sexta-feira, 26 de abril de 2019

O Poema da Solidão

O ermita sozinho rumando errante ante o trilho,
É a solidão sua amante, o presente sua ausência,
Da noite feita e caída ele é então o beijo e o filho
Para quem passa por ele, aí a sua eterna carência,

Escorre sim chuva sobre o seu rosto, isto posto,
É ele perdido após o que foi e o antes de o ser,
Apartado retiro, o escape para o inicio de Agosto,
É importante o passar para além da neblina e ver

Que no momento lúgubre há beleza, há imensidão,
Sem meandros, a clareira para quem pretende Vida,
Para quem se cansou de andar sem qualquer noção,

Para quem almeja ir e alcançar a margem querida,
Aos transeuntes passageiros mostro-vos esta solidão,
Perfilando ao que determinado instante a mim convida.

terça-feira, 23 de abril de 2019

Após A Tempestade Vem

Por entre lentes diáfanas passam rastros de estio,
Qualquer tempo é tempo de ir um dia chegando,
É preciso ir sem medo para preencher este vazio
Que na esquina da ruela vamos alfim deixando,

Acordo no despertador da ponta de um compasso,
Escrevendo um poema para quem ficou para trás,
Se entre nós houver distância haverá sim espaço
E eterno fragmento para preencher as horas más,

Mesmo na solidão e incerteza, há toque e grandeza,
Para ser inteiro e único e ter alívio para o enfermo,
Que da fragilidade venha a fraqueza e nessa fraqueza

Encontremos toda a força, o ciclo infindo e sem termo,
Assim a infusão no firmamento esvaecendo a tristeza,
Para por fim poder plantar flores em qualquer lugar ermo.

quarta-feira, 17 de abril de 2019

Indo e Ficando, Chegado Sem Partir

Vem e fica, é Abril e chove o mundo neste regaço,
Flui um rio em leito frio, procurando a sua foz,
Celeremente vem o Universo e num breve abraço
Sou mais do que alguma vez fui, sou a única voz

Que pela estreita passagem da Vida perscruta,
Tão atento à água límpida, a noite sobrevoando,
Suave e docemente vendo o que o beijo escuta,
Hoje sim serei Serafim, hoje abrir-me-ei amando,

Tatuado na alma entre eternos sulcos vincados,
Bocado a bocado viajando entre seus cabelos,
Pelas delicias dos céus rendido a deuses ornados,

O percurso é a estrada que passa sem abrandar,
Se ainda houver Verões a ideia será então tê-los,
Para ir indo sem jamais partir mas um dia chegar.


terça-feira, 16 de abril de 2019

Há Que Dar Asas Aos Filhos do Sonho

Tacteio o Sonho como se fosse uma donzela,
Recordação para o infinito tido num momento,
São as noites e as suas cores que fazem da tela
O espaço suficiente para em si ter todo o tempo,

Fragmento, raiz dos meninos por mim perdidos,
Lembra-me um Sonho lindo em mim à desfilada,
E nós vendidos, somos os órfãos outrora esquecidos,
Caminhando ao relento, ao verter desta enxurrada,

Entre margens, o barqueiro é o náufrago e o navegar,
Mesmo que entre as ondas por vezes não saiba estar,
As vagas azuis boquiabertas investindo nesta maré,

Sou eu em mim escondido, ainda sonhando estar de pé,
Marcha-a-ré e o olhar fechado é catapulta para o navegado,
Há que dar asas a estas crianças e ao objectivo imaginado.

segunda-feira, 15 de abril de 2019

Quando a Noite Sem Fim Passa

O despertar da noite sem fim, vem enfim o clarão,
As pálpebras entreabertas para este horizonte,
O dia a despontar sem receio, a dar-me sua mão,
Já parece até que o sonho é, o sonho tem fonte!

Vertendo-me caio entre o fulgor da aurora, a beleza
Encetando a bruma, visto-me com os raios solares,
Aluindo entre nuvens celestes vai-se esta tristeza,
Não estarei mais quando lá por mim procurares!

Entretanto as estrelas esvaecem neste firmamento,
Então chegou enfim o instante, este é o momento,
Entre a Terra e o Sol contemplando esta passagem,

Respirando bem fundo, preenchendo-me de aragem,
Sim de segundos sou passageiro sem um objectivo,
Espero alcançar o presente pois o resto é subjectivo...

