sábado, 30 de abril de 2016

Por Onde Fomos

Por onde fomos na rua, vamos todos embora,
Nesta caminhada fomos juntos em seco leito,
Por onde fomos na lua, perdemos a aurora
Indo de asa quebrada e de sonho desfeito,

Por onde fomos, hoje vou triste e sozinho,
Numa noitada ébria repleta de saudade,
Por onde fomos, passem-me o vinho,
Que diga fora de mim enfim a verdade,

Por onde fomos, irei de vaga em vaga,
Perdido ou encontrado sem descanso,
Que o rio os destroços do que foi traga

Serei a morte de quem almeja por vida
Enquanto a outra margem não alcanço
Que aprenda a ser pela aberta ferida...

Sexta-Feira

Sexta-feira com céu nublado e aguaceiro,
Ocorrência de pequenos períodos de sol,
Enquanto encosto a cabeça no travesseiro
Encobrindo a primavera com um lençol,

Estão previstos períodos de chuva e morte,
Com temperaturas oscilando para o frio,
Para quem deixa passar o mundo a sorte
Sob a bruma de um período tão sombrio,

Sede de Vida, fome de vida a ser vivida,
Não lágrimas caindo de um precipício,
Afogando um coração que à partida

Deveria ser um beijo a toda a paisagem,
Apesar de não ser fácil encontrar indicio
Para dar o primeiro passo desta viagem.

Há Vezes

Há vezes em que a noite cai nestes braços,
Olhando para o céu sinto-a embalada,
Tal criança a adormecer em mil pedaços,
Guardados em mim ao passar da noitada,

Há sorrisos que são indescritíveis ao toque,
Vislumbro de uma cadeira um canto familiar,
Que o dia venha, que a noite o invoque,
Para um último leve beijo, um doce amar,

Lembro-a mesmo que passe o mundo,
A saudade de quem quebrou o coração,
Num sítio sensível, em lugar profundo,

Quando já não vamos de mão em mão,
Tornar-me-ei novamente no vagabundo
Entre a difusão do céu e uma prisão.

A Cela Fechada

A cela fechada de quem se há emprisionado,
Vem então a loucura do homem insano,
Numa casa vazia de olhar semicerrado
Aí onde percebe o que é ser humano,

Os medos e anseios de quem pensa demais,
As nuvens e a bruma chovendo pelo céu,
A donzela há partido de nosso belo cais
E nosso amor partilhado enfim morreu,

Não há poesia que chegue para falar
Da perda do sol e da queda da lua,
Como se há-de proceder, como estar,

Se a minha mão já não está na sua,
E o nosso regaço deixou de ser lar,
Quando a verdade é tão nua e crua?...

quarta-feira, 27 de abril de 2016

De Olhos Secos

De olhos secos e andar fatigado,
Vem a primavera cheia de flores
E eu não a vejo de costas voltado,
Falho em capturar as suas cores,

Assim se escapa o bater do coração,
Sem ter porto de abrigo onde amarrar,
Parece esbanjar sua própria pulsação
Por não saber para onde navegar,

Choro por todas as primaveras perdidas
E os verões que veremos jamais,
Sei-as idas porém tenho-as queridas,

Remo e remo sem encontrar cais,
Morto nas sarjetas destas vidas,
Por ela já não me amar mais.

Prisioneiro ou Refém

Prisioneiro ou refém de punhos amarrados,
O viandante finalmente encontrou paragem,
Pois hoje caminha de passos bem parados
E o horizonte parece mais uma miragem,

Pontes passadas são piras incandescentes
Onde só ninguém tem passagem aberta,
A sonolência por rios lunares crescentes
Donde vêm veredas de luz incerta,

Saudades do porto que nos deu abrigo,
Da dança imortal de duas numa alma,
Até de ser o poeta, de sê-lo contigo,

Independentemente de qual o perfume,
Aquele que me atormenta e acalma,
Na fogueira que me cobre de negrume

terça-feira, 26 de abril de 2016

Ninguém se Passeia

Ninguém se passeia na noite cerrada
E eu de vista cheia de firmamento
Pergunto qual o passo desta encruzilhada
Onde o trilho não se dá por cinzento,

Passam as manhãs e não vem o dia,
Ouço sua ausência na escassez de voz,
Sussurrando estrofes com falta de poesia,
Desta frieza imponente terei meu algoz,

E estas mãos frias sem linhas nos dedos,
Não há espaço algum para esta meia falta
Que vem de mansinho, quase sem medos

Onde até me esqueço donde é o doce lar,
Vai a última estrela cadente na noite alta
E eu sem saber bem onde me encontrar.

quinta-feira, 21 de abril de 2016

Dois Estranhos Ontem

Dois estranhos ontem eram amantes,
Lembranças partidas de um passado
Comum entre dois corações hoje distantes
Não há fim do arco-íris, não há Eldorado

Que enleve o ânimo deste pobre diabo,
Perdido à ausência daquela sua mão,
Onde será que começo, onde acabo?
Vagueio ora sozinho em meio caixão,

Passarinho leva-me para a outra margem,
Algures onde nunca tenha trilhado,
Uma última aventura, a última viagem

Que não seja esta a sentença de quem há amado
A agridoce beleza mutável de uma miragem,
E nessa certeza ainda se dar por apaixonado.

terça-feira, 19 de abril de 2016

Sono Tenho

Sono tenho no bater do coração,
A neblina do olhar semicerrado,
Ouvida no lento fluir da pulsação,
Desse feitiço ainda não estou curado...

