domingo, 28 de abril de 2024

Desamparo Sob o Arco Quebrado

Estava errado, pois afinal não era para ter um final feliz,
Nas estrelas tal demarcado, e eu tratado como um petiz,
Até fui eu a escolher a minha dor do menu do coração,
Escolhi o júri, jurado e executor desta minha triste canção, 
 
E faltam-me as asas para poder ser voo, sua mão na minha,
Enganos após enganos, sim sou apenas outra alma sozinha
Sem lugar para ter sítio, sem sítio para possivelmente ter lugar, 
A esquecer lentamente o que é viver, a morrer por tanto amar,

Por baixo de um buraco, num arco quebrado cai a seta em mim,
Somos nós a regra partida de Cúpido, a dolorosa verdade assim,
Nem importa mais o caminho até agora trilhado, nada é importante,

O resguardo caiu, o refúgio fugiu, e neste trilho sempre inconstante
Sou peão e transeunte, com um beijo que de mim se foi esquecendo,
Se ela de mim já não é parte, então de mim me vou aqui perdendo.

Vínculos da Ausência

Confissões do poeta a um ainda visível rosto lunar,
Por entre a bruma, entre a noite a inevitável perda,
Entre os dedos ela escapou-se ficando um triste pesar,
O sonho sonhado lacrimejado da direita para a esquerda,

Passou o nosso instante, a distância reclamou o momento,
Dentre as margens ficou o afogado, eternamente encurralado,
Somos sepulcro, caixão e o espaço que percorre atrás do vento
E o coração é pó em cachoeira e através do tempo é enfim embalado,

E por fim não há beleza, já não há o seu olhar, nem aquela mão na mão,
Vem a brisa e o tumulto, vou por onde não sou sequer já encontrado,
É a vida a seguir caminho via trilho de vagão passando por cima do coração,

Estes bolsos de lembranças rasgados, este olhar novamente semicerrado,
É o reaprender a justificar o dado, o perceber entre o dizer sim ou o não
Ao próprio poema, mas a ela estou e estarei indubitavelmente amarrado.

terça-feira, 23 de abril de 2024

No Silêncio da Ausência

Silenciosamente, sussurramos os nossos apelidos,
Esticados por momentos alienígenas, algibeiras
Abertas por tempos incertos, enfim tão perdidos,
Por aqui é onde andávamos de mãos em rasteiras,

Aqui ecoam lembranças em surtos ao acaso deixados,
Nem poeta sou, não com este bater desassossegado,
A noite para estar confuso, dois trilhos desconectados,
Para esquecer e por um ombro desaparecido ser apoiado,

São pesadelos e cruzes no pavimento e sepulturas abertas
Somente para nós, com luz ou sem sol, por agora tudo bem,
O silêncio esperando ir adiante, são estas as horas tão incertas,

O tiquetaque é a lágrima batente, custa-me o mundo, dói-me a verdade,
Que é o fim, o absoluto fim, sem a despedida pelo comboio que vem,
Indubitavelmente sozinhos, esta é sim a minha eterna e única soledade.

A Despedida

Aqui divergem enfim os caminhos de dois perdidos,
Não mais temos a mão na mão, um futuro potencial,
As ondas oceânicas estilhaços nos dedos então urdidos,
Por mim, por ti, um para sempre a enlevar a ferida com sal,

Incompleto, fragmento da porção tida como um anseio,
Nascemos para um outrora podermos fenecer sozinhos
No abraço ofegante de uma liberdade onde me rareio,
Somos indiferentes perante o vindoiro redemoinho!

Prorrogáramos o inevitável fim, sem indulto ou perdão,
Este tempo e distância enfim serão campeões, a tristeza
É cair na real e perceber que sim, enfim perdemos o chão,

O resto é absolvição, o compreender que há também beleza
Na queda, na mágoa, na vontade terna de morrer do coração,
Pois se um dia fomos a altura, que sejamos agora a profundeza.

quarta-feira, 17 de abril de 2024

Lamento à Estrada

Desabafo suspiros na orla da branca estrada,
Perdido sem o seu fôlego, sem a sua beleza,
Nunca foi suficiente esta barca cá fragmentada
Para alumiar a luz com estes píncaros de incerteza,

Maremotos de saudade, tsunamis de nostalgia,
Durante horas, durante dias, senti-me completo,
Pois era porção e centro do tido como real magia,
E esse caminho levava-me face ao esbelto trajecto,

Desperdiçamos luz, sim, acredito que algures seriamos,
Mais do que alguma vez pudemos ser neste amanhã,
Sem esperança no ontem, por si nos quebraríamos,

Há uma lágrima que trago num beijo aqui protelado,
Adiado então para um dia que temo nunca vinda terá,
Esta é a triste sentença para o amador que há amado.

