sexta-feira, 27 de outubro de 2017

O Regresso à Cidade

Um dia o viandante retornou à cinzenta cidade,
Havia freio, ferro e metal espalhado pelas vielas,
Imaginem o lugar onde a morte treme de frialdade
E o céu tem sobre si a negritude de mil aguarelas,

Ele era saudade, morrendo por amor verdadeiro,
Ansiando o desejo maculado e a bela donzela,
Enquanto na cidade meretrizes o cobiçavam por inteiro,
Por andas tu oh Afrodite, tu ò mais que bela,

Os Outros eram fantasmas de dias deixados passar,
Por viver o beijo cândido, o suspiro enaltecedor,
A valsa acompanhada pela única música possível de dançar,

A certeza era a vida ou a morte, nada por metade,
No entanto havia o cisco no olhar enternecedor,
Haviam de lhe tirar tudo menos a sua própria vontade.

No Trilho do Sonhador Há...

Ssh... Vai sonhador sai do teu sono devagar,
Vem o caminho por onde vais por onde vais
E por esta vida há tanto cascalho para calcar,
Respirar é barato, colher a colher, pede mais!

Ssh... Corre o horizonte no peito do trovador,
Há linha de alvorada, há beijo, há tudo e nada
No instante florido a credo com aspirante a amador
Onde mais vale ser mendigo a ladrão de calçada,

Ssh... No ruído há melodia, na morte há vida,
Acorda para o canto quase eterno desta dança,
Que a tua graça jamais se quede ou se dê por perdida,

Alcança a outra margem, pelo céu enlevado,
Há mar, há terra, há mão e porção de criança,
Chora e sorri e então diz graças, obrigado.

terça-feira, 24 de outubro de 2017

Enquanto Houver Espaço Dentro de Mim Para Cantar... Cantarei

O espaço vazio dentro de mim só de plumas é preenchido,
Recuso permitir que esta seja sua última música entoada,
Pois há canções diferentes que pertencem ao desconhecido
E se difundem livres ao som do vento e da alvorada,

Confissões ao ombro da lua e percorremos caminho,
Centímetro a centímetro por vezes sem culpa alguma,
Este é o momento de chegada no indo sozinho
E penhoro à alma e seu voo por coisa nenhuma,

Encurralado somente pela vontade de subir o muro,
Este é o halo que incide obliquamente no olhar,
Por meros instantes não há negritude, não há escuro,

Apenas um ver resoluto a olhar a face soalheira
E enquanto ela não vier emudecer o silêncio com um cantar,
Alas, o vazio preencher-se-á de uma ou doutra maneira.

domingo, 22 de outubro de 2017

Pintamos Segundos Esperando uma Obra-Prima

Pintando segundos entre espelhos e seus reflexos,
Aprendiz da realidade mas sonhador incurável,
É deus que nos chama, ouvi seus simples entrechos,
Clamamos amor quando sua retribuição é inefável,

Só me falta o resto de uma solidão forjada,
O ponto negro na noite, a crença na mentira,
Somos fragmento de beijo na berma da estrada,
Vela apagada, a mão dada que a alma aspira,

A penumbra gélida é encosta para os nomes passados,
O apelido de uma estação, o andar de coração em coração,
Já nem sei quantos beijos foram enfim beijados

Porém sei que dentro da nuvem ainda jaz a minha ilusão
De amor por quem partiu pois destes engodos admoestados
Sou só um poeta viajante procurando o belo refrão!

sexta-feira, 20 de outubro de 2017

Se Acreditarmos no Eterno Tornamo-nos Crentes

Sou as esquinas das vielas por onde tenho passado,
As fundações para um amanhã a olhar de soslaio,
Sou solavanco da berma pelo luar apaixonado
E este é o buraco que anseio portanto caio,

Nele as dimensões tornam-se em magia e sorriso,
Fulgurante então nele o vulto fica semblante,
Acredito na crença e no quanto é que é preciso,
E a crença é poder alcançar o horizonte distante,

Sonho com lábios de cetim pelos meus rodeados,
Projecto o sonho do poeta e arremesso mundos,
Assim sou em mim todos os fragmentos quebrados,

Só assim abraçando deus escapo do imanente,
De dedos alcançando, olhos abertos e beijos profundos,
Perguntais então quem sou?... Bem, sou só eu, o eterno crente.

quinta-feira, 12 de outubro de 2017

O Respiro Ofegante Enquanto a Vida Demora

O respiro entre uma vida e um lento afogamento,
Procuro-o pois isto é mais que o fim, é salvação,
Em bom tempo, haja um beijo e um pensamento
Pois damos suor e lágrimas por esta revolução,