Esfrego os pulsos e espero chuva
Num silêncio dentro deste abraço
Pedaços de naftalina, sou viúva,
Ao abrigo desta falta de espaço,

As giestas murcham à passagem
Dos vagões que ladeiam esquinas,
Lá por irmos, será isto a viagem

Ou outra forma de limpar latrinas
Pois tatuado em cicatriz a miragem
De quem partiu e levou a lamparina.

Perdida Então

Perdida então a graça da mão aberta
No olhar côncavo da menina donzela,
Será esta vida tão e tão incerta
Cerrada entre as paredes desta cela?

Respiro a sua lembrança enlouquecido
Que traz a morte de mão em não,
Neste instante sei-me perdido
Pois já não conto com a sua bênção,

De que vale este coração sem seu beijo?
Pergunto sozinho às sombras da estrada,
Quando ainda restos de seu perfume vejo

Que me resta para além deste nada?
Amor, já não estás perto, lacrimejo,
Aproxima-se uma dura temporada.

domingo, 17 de abril de 2016

Tal Madrugada

Tal madrugada entro pela porta vazia,
Ela vai longe e longe vai o passado
E eu sou a sombra que cobre o dia,
O sol por um buraco negro eclipsado,

Não me falem de Amor, não me falem!!!
O morto hoje não terá alguma alvorada
Que as vozes dos amantes de vez se calem,
Para mim não há Amor, não há cor, não há nada,

Sussurros espectrais indicam o fim do mundo,
O desvario sem sol, morrerei assim de alegrias
De tempo perdido num sofrimento profundo,

Sentimentos tremulam onde ela já não está
Não há versos ou estrofes para pôr em poesias
Para quando respirarei fora desta hora má?

quinta-feira, 14 de abril de 2016

Amor... Deixaste-me

Amor... deixaste-me no meio da estrada,
Estes olhos já não alcunham o horizonte,
As mãos tentam agarrar e trazem nada
Para além de terra batida deste monte

Que era onde fizemos casa e amor,
Agora no meio do mundo perdido
Encurralado entre garras de dissabor
Será este fado assim bem merecido?

Escondo as pálpebras atrás da cabeça,
Nada daqui tem em mim pertença
Esperando que a aurora aconteça

Essa espera é em si também sentença
Que esta dor a ela felizmente enalteça
Enquanto cresce tal tumor, tal doença.

domingo, 10 de abril de 2016

Segundos Passeiam-se

Segundos passeiam-se por cada alvorada,
Partem e chegam naquilo que sou
E de vista semicerrada vem o nada
Apesar deste caminho em que vou,

Em silêncio o tempo faz-se convidado,
Não se coloca mais um lugar à mesa,
E sentando-se e não tirando o calçado
Fica especando com ares de frieza

Por isso me custa escutar a sua voz
Das brumas de uma estória parada
Que nessa paragem é tão veloz

Pois leva para o esquecimento o ser
Deixando a alma mal acompanhada
Neste meio não saber onde caber...

quarta-feira, 6 de abril de 2016

Não Sei se Será

Não sei se será o vento ou a maré
A trazer esta próxima passagem,
Ela será sempre onde colocar o pé
Nesta tão pequena e breve viagem,

O pé descalço é morada para o ar
Onde o mundo passa sem cuidado,
Que me leva quase a exclamar
Estarei a esta passeata condenado?!

Poentes mostram o fim do horizonte,
E as margens do sol a o engolir,
Não há estrada nem há ponte

Sou demasiado pequeno para o obstruir
Por isso esta sede nem sequer tem fonte
E o difícil é mesmo conseguir partir.

sábado, 2 de abril de 2016

Pelo Seu Amor

Pelo seu amor me dói o ar e até a lua,
Mortos arranham as tábuas do chão,
Mil nomes sussurrados ao esmo da rua
E quando falta o alento, falta o coração,

O tempo é nas rugas e no cabelo grisalho,
Vai-se largando pele nas orlas do asfalto
Tal cais de abrigo pelas gotas de orvalho
Reflectido e até perdido no sobressalto,

Do seu vislumbre sou pertença e refém,
Prisioneiro do dormir sob seu perfume,
Sonho meu, diz-me onde, diz-me quem

Dormirá amanhã em teu prazenteiro leito,
Fecho os olhos, apago este meio ardume
E o inescapável adeus em despedida aceito.