sexta-feira, 29 de dezembro de 2017

Ao Beijo do Fundo do Poço

Beija-me do fundo do poço, desta ravina,
Sou toda uma sede e anseio por vida e cor,
Serei pluma a descer brevemente a colina,
Num devaneio alífero, num perpétuo ardor,

O céu e o mar retratam tão bem esse rosto,
Nos detalhes deste sorriso que os esboçam,
São nesta memória, a lembrança, o recosto
E o consolo nas ondas que as nuvens traçam,

Espero onde me deixei, num instante eterno,
Num barquinho à vela sem vento a o beijar,
Enquanto não vem a Primavera sou o Inverno

Mas pouco me importa pois aprendi a amar,
Nesse momento imanente o abraço fraterno
Ao beijo do fundo do poço que hei-de soltar.


quinta-feira, 28 de dezembro de 2017

Há Beleza na Simplicidade

Ouvia enfim: há beleza na simplicidade,
Nas formas, nas cores, no próprio olhar,
E esse ver não olha a credo nem idade,
E ensina a quem é só aprendiz a amar,

Encontram-se por fim porções de vida,
Evita-se a mentira e até a miragem,
Beijando-a na boca ela sente-se sentida
E cada segundo torna-se nesta viagem,

A idoneidade do simples tem aqui lugar,
Há tempo e espaço no espelho a reflectir,
É até recipiente para quem a si se procurar,

O importante é o permitir, é o consentir e o ir,
Pois ao longo do caminho perde-se o caminhar,
Portanto é indispensável deixar o simples existir.

terça-feira, 26 de dezembro de 2017

Saudade do Nunca Vivido

Tenho tanta saudade do que nunca foi vivido,
Do instante aqui ou ali enfim não cativado,
Do momento que se deu então por sumido
Quando de mim próprio me dei por abdicado,

Passageiro do além com a alegria e tristeza
Que é de quem passa sem saber bem porquê,
Cada segundo fonte imutável de terna beleza,
Nos rostos quase esquecidos deste eterno buquê,

Vejo-os em vultos e semblantes, agora tão distante
Que parece que nunca vi, nunca tive, nunca beijei,
Amor quando partir lembrar-te-ás do teu viandante,

Ou serei outra cabeça na parede? Em mim escondido
Olvidem todos os caminhos que outrora trilhei,
Este é o momento, o sofrimento do aqui não vivido.

sábado, 23 de dezembro de 2017

Esperando Onde Já Não Estou, Sobre as Nebulosas do Caderno

Recedo num instante intemporal, sou ponte
Entre o beijo concedido e o outrora não dado,
Pois de todas as vezes que alcanço o horizonte
O acontecido é sempre pendente do já eclipsado,

Assim teço trechos de poesia para o sonhador,
Desconhecendo se trago estrofes resplandecentes
Ou a travos  de agonia, ódio ou imperecível dor,
Mesmo escrevendo com mil olhares em estrelas cadentes,

Vão passando dias e vou beijando o concedido,
Passam noites retornando o homem sozinho
Que persiste porém não existe fora do querido,

A ansiedade é a espera da madrugada, do eterno
Que ilude porém é dádiva para todo o caminho,
Isto é sobre as nebulosas que escrevo no caderno!

quarta-feira, 20 de dezembro de 2017

Onde os Homens se Quedam, Deuses se Erguem

Olá, lembra-te de mim como uma altura do dia,
A negritude fulgura e lateja nesta dança lenta,
Sobre o céu a lua caindo sob os campos, a magia,
Que é somente nossa é nesta solidão tão sedenta,

As estrelas recolhem-se nas últimas aves passageiras,
Arcadas até onde os olhos alcançam, indeléveis beijos,
O vento senhor e mestre, arrancando raízes, as poeiras
São as mil vontades de ser árvore ondulante, os desejos

Do poeta extirpando asteriscos desta cúpula celestina,
Sou grito na voz de quem é silêncio desaguado na viela,
Por onde for que me acompanhe a cintilante lamparina,

Lua abjuro as tuas cópias, hoje estarei só entre mim e ela,
Evanescente sempre esvaecendo, subindo esta minha colina
Que se ergue onde sou queda, porém o único pintor desta tela.

terça-feira, 19 de dezembro de 2017

Lembranças são os Sapatos Usados que Guardo no Armário

A lembrança sobre o tudo o que tenho nesta mente,
A certeza sobre o nada que tenho entre estes dedos,
Sapatos usados guardados no armário de quem sente,
Não há lixo, não há saída, somente coragem e medos,

Deixamos gavetas abertas repletas de roupas rasgadas,
Tristezas e alegrias de quem passou e em si se encontrou,
À mercê de cada momento a momento, cadeiras abdicadas,
Noites sem dormir do instante em que a maçaneta se largou,

