o estado de afogueamento ou rubor vivo vivido,
Procurando os luares adormentados na meia-luz do sobrolho, 

Reflectindo a luz e a sombra da estirada, a mais bela emboscada
É o não saber quando espreita a cilada no passo já oferecido
Ao chão, venha o dia, seja a noite e que a luz jamais seja ofuscada.

sexta-feira, 22 de janeiro de 2021

Guerra Civil

É a algazarra no vértice da esquina, ruído e barulho, 
De antemão já sabia que vinha para o fim do mundo, 
"Guerra é guerra!", bramo e com o punho erguido vasculho
O inimigo removeu-nos das nuvens para um poço profundo, 

Dormitamos entre o fogo e é então que irmão mata irmão,
Sem fraternidade, dou a outra face, rogo aos santos e a Deus
Pois é nesta altura que até o ateu vira crente tal é a confusão,
É também nesta altura que o familiar se vira contra os seus,

A Morte a pairar por perto não distinguindo velho de criança,
O saque, a pilhagem, o furto é a indistinção entre a diferença
Vai-se a crença, fica a ilusão e miragem, preso sob fiança,

Estas cruzes, estes sepulcros sem nome, são de irmãos
Que cavaram sua cova sozinhos, essa é a sua sentença
Perante o pai indiferente que do negrume lava as mãos.


 

quinta-feira, 21 de janeiro de 2021

Vamos Deixando Poeira de Ouro

Outrora era um homem no epicentro da confusão, 
Esvoaçando cego pela luz, ouvindo os sonhadores
Não mais do que um vislumbre para fora desta ilusão,
Debaixo do holofote a peça acabou sendo eu os bastidores, 

O passado por vezes apanha-nos e prende-nos à sua beira, 
Procedemos a busca pela fragrância que faz mais sentido, 
Entretanto balança, balança e caem-nos sonhos da algibeira
Será esta a viagem para a qual não nos teremos ainda precavido?

Lanço os braços adiante e alcanço parte custódia do firmamento, 
Sabes que houve alturas em que a geada preencheu este coração, 
As nuvens que me passam, os beijos que traçam este momento,

Por isso inspiro o suspiro que vai e vem, eu sou aquilo que é deixado, 
A poeira de ouro bem sedimentada é trilho inverso por vocação,
O resto que ainda está para vir é o resto que falta ser abraçado.

segunda-feira, 18 de janeiro de 2021

Estas Velhas Algemas

As salas vazias e as escadas para a cúpula apontadas, 
Vamos vivendo para o dia a dia, daqui tão longínquo, 
É o motim que me traz à tona, as setas quebradas,
A prisão do próprio pensamento caindo obliquo, 

As palavras lajes para um discurso inacabado, 
No peito sinto-vos, a mesma criança sonhando,
Durmo com os olhos abertos, ainda perturbado
Dentro da raiz esquecida, a mim me arrancando,  

É o fardo de quem partiu, porém não é a chegada
A inteireza que ansio é maior do que estes poemas,
Procuro mais do que onda ou matéria, a porta fechada

Que abrirei com ou sem chave, é o poeta e os diademas
Alçado a brisa branda sobre a margem e a sua fachada,
Um dia vos prometo, um dia partirei estas velhas algemas!

sexta-feira, 15 de janeiro de 2021

Poema De Um Homem Sob O Oceano

De pés descalços sobre a raiz do azul oceano,
Paciente e resiliente face às ondas ainda por vir,
Voamos vestidos de reflexos cerúleos sem engano,
Este é o sítio neste momento para por fim as sentir,

Por isso nos importunam as nuvens na veloz ascensão, 
Sobre a água uma ponte invisível, que doce beleza,
E por aí não obstante bate por fim o uno coração
Rematando para longe os traços de dor e tristeza, 

Encurralado entre os antebraços, deposito os abraços
De quem me pretende próximo, um rosto no beijo
E vem o desejo, e vem a vontade a nítidos laços,

O ar engolido, libertado em busca de um tesouro
Maior do que a vida, maior que o maior almejo,
Aqui é onde fico e me preparo para o tempo vindouro.




quarta-feira, 13 de janeiro de 2021

As Horas Sedentas

Então sozinho fui andando numa linha estreita,
Perseguindo as sombras tortas desta parede, 
A candeia luzidia pela rua que se endireita
Acima da colina e eu escapando sem rede, 

Logo rasgava esquinas acossando a fragrância,
O seu nome ainda apaziguando as lides nocturnas, 
E eu correndo em tamanho estado de beligerância
Via-me ao longe parado através de dias e horas soturnas, 

Entretanto o rosto enrugava assentando no fundo
De papeis amarrotados onde rangendo os dentes
Era voz formada de vazio em tom nauseabundo,

E sonhos quebrados isolados por paredes cinzentas,
Por vezes custa-me continuar a luta por quatro frentes,
Porém continuar é preciso para preencher as horas sedentas.

sábado, 2 de janeiro de 2021

O Análogo do Viver

Eternizado num momento, a eterna adversidade,
De lápis em riste, feliz ou triste, irei escrever
Sobre voos e quedas, o humano e a divindade, 
Acordar o Pégaso e dar a vida ou até morrer, 

Da rota e o seu peregrino ao universo e a viagem, 
Há liberdade na falésia e há paixão no esvoaçar,
O deslumbrante é cativo do sem pertença, a aragem
No rosto e pés descalços no verdejante, sim, o amar

Quem aparece no espelho, a colheita do plantado
É amor redobrado, é preciso ar para poder revir
E as folhas caídas da estrada são bosque encantado 

Para quem não deixou de acreditar, havemos de ir
Perto ou longe, alto ou baixo, desde que andemos,
Pois o análogo do Viver diz o quanto viver queremos!