terça-feira, 16 de abril de 2024

Beleza e Solidão

Na solidão tão vasta e longínqua sua beleza ecoa,
Por tons oblíquos dentro de um silêncio cerrado,
Reverberando sua voz que por memórias entoa
O pedaço de nós dois pelo tempo não cobrado,

Sempre solitária, essa eterna beleza em si se revela,
Que não falte um sonho por cada noite e seu regresso,
Pois por e através de cada traço, há uma história singela,
De dois lábios sedentos dentre si e que em mim confesso,

Sua beleza e esta solidão, dançando em perpétua harmonia,
Por terna quietude, numa fonte que inadiável jamais cessará,
Em cada suspiro conferido sim virá um novo verso de poesia,

E por cada nova linha, uma nova tentativa de ver o amanhã,
Pois em boa verdade a sua beleza sempre encontrará sua via
Para o meu coração, somente um receptáculo para o que virá.

terça-feira, 9 de abril de 2024

Emaranhado

Passando por aquilo pelas poças de água reflectido,
A refracção no olhar aberto de vidros embaciados,
Faz frio entre o vazio e o efémero é sempre o ido,
O amigo do Outono quebra-se em partes e bocados,

E dos fragmentos parecem não advir belos momentos,
Somente mais restos de algo ao vento e brisa deixado,
Por isso me dói o ar e o peito sob estes céus cinzentos,
Sem conseguir prosseguir adiante perante o sonho adiado,

Resignado a andar à deriva sob um luar triste de solidão,
Vou por onde não me encontro, e por fim sou não encontrado,
E mesmo que vá e me encontre, já se me quebrou o coração,

Não obstante de quem por lá passou ou quem tenho amado,
A tentativa do adiante, a tentativa de novamente dar a mão
É ilusão do poeta, a desilusão do amador, sem voz no soletrado.

Entre Quatro Paredes e Mil Espinhos

Pesa-me o espaço onde sou porção fragmentada
De um homem procurando o Inteiro, à desfilada,
Falta-me um pouco de amor para me dar sentido,
Alguém que me dê a mão e carregue este apelido,

Lábios descarnados, apelo à eternidade, sabendo a lar,
Contudo tal pegadas na areia que pretendem não ficar,
São o fogo na água e momento para um olhar cerrado
E uma mão que não encontra a outra no outrora beijado,

E é tão difícil caminhar sem tacto neste lúgubre caminho,
Pois de todos os trilhos este é o que ocupo ainda sozinho,
Vai-se o sorrir, vai-se o sorriso, cai a bruma sem firmamento

Entre horizontes deveras distantes, assim me arrasta o vento!
E eu, entre quatro paredes e um tecto, deixo este triste poema,
Hei-de morrer de pé e solitário e com espinhos como diadema!

quinta-feira, 4 de abril de 2024

Sob o Caixão dos Sonhos: Uma Elegia para a Busca e a Perda

Faltam-me sonhos para me manter acordado,
A cor própria da procura por o único semblante
Que leva ao inteiro, que busca o último bocado,
Que nos faz perceber a Vida e nos torna presente,

Desperto com sonhos colocando-os leves na algibeira,
Contudo é um oceano, é um deserto entre dois amantes,
Um labirinto e um abismo preenchem-me até chegar à sua beira,
Enquanto conjugamos dois particípios passados, somos distantes,

Quebra-me o coração e resguarda-o numa sepultura feita de plumas,
Cantando a eterna elegia, murmurando a cela em maiúsculas soletrada,
As carícias são parte do passado, as cicatrizes o que este poema perfuma,

E é o vento possante que nos arrasta para longe, sou só um transeunte,
Em breve para nos tornarmos estranhos na longa e branca estrada,
Por isso um último suspiro sobre o caixão, que sua resposta nos pergunte.

segunda-feira, 1 de abril de 2024

Poeta Procura Musa

O seu olhar e nome é pelas árvores sussurrado,
Por ela, o doce receptáculo do carinho profundo,
Eu sou o poeta perdido, procurando ser beijado,
Enquanto vamos pelas bermas do ribeiro fecundo,

As formas onde a Primavera é em si adormecida,
São vultos acossando o poeta e a sua envoltura,
É convulsante e no chão, a donzela seria fingida
Ou seria ele o dono que um mundo cão augura,

Que se curva tal a vida, por momentos pungente,
É esta batalha que vai reabrindo a sua eterna ferida
E que lhe relembra o conforto que é estar ausente,

Mas amor com amor se paga, amor é bem aqui preciso,
Somos a estrada e veículo para a passeata perdida,
Somos fuligem para o fumo que de si é indeciso.