domingo, 25 de junho de 2017

Estações Vestem-me

Estações vestem-me o peito de dourado,
O poeta perde-se no álcool e na donzela,
Se ele das belas musas sempre foi o afilhado
Permiti-o pernoitar onde reluz uma estrela,

Vai o tempo e vem a dolência de uma espera,
Vai indo no improviso de um jazigo profundo,
Por vezes mal tem tempo para sentir a quimera,
Que de si é toda a sua vida, todo o seu mundo,

Tratava as estrelas como se estas fossem irmãs,
Dormitava no colo da Lua e esperava por Ema,
Assim lentamente se aproximam as manhãs,

Apregoando o júbilo de Deus, o eco de uma vida,
Num instante o passageiro se torna no poema
E então nenhuma passada é largada ou perdida.

Amor, Entre Nós

Amor, entre nós as noites estão perdidas,
Espero no presente que se torna passado,
O sol poente é irmão das noites despidas
E o poeta é o filho delas tal orfão abismado,

Vem a manhã, vem o dia e vem o anoitecer,
Buscando mãos entre o nevoeiro cerrado,
Confesso o percurso errante ao entardecer,
Serei só fragmentos desse trilho quebrado?

Na palma de um velho, toda uma solidão,
Esbatendo as rugas, assolando a restante
Parte que após ter sido refém do coração

Foi fugitiva, oh gente esta vida é passageira,
Porém dá para esperar ou procurar o errante,
Que é o único caminho escondido na algibeira.

O Anoitecer

O anoitecer leva os fios reluzentes da aurora,
A presença de um deserto sem água é a sede,
Eleva-me tal a criança que um dia fui, outrora,
É trampolim para a esperança no sonho sem rede,

Estes vultos são as ausências, as noites sem Lua,
A mármore e a pedra cal de formas esvaecidas,
Erguendo-se da terra expondo-a enfim tão nua,
É o suspiro das memórias um dia enfim perdidas,

Aqui onde o Elísio se alheia da passagem da hora,
Longe daquilo que é percepcionado como gente,
O menino sozinho coloca as mãos na cara e chora,

Pois o mundo não permite que ele seja inocente,
Quando apenas pretende ir por esse céu fora,
Procurando um vaso onde possa pôr sua semente.




Procurei

Procurei com olhos errantes esse seu vulto,
Pelo silêncio das praias desertas e a sua areia,
Pensar nela ainda é de todos o maior insulto,
Espero hesitante pela vinda da maré cheia,

Esbracejo e não dissipo o espesso nevoeiro,
Trauteio uma canção há muita já esquecida,
Sinto falta de mim, sinto falta do ser inteiro,
Caminho sozinho por uma margem perdida,

Almejo uma maior memória ardente e viva,
Permitir viver e ser o fragmento de coração,
A quietude de uma alma que é ainda cativa

De um momento passado, de uma estação,
Estas preces, este outrora que a alma criva
São a esperança que vai de mão em mão.

Porventura

Porventura seria pois de uma alma exilada
A lembrança deixada na berma da margem,
Ainda vou indo no percurso desta estrada
Ignorando se este trilho tem sido viagem,

Saudades dela, de nossas mãos bem dadas,
De instantes pertencentes quase a Deus,
Era outro tempo de promessas quebradas,
Era a beleza captada por estes olhos meus,

A morte sorri-me, ofegante sou o seu passar
Daquilo que outrora passou e enfim é passado,
Daquilo que eu não consegui de todo cativar,

Deixo-te ir pois este coração é transeunte só,
Nada fica para sempre, há que seguir o fado,
Enquanto vou ficando eu, sozinho sob o pó.

sábado, 17 de junho de 2017

Vai-te Embora Rapaz

"Vai-te embora rapaz" - e fez-se noite cerrada,
Quem agora terá esse beijo, esse terno regaço,
Aquela que bela no mundo era toda a alvorada,
Para vida eterna terás em mim sempre espaço,

Suspiro perante ti a memória que é a minha saudade,
Fecha os olhos e descansa, liberta-te desta canção,
Lembrar-me-ei do teu sorriso e da infinita bondade,
Descansa mas permanece para sempre neste coração,

Desde que o rapaz se tornou homem que tempo passou,
Rugas afloraram-se no rosto, o cabelo tornou-se grisalho,
E do que parece pouco mais que instante o que é que ficou?