Enquanto Destes Pulmões Houver Folêgo

Clandestino dentro do contorno deste semblante,
Jornais velhos esvoaçando ao abrigo duma cidade,
Apela-me a noite entre nebulosas e eu hesitante
Pois se fosse pluma seria então fardo na sanidade,

Esfregando o olhar e procurando a bela Primavera,
Quase sonho com o beijo que é poesia no presente,
Por vezes há dias que chovem e a noite é efémera
De momentos para reter ou largar ao fogo latente,

Pois tudo é ausência quando acordamos de manhã,
A enxurrada incipiente lava-nos ao de leve o rosto,
Essa é a regra aplicada ao ontem, hoje e amanhã,

E já agora, enquanto tiver por cá, serei a guarida
Para quem em mim habita de Setembro a Agosto,
Enquanto navego por mundos explorando a Vida.

quinta-feira, 11 de abril de 2019

A Cidade a Matar o Sonhador

Pizarro matou Inti e com ele todos os filhos do Sol,
O mundo escalavrou-se e em chamas se envolveu,
Oferecendo uma serenata em segunda mão tal anzol
Para quem anseia amor mais do que a si e alfim morreu,

Escravos para o relógio, fantasmas cinco dias por semana,
O Sonho adormeceu e à realidade cedeu para por aqui ficar,
É este cinzento citadino a envolver os ósculos de porcelana,
Quebrando-se, um a um, esquecemo-nos o quê é que é amar,

Civilização é aberração, os pais são meninos ainda por nascer,
Procurando luz onde feneceu o grão estelar que um dia brilhou,
A vida deveria ser tanto, tanto mais do que o simplesmente viver,

Por onde passo suspiram os outros que por aqui jamais passaram,
Estas ruas são mesmo ladrilhadas por quem por aqui jamais ecoou
E eu, somente um estranho familiar cujos dias nunca começaram.

Os Mortos Que Trago Aos Ombros

Estes são os mortos que vêm de mão dada,
Eu sou mausoléu e sepulcro para os partidos,
Talvez sonhe sobre negros sonhos de enxurrada,
Escutando por longos monólogos ainda sentidos,

Vejo-os através do canto do olho rapidamente a passar,
Num cemitério o fantasmagórico e funesto casamento
Entre os mortos que fui e os vivos que hei-de alcançar,
Pois quando chegar esse será de todos o testamento

Aqui deixado por um coração pulsante ainda a pernoitar
Por um instante que algures também deixou de acontecer,
Trago aos ombros estes mortos apesar de ainda respirar

Trago-os no peito, ao abraço assim reflectidos no viver
Pois quando partir e da terra me retornar enfim ao ar
Esses mortos serão tudo o que nesta vida soube ser.


terça-feira, 9 de abril de 2019

Quando Somos Toda a Distância do Mundo

Sim, quando somos toda a distância tida no Mundo,
Não há tempo, só espaço para um silêncio contido,
Ecoando lentamente um suspiro em poço profundo,
Murmúrios enfadados de um lugar então já perdido,

Pergunto aos Deuses qual fortuna para mim haverá,
Quem me dará a mão para alcançar uma nova manhã,
Tenho noção de que o tempo é um carrasco tão cruel,
Rascunhando fundas rugas no rosto tal folha de papel,

Ícaro e Orfeu sabem da procura e do anseio que é meu,
Pois vão passando sóis e subo escadarias rumo ao céu,
Amor és fantasma, espaço vazio entre estes frios braços,

A mudez do coração apunhalado em mil e um pedaços,
És ausência de sonho, a doce memória quase esquecida,
Todo o espaço entre nós, morte vinda, morte e não vida.

segunda-feira, 8 de abril de 2019

O Idioma do Viajante

O ecoar de um silêncio tornado quase indiferente,
Uma leve estrofe proveniente de indefinidos traços,
Nela o coração batente de quem de si é remetente,
O arauto de uma ideia ida de intermináveis abraços,

A procura está na busca por uma verdade escondida,
Na mudez da noite retida no olhar de uma criança,
Enfim suficiente para dar a Lua quase como obtida
E para terminar com beleza esta final e última dança,

Gotejam tal fontes os olhos de distanciados amantes
Pois ainda sabem o sabor que há no sal dos oceanos,
Lembram o quão importante é aproveitar os instantes,

Conferir aos olhos a beleza existente em cada aroma,
Envolvendo o quebrar do coração em suaves panos
De quase a chegar e quase a partir, esse é o idioma.

sexta-feira, 5 de abril de 2019

Aguenta Amor

Persigo o amanhecer sobrevoando pela estação,
É de dia e perscruto a noite as estrelas indagando,
Trilho a trilho vou através do breu esticando a mão,
Aguenta Amor, eu estou partindo, eu estou chegando,

Por onde vou ouço ao longe a luz diurna a fenecer,
E eu ainda caminho, quase o horizonte alcançando,
Pois o não caminhar é simples sinónimo de morrer,
Aguenta Amor, eu estou partindo, eu estou chegando,

A estreita passagem é obstáculo para quem muito traz,
É ele o cego inebriado as supernovas ainda observando,
Pelo compasso do relógio, pela direcção das horas más,

É de estrofes e versos que fica o coração transbordado,
Para o caminho, por um beijo deixado algures para trás,
Aguenta Amor, eu estou partindo, eu estou chegando...