quarta-feira, 30 de dezembro de 2020

Enquanto Houver Vida

Então tropeçava nas estrelas cadentes do caminho,
Assim, impaciente para ir e ansioso por chegar,
Com candeias rodopiando a cabeça, oh carinho
Partilhei segredos que desconhecia, vou devagar

Subindo a colina, tentando não olhar para trás, 
O céu desmorona e a terra treme, é o motim
Que só é dos poetas, é preciso correr atrás
Do beijo, do abraço, do saber dizer que sim, 

Quebrar o feitiço do mundano, isto é a vontade
De ir sem esperar por empurrão ou travão, 
Um dia chegaremos e esse dia será metade,

Perfeitamente complementar, de mão em mão, 
Esperando a Lua para poder dançar em reciprocidade,
E em boa verdade, conseguir trazer Vida para o coração

(pois só isso é verdade...).

terça-feira, 29 de dezembro de 2020

Arrependimento

De quando não fui pelo instante passageiro,
Por isto ou por aquilo não me preenchi de Vida,
Por tanta cautela, fugi a medo sempre ligeiro,
No meio da luz fui escuridão sem qualquer lida, 

Quando podia andar arrastei-me por entre corredores, 
Estas linhas de vida e sinais de quem foi esmorecendo,
Isto é quando andar na água não faz de nós salvadores,
Quando não há distinção se vamos subindo ou descendo,

Há um velho que fui, a mais leve queda, os lençóis engelhados,
Não há livro onde caibam as possibilidades do que não foi, 
Por isso os enterro em tecidos funerários embrulhados,

Percorrendo as palavras afirmativas e negativas, o caminho, 
Pois as hóstias que engulo não sanam a ferida que ainda dói
E o beijo para onde rumo, longínquo, aqui procuro-o sozinho.

terça-feira, 22 de dezembro de 2020

Pedágio da Vida

Sou uma retícula à porta de uma encruzilhada,
Honrando a voz que é bramido pela ribanceira
Levando-me adiante onde vou pela algibeira,
Ora veículo para a berma, ora simples estrada,

De instantes sendo retido, conforme prometido
Sou apenas uma alma vagabunda indo em frente,
Encontro e perco-me  face ao tempo que indiferente
Me julga mediante as rugas no rosto em si reflectido,

Vai ficando a voz grisalha, os beijos então glosados, 
Entre duas margens, entre as bermas, o terno cinzeiro, 
Sendo pertença para quem não vê, onde os implicados

Fecham-se em quartos sem janelas, é impossível ver
A cor do prado, a luz do sol, sem recado e do bueiro,
Metade ou inteiro, quão difícil é por vezes simplesmente viver.

sexta-feira, 18 de dezembro de 2020

Até Que Durma

Hoje a morte levanta-se, portanto, disparem à vontade!
Pois apesar do amor por ela, ele continua seu escape,
Não obstante do sentir e da congruência da metade,
Fugindo sem aviso, como os outros, eu outro recape

Na ferida fugindo do dilúvio, da sombra obscura
Que é fraterna da morte, amor no chão quebrado,
Que é queda na cova, que é viela da rua escura,
E isto vai passando, vai-se esquecendo o bocado

Em que éramos o único toque e o lábio descarnado,
A vida de poeta não é fácil pois escasseia o deserto
Para a sede, e a sede é de infinito, o rasto entornado

No trilho da combustão instantânea, dá vontade de (r)ir, 
Hoje então descanso com moedas nos olhos, o incerto
Apadrinhar-me-á até meu cansaço vier e se esvair.
 

terça-feira, 15 de dezembro de 2020

Se Soubéssemos

Se soubéssemos beijar não haveria solidão
E acordaríamos repletos de maquilhagem
Enquanto parte de nós apertaria o coração,
Outra parte iria com o vento, com a aragem, 

Se soubéssemos nadar não haveria mais naufrágios, 
Pois sem problemas nadaríamos de costa em costa,
São estes suspiros que afugentam os maus presságios
Onde o pôr-do-sol em si vai e no horizonte se encosta,

Às paredes de uma glória pertencente a  uma outrora, 
Penso em todos os afogados, aos quase interrompidos,
E assim vem quem deve vir no passar desta ligeira hora,

Pois havemos ficado cansados de ser barulho de fundo,
Da ténue linha que separa os olhos no céu insculpidos
Da areia molhada ao ver incipiente que vê o mundo.

quarta-feira, 9 de dezembro de 2020

Os Filhos de Ícaro Pt. II

Há degraus a subir sem olhar para trás, 
Tal Orfeu e a sua busca que a luz ofusca
E passos por conferir em busca de paz
Enquanto se rebusca o quanto a alma custa,

O sol e o seu corrimão que abrasa o coração,
Quantas vezes estas escadas foram mascadas,
Quantas vezes sua inauguração passou de mão
E as estrelas ficaram ancoradas em emboscadas?