As questões são respostas de uma vida sozinha,
Este mendigo ainda implora a paz da sepultura,
Emprestamos a mão e do horizonte se vai a linha
Então que encubra o que em vós é apenas altura,

Sinto-vos respirar sob o furor da pele escalada,
Deixem-me subir o baluarte da guerra das rosas,
É sempre a vós que volto minha doce amada,

Só tenho poemas e quase nenhumas prosas,
Um segundo num infinito e uma alma cravada
No peito fulgurante de um bilião de nebulosas.

quarta-feira, 11 de outubro de 2017

Libertação é Relembrar a Inocência e o Ilimitável

Canto e reconto a quebra destas correntes,
Libertem o prisioneiro, o soluçar dessa dor,
Acercada por um muro feito de inconfidentes
Onde não nasce o sol ou cresce qualquer flor,

Há muitos anos apenas em vislumbres a vejo,
É ela a inocência ainda caminhando a cantar,
Restam nas vértebras as asas de um desejo,
Glorioso, numa valsa triste impossível de amar,

A fuga é a porta entreaberta, o olhar a observar,
A janela irada, o voo alado, a vontade indomável,
Assim nos erguemos deste solo, deste estar,

Apesar de saber que o estar parado é confortável
Não vos permitais a vós próprios enfim vos negar,
Deitemos abaixo as cercas acariciando o ilimitável!

sexta-feira, 6 de outubro de 2017

O Poeta Perdido na Noite Sonhando Com Quem Não o Quer

Vem vindo a madrugada, eu sou a noite fugidia,
Céu e terra, sol e mar, a lua cheia num beijo,
Caminho sozinho sob o nascente, a ironia
É ter nascido só para e por amor e desejo,

Em sonhos perdi a pertença, só sua indiferença,
Sou alvo atroz da falta e de sua perdição,
Sim, o poeta apaixonado por sua querença,
Alabastro na palpitar fugidio de um coração,

O seu apetite é miragem, linha do horizonte,
Poço sem fundo, saudade minha descansa em paz
Pois para o mundo perdi partes da voz, a ponte,

Sou protagonista e figurante no teatro das horas más,
Anseio a primavera, o beber do manancial, da fonte,
O que de bom existe, Amor, deixa ir o que a vida traz.

quinta-feira, 5 de outubro de 2017

Estes Pensamentos Passados Sâo...

Enterrados vivos nem parecem reparar
Que o tempo é estandarte e ampulheta,
Para quem ao espelho se vê assim a passar
E logo passa sem um aceno de sua silhueta,

São eles os meus mais negros passageiros,
Dentro da rapariga cujo corpo é o frio deste coração,
Instigando a flâmula escassa em mil aguaceiros,
São um outro virar de costas - o gritante não,

Calem-se as vozes de um afogamento silencioso,
Perceber que somos donos do mausoléu ermo,
Que esquecemos o corredor de mármore radioso,

Que o caminho é apenas cemitério e a sua ausência,
Esta meia presença, fragmento sem fim ou termo,
Esta pá, esta jovem vala sob o solo em abstinência.

São os Outros a Levarem-me e Ela Transviada

Uma lagoa de lágrimas e respiramos água do mar,
Mantendo a orla vêm os Outros e as suas visões,
São os vultos e fantasmas ainda por assombrar
Aqueles cujo momento é passado nos seus corações,

O instante cujo nascença é dádiva e pertença
Do homem qual filho bebendo da fonte da juventude,
É ele toda a minha ausência, toda a minha diferença,
Porém ela, transviada, é o único beijo nesta quietude,

Meu amor já não mais temos tempo para o eterno,
A maravilha da perdição, a retenção da beleza,
Aproxima-se a neve gélida, o grande inverno,

Saudades de um tempo sem ser tempo em si,
Tal poeira sem passagem, toda esta tristeza
Que é mãe, rainha e poltrona para quem vem aqui.

Pouco Procurando o Respiro Fundo, O Respiro Vivido

Estas sepulturas são mais adequadas para os vivos,
Embeleza-as com agulhas em palheiros de espelhos,
Frágeis, vulneráveis e delicados em seus abrigos,
Fluindo por cateteres parecendo com veias de velhos,

São ficções e fios de navalhas no peito do sonhador,
O vulto fantasmagórico da criança outrora perdida,
Sonhos violentos e apertamos o cinto do amor,
Sou apenas um homem por uma estrada perecida,

Parece-me que furtámos mais beijos do que partilhamos,
Encobrindo a ferida aberta por cidades que ardem,
Asfixiando na mendicância das sombras que abraçamos,

A noite pressionando sob as plangentes pestanas,
Dois corpos de pé bem assente na embraiagem
Mal respirando por estes corações de porcelanas.