O teu sorriso, o teu olhar num sopro de vida emanada,
Ver-te-ei novamente por cada passo dado, no orvalho
De um amanhã sem tempo de ti, querida avó amada.


terça-feira, 13 de junho de 2017

Discursei tão Bem

Discursei tão bem naquele ido dia,
Quando vieram enfim as maravilhas
Trauteei tão repleto de luz e alegria,
Entre fantasmas e sombras - a ilha,

Suas palavras ópio para a multidão,
Dizendo o impróprio, eu sou a sede,
Estes lábios tropeçando no coração,
Através do impossível caindo na rede,

Vi então a minha flor, uma pétala caída
Num passeio entre um jardim tranquilo,
O silêncio causado pelo caos de uma ida,

Percebei, este poema é uma ode à melancolia!
Pois deixai que da amada seja ainda pupilo,
Eu… que discursei tão bem naquele dia...

Falávamos

Falávamos então de aventuras e de amor,
Abotoava a camisa, colocava o calçado,
Olhava pela janela com asas de condor
E o horizonte num instante era abraçado,

Um manhã voaremos antes dum anoitecer,
Rasgando a pele, entre as nuvens libertos,
Seguindo este trilho deixado pelo alvorecer,
Difundido por e entre suspiros tão incertos,

Ver é reparar no que além do óbvio se alcança,
Florescer ante o escutar atento e o desinteresse,
Onde fica o esquife e o sorriso de uma criança,

A escolha é subtil, perfume esperando tão silente,
Quanto menos esperamos o Universo acontece,
Sou todos num homem em si presente e ausente.

segunda-feira, 12 de junho de 2017

Procuro o Fim de um Arco-Íris

Procuro o fim de um arco-íris bem arrebatado,
Crescente e erecto para os céus tal prometido,
Também inocente e esperançoso quanto ao fado
Em que o homem se submete como apelido,

Procuro silencioso por um tesouro escondido,
Por ouro que não reluz à mera vista comum,
Quem o encontra um dia é então surpreendido
Por alimento que alimenta mesmo em jesum,

Procuro o paraíso dos loucos e mentes sãs,
Por mendigos que escolheram o seu lugar,
O beijo que nutre a passagem das horas más

E por fim ensina ao descrente o que é amar
Pois mesmo que até lá não soe a alguma paz
A vida e a morte sabem pelo seu tempo esperar.

terça-feira, 6 de junho de 2017

Quebrados Somos

Quebrados somos histórias de dono passageiro,
Irmão, vamos incertos de mãos bem dadas,
Calcando folhas caídas sem mar ou timoneiro
Cúmplice coralinos de perdidas madrugadas,

Segue este olhar e do céu serás a pertença,
A caravela de sonhos procura cais de abrigo,
São margens passadas esquecidas da crença
Suplicando por brisa no rosto tal mendigo,

Somos nós as canções das luas partidas,
Os instantes ínfimos entre a noite e o dia,
Os passos ecoados no claustro em fugidas,

Por este fim, o fundo de toda uma melancolia,
Somos nós as luzências outrora prometidas,
O sorriso num beijo: oh como o queria, como o queria...

segunda-feira, 5 de junho de 2017

Tenho Tanto de Fado

Tenho tanto de fado como de passado,
Tanto tenho eu de insano como de são,
Reúno imagens e fotos mentais em vil fardo
Que assusta e apoquenta o resto dum coração,

Fragmentos lembram o dia em que era rei,
Espiralando enquanto duas mãos se desfaziam,
Eu criança cujo medo se tornará assim a lei
Pelas sombras que na noite se escondiam,

Entre palavras, doutros lugares quase posse,
A chegada torna-se numa espera enfim,
Cuspimos vogais através de uma rubra tosse

Que parece não entender o real mesmo assim,
Sob a língua torna-se o sabor meio agridoce
De um homem que desconhece o que é o fim.

Pela Vista Desta Janela

Pela vista desta janela cerram-se portões,
Atormentado pelo vazio de um terno abraço,
Respiramos por sorte no meio de dois corações,
Errados ou certos dormíamos na ideia de regaço,

Revelamos a verdade sangrando ao vento,
Estes sentimentos irão um dia subsidir,
O sorriso retornará e num beijo todo o alento
Que um dia pensamos ter deixado de existir,

Já não penso na donzela mais nem menos,
Esta é a noite em que por último respirarei,
Beberei da fonte da solidão seus mil venenos

E procurarei nas vielas o que não consigo encontrar
Nesta viagem perdida, o que amanhã serei
Será só outro sonho que continuarei a buscar.