Pois aqui quase detenho o luar evidente hoje neste olhar, 
Aquele para o qual é preciso coragem para ir na viagem,
Nem há esforço a andar, é somente preciso ir para alcançar!

É preciso acreditar para voar, ter noção das asas e seu propagar,
Agora é onde escolho tirar a maquilhagem e ir com a aragem
Sem ser preciso os sonhos penhorar, é preciso é ir e concretizar.

terça-feira, 8 de dezembro de 2020

Os Filhos de Ícaro

Abrindo a cortina do sorriso, o quão é preciso
Estar presente com brechas na parede, ter sede
De algo maior e superior e nós em improviso,
É a dança da Vida, o truque é não cair na rede, 

Corpos cansados não podem descansar, então adiante!
Deixem a luz entrar, persianas com as fendas abertas, 
Preenchem o peito e facultam o poder do instante
Na voz de mil gerações ao passar das horas incertas,

As sentenças tornam-se convalescenças de um outrora, 
Mal recordo os rostos que passaram, só o que ficaram,
Caminhamos o trilho para o Sol, rumo à boreal aurora

Se cairmos enfim encontra-se outra solução do problema,
Sozinho ou a dois, quantos por cá passaram e ansiaram 
De olhar fechado beijar o horizonte? Assim nasce o poema.

segunda-feira, 7 de dezembro de 2020

Amar Para os Poetas

Amar não é para os poetas e só os poetas sabem amar,
É o suspiro ante o precipício e conseguinte mergulho, 
Não há que disfarçar, são poucos os que sabem beijar,
Sem se esconder, são poucos os que aguentam o marulho, 

Amar é para os poetas pois só os poetas não sabem amar, 
É a brasa na lágrima que os diferencia da comum gente,
Pois há da brasa cinza e da lágrima sulfato, o germinar,
O caminhar, diligente, vai de lado para lado, para a frente, 

E há quem não aguente, e há quem o faça numa eterna dança, 
Quem vá magoado a chorar para casa com o coração na mão, 
E quem o partilha de mão em mão em constante perseverança

Não obstante do quanto andou ou já passou, ao mundo dão,
Amar é e não é para os poetas, pois só eles sabem seu teor
Do sentimento em papel ao toque do sorriso e da sua dor.

quarta-feira, 2 de dezembro de 2020

Entrelaçado Com Aquela Que Me Importa

Os seus beijos ofegantes, delirantes aqui centrados, 
Parecem balões de algodão no céu alto esvoaçando,
O calor da sua mão relembra-me aqueles bocados
Nos quais não olhávamos para trás, íamos ansiando

Reciprocamente o carinho que entre nós então havia, 
O quanto ela me queria, o quanto eu a queria, e cria
Nessa crença sem pertença que levanta as fundações
Do céu, o seu corpo no meu entrelaçado - as escoriações 

Sediadas no peito e alma, porém com calma vivíamos, 
Pintando as constelações, um ao outro pertencíamos, 
Éramos mais do que recordações, éramos o infinito

Um dentro do outro a refractar num olhar tão e tão bonito, 
Afagado no interior de um abraço maior, cheio de beleza,
Que em meados desta melancolia me conferia asas em subtileza.

Entre As Insónias e o Sonhar

As insónias estão associadas à impossibilidade de sonhar,
Respiro o murmúrio abandonado por quem um dia passou,
O segundo passageiro, o terno forasteiro a si a se flanquear,
É o momento feito instante para sempre reiterante que voou

Para a planície distante onde reinam seres divinos e imortais,
Respiro o suspiro deixado ao percurso, o piscar da vista e olhar,
Um brinde de copo cheio aqueles seres loucos e imorais, os tais
Que saltam cercas e desmoronam muros, consenti ao pedinte amar

Pois traz cores ao mundo, é um alívio profundo maior que o viver,
O retrato apesar de inexacto de um propagar de asas do passarinho,
Sabendo que o lugar onde criou seu ninho também lhe fez crescer

Cores várias no assentar do segundo, o beijo de uma temporada,
Não obstante se estes passos vão então depressa ou devagarinho,
Desde que o caminho leve ao fim da noite, ao chegar da alvorada.