quinta-feira, 26 de outubro de 2023

Quem Tem Terra

A subtileza da sua voz, uma proporção de encantamento,
Pergunto se haverá porções que poderei levar no caixão,
Enquanto vou retendo a terra da passagem do momento,
Lembro-vos, suponho que o passado tem sido por estação,

E estas mãos têm criado logo tenho sido Deus na terra,
Que vem e me enterra, cada vez mais profundamente,
E cada fragmento que inalo torna paz o que era guerra,
A aceitação do sonho de outrora e vindouro faz o crente,

Entrementes, recordo as asas no limbo entretanto perdidas,
A busca incessante por significado, por sítio, por lugar e lar,
Sentir tantas vezes estas estocadas pelo tempo investidas,

Tantas vezes que por vezes até desconhecia onde ficar,
Por isso passava além do que eram as margens queridas,
Fazendo por esquecer o que era permitir ser ou mesmo amar.

quarta-feira, 25 de outubro de 2023

Sonho Matinal

Almejo acordar ao lado daquela esbelta donzela
Que me faz o coração saltitar sempre tão ofegante,
Olhá-la nos olhos, permitir ser osculado só por ela,
E nesse momento em que tudo parece menos distante,

Aguardar as suas pálpebras abrirem para este mundo,
Naquele instante abençoado por dois olhares atentos,
Sacudir de seus lábios o tom do silêncio mais profundo,
Entrar com a luz pelas janelas tal o renascer de rebentos

Que florescem libertos numa somente sua doce cantiga,
Numa melodia soalheira, revelando assim o seu despertar,
As brisas passageiras, o vento refrescante e a manhã amiga,

Escancarar a porta e permitir o som dos encontros reentrar,
Deixar o pássaro azul encantar numa canção que nos bendiga,
Sim, de entre todos estes sonhos tidos posso ainda estar a sonhar.

quarta-feira, 18 de outubro de 2023

A Queda de Uma Folha de Outono

Cai oblíqua, incidente sobre o desnudado pavimento,
E eu, de boca aberta, aproveito para a poder saborear,
É esta propensão para a queda, a intuição do momento
Que permite ser num breve instante no céu, no esvoaçar,

Cai silente, subsiste um ruído nulo e vem num sossego
Que é o pisar sobre folhas outonais num lene murmúrio,
Tão doce e tépida, numa doce enxurrada, num aconchego,
Vai rebatendo na moldura da janela azul que em infortúnio

Relembra-me a passagem do tempo em doce melancolia,
Sobre o berço as suaves boas-vindas que vêm sem demora
Quando nos despedimos sobre a pernoita de mais um dia,

Cai branda, cai ténue retraçando os passos dados outrora,
Vejo-a pelo canto do olhar procurando a sua única magia,
Esperando assim o tique e o taque de uma forasteira hora. 

terça-feira, 17 de outubro de 2023

Esperança e Ciclo da Vida

Reavivemos a imensidão do homem outrora morto,
Preenchendo o vazio com memórias e esperanças,
Navegando e trazendo a maré enfim a bom porto,
Esperando por boas sinas, bom fado e bonanças,

Trago areia entre os pulsos, entre a palma da mão,
Os segundos que fui, as sombras no que é destinado,
Ao destino, não a chegada, o bater atento do coração,
A vontade de ir além do e pelo horizonte açambarcado,

Há crianças brincando entre a face de um velho enrugado,
Encharcado por momentos, ensoleirado por aceitação,
Tentando ser um homem melhor por cada seu bocado,

Cativando com ênfase num beijo pelo Universo libertado,
Por cada queda da folha, por cada passar de cada estação,
Almejando de que pelo menos cada Amor tenhamos amado.


sexta-feira, 13 de outubro de 2023

A Vida é o Que Acontece Nas Encruzilhadas

Há suspiros a aguardar a sua altura para serem libertados,
Marinheiros naufragados abaixo de cruzes em cruzamentos,
Guiam-me as falésias do coração, esses instantes eclipsados,
Por onde as sirenes são o pelejo escurecendo destes momentos,

Se apanhar as fagulhas nas palmas das mãos, tudo melhora,
Estas avenidas são para os mortos que a mim antecederam,
Ao longo do tempo tenho sido só o passageiro da fugaz hora?
O segundo entre muitos, o sono acordado nos que remeteram

Os seus sonhos ao zénite mais alto, à noite de magia encostado,
Promessas sussurradas, suas mãos nas minhas, por fim em paz,
Paz para este olhar triste, para esta ânsia louca, o ser encurralado,

Por isso albergo as estrelas nestas lágrimas, as gotas dos mares
São pertença, sentença para a passagem das horas que o vento traz,
Vindoiro o para sempre, trocarei esta alma se tu por enquanto ficares.

quinta-feira, 12 de outubro de 2023

A Seta Quebrada

Repleto de estrelas são os horizontes distantes,
Que esta vara se levante, que conte seus contos,
A paixão de outrora, a estocada viril de um antes,
A recta rascunhada entre a certeza de dois pontos,

Esta quietude é aparente, difusa, muda e impotente,
Sem conseguir entrar, o cego por quem vê ladeado,
Ele bem quer, ele bem tenta ir e tenta ir em frente,
Porém não consegue, é velho, é de homem bocado,

Rasgado o silêncio, as noites por dias então passados,
Escrito no grito silente de quem vê a mocidade passar,
A angústia é perscrutada por vários corpos definhados,

Cicatrizes negras e profundas, o eco à serenidade destinada,
Revoltado por uma sina não esperada, a necessidade de arfar
O ar que não entra, não pujante, não libidinoso, a seta quebrada.

sábado, 7 de outubro de 2023

Árvore dos Sonhos

Por onde andei, havia uma árvore sonhada,
Um instante onde sentia por fim a pertença,
Eu era uma criança com a alma lá cravada,
Numa quimera grandiosa, sem cruel sentença,

Dessa árvore caíam folhas na altura do Outono,
Revestindo o soalho a amarelo, as cores de então,
Onde fechava os olhos e entrava num eterno sono,
Permitindo ao momento vir e ser dentro do coração,

Chorava dentre o riso, entre o vento e a rama, perdido,
Suspirando o desabafo enquanto o beijo era libertado,
Quem é que disse que a chuva nos lavaria num dia ido?

Era somente um criança brincando numa infância nostálgica,
Tantas lágrimas e começo a afogar-me nesse tempo amado,
Mesmo que me tenha desviado do caminho, há a eterna mágica!