As fragrâncias esmorecidas, as sombras de beijos ao sol-posto,
Manhãs que vêm e passam prisioneiras do segundo passageiro
De quem em si é refém e quando o adeus tem somente um rosto,

Não há nada para lembrar, nada para esquecer, a mente é só cinzeiro
Dos apóstatas que fui, das promessas quebradas sem nenhum encosto,
Sou solidão, sou lembrança largada no eterno aluindo tal um aguaceiro.


segunda-feira, 11 de dezembro de 2017

Vejo Deus ao Espelho

Recedo ao aposento de um rei destronado,
A noite vai densa na ausência de firmamento,
Parece que cá de baixo sou somente seu bocado
E que das estrelas cadentes alcanço só o fragmento,

Do quase eterno, imortalidade num breve pedaço,
No espelho o rosto de deus na mão beijada,
A subtil ligação entre uma cabeça e um regaço,
Tenho na alma ainda a intempérie cravada,

Sozinho caminho e sou caminho para o trilho,
Aonde nos perdemos vezes e vezes sem conta,
Em brincadeira agreste buscando o ruído, o sarilho,

Então toda a pluma se torna finalmente a asa,
Então até o maior cego a si se encontra,
E o mais triste e frio lugar se torna e arde em brasa!

domingo, 10 de dezembro de 2017

Sem Sol ou Luar

A inexistência do tom da canção é esta despedida,
Tanto percorrer e ser refém da impermanência,
Não ter regaço para colocar a cabeça ou guarida,
O silêncio deste suspiro é toda a minha ausência,

Os cruzamentos tão alheios a um homem perdido,
Caindo neve neste olhar por lágrimas emoldurado,
Esta paisagem aberta, o outrora verde sucumbido,
Vem pássaro negro, quando serei enfim levado?!

Sorrio quando o sol é poente, beijando o horizonte,
Que venha a noite longa, em mim terá aqui lugar,
Porção a porção que o céu finalmente desponte,

Adeus Amor, hoje serei o que não pode aguardar,
A queda de Ícaro, as chamas ardendo a ponte,
Até breve, até um dia, dia esse sem sol ou luar.

Deitado no Mar, À Noite Serei Constelação

Um dia, quando partires leva-me a mão como lembrança,
Ao ritmo da dança sem nome, nossos olhares entreabertos
Eram a estrada, os cavalos selvagens neste peito, a criança,
O único lugar parecido com lar pelos  instantes indiscretos, 

O nascente e poente, o epítome para as noites esquecidas,
Os beijos cálidos, imersos no tão belo segundo passageiro,
Entoo a enxurrada reflectida neste olhar sob folhas caídas,
Sou refração do homem perdido no tempo, sem timoneiro, 

As ruas tornam-se vielas escuras desprovidas de moção,
O tempo deixa-me para trás, sou ilha à mercê deste mar,
Fustigado e atormentado pelos caprichos de um coração,

As ondas esbatendo na proa em instantes impossíveis de amar,
Assim me projecto no espelho do céu, terei uma constelação,
Ou uma simples oração? Já não me basta o simples bastar.

quarta-feira, 6 de dezembro de 2017

Do Tempo Que Passa Eu Sou Fragmento

O silêncio das passadas no já passado ecoadas,
Não cabem na algibeira do transeunte passageiro
Não cabem no reflexo das palavras espelhadas,
Ditas quando o Homem se tornava enfim inteiro,

Somente não mais que suspiro deixado ao vento,
Origem para as baladas, música para os ouvidos,
Lábios ofegantes e desta escuridão o renascimento
Então só dos românticos os seus sabores coloridos,

Semblantes e vultos, portas e janelas entreabertas,
A eviterna servidão do menino feito quase homem,
Segundos passando vêm nas belas horas incertas,

Quando me for, deitem confetes e deixem chover
Onde o olhar e a vista partilhada enfim somem
Pois sou fragmento do tempo que consigo conter.


segunda-feira, 4 de dezembro de 2017

Vem Amor

Vem amor, verte em mim a negra enxurrada,
Vai o poente e suspiro eu a travos de poesia,
Sê lembrança de uma vida a dois partilhada,
A prova que num momento fomos toda a magia,

Vem amor, dá-me a mão e deixa-me no caminho,
O trilho é adiante e este instante é de partida,
Esquecendo o outrora de quando não era sozinho
E tu me preenchias todo o coração e toda uma vida,

Vem amor, separemos o trigo do joio, o cruzamento
Que se afasta à estirada por cada segundo passageiro,
A viagem assim é realmente tocada e vem o firmamento,

Vai amor, somente agora enfim terei amor verdadeiro,
Ao partir, o tormento desta vida, o eterno cinzento
É a tua ausência, a distância incrementada, o bueiro.