sexta-feira, 31 de maio de 2019

A Morte, Companheira

Sentado de uma lápide enquanto passa uma criança,
O berço foi abandonado para o trilho e o regresso,
Para além da vida um cemitério sem saída ou fiança
Que confira sentido a esta passagem, ao ingresso,

Por onde somos filhos sem pais, órfãos à nascença,
Assim por cada pluma largada vejo pássaros sem asas
Que se lançam no precipício sem donos ou pertença,
Tal mártires ou párias indesejados, paredes sem casas,

É o tiquetaque da ampulheta que é compasso para a Vida,
O segundo passageiro, o eterno bueiro de uma viagem...
Que passa, entardecendo tal murmúrio pela noite lida,

É a arte cipreste, o saber passar e o que é a única miragem
O pensar reter sem o conseguir ser, que seja precavida
Esta vontade, esta saudade sobre a negra paisagem.

segunda-feira, 27 de maio de 2019

Somos Os Eternos Amadores

Sentado observando a cascata do fim do mundo,
Lembro-me de tempos que hoje são o passado,
São essas memórias e um sentimento profundo
Que me beijam o rosto me dando por afortunado,

Falta pouco para esta vida culminar e enfim entardecer,
Chegamos a meio percurso vendo a linha do horizonte,
É caso para lembrar das vezes em que não foi possível ver
E para verificar que de muitas situações somos insonte,

Enxugamos a roupa após termos vindo desta enxurrada,
E quanto a nós? Somos ainda os poetas e trovadores,
Assim confessando os ais de uma vida outrora passada

Não obstante do que pinta a aragem ou nossas dores
Para o salva-vidas de  uma viela entretanto abandonada
Por cada instante e para sempre somos os eternos amadores.

sexta-feira, 24 de maio de 2019

Abre A Janela Quando Se Fecha A Porta

De uma janela fechada vem a porta aberta,
Um gesto para a abrir, um gesto para a fechar,
Acredito na mudança, na hora sempre incerta
Pois é nessa hora mutável que devo procurar

Deus nos detalhes, na beleza dos fragmentos,
A porta sem fechadura com chave para a abrir,
Sou metade por tocar, por diagonais segmentos,
Os quais a todos irei um dia ou outrora vestir,

Ouvi! Este é o beijo que cobre toda a paisagem,
A brisa fresca que enleva o rosto e a aragem,
De olhos deslumbrados hei-de em mim conter

Cedo ou tarde no peito essa imensidão enfim ser
Pois esta é uma tão delicada e esbelta contradança,
Pois relembra o que será que a vida não alcança.

terça-feira, 21 de maio de 2019

Ao Que Em Mim Foi Passageiro

Trago nas mãos o que em mim foi passageiro,
A beleza e a melancolia do momento tocado,
Até ao rosto do horizonte serei eu o primeiro
Ou apenas outro forasteiro nunca chegado?

Por onde passo deixo um trilho de segundos,
Eu sou quem por eles um dia foi passando,
Perdido no ruído do caminho e seus mundos
Tanto correndo impaciente como esperando,

O meu coração trago em baú de tesouro,
Para quem o encontrar num dia d'ouro,
Partilhei tudo o que me pareceu bem partilhar,

Assim como beijei quem me pareceu bem beijar,
Agora que o passo anterior já se torna passado,
Espero por cá ter sido, ter existido, ter estado.

segunda-feira, 20 de maio de 2019

Na Vista de Uma Criança (Antes de Ela Partir)

Deitado no colo da primavera tal criança,
Pela encosta a Vista de um longo prado,
É o instante que vem e que com ela dança
Embebido pela Lua, atento e deslumbrado,

Assim encontro galáxias e suas constelações,
No céu tudo é verdadeiro gritam as estrelas,
E eu, sou trovador e explorador das estações
Apenas pretendendo ser irmão de todas elas,

Serei com a criança revestido por momentos
Onde o olhar é encoberto pela abóbada celeste,
Alcançando o toque a milhares de firmamentos

Em inocência, um dia dando ao velho este lugar,
Que vá enlevada, encantada e a sorrir ao cipreste,
Que nós saibamos partir pois nunca lá iremos voltar.

sexta-feira, 17 de maio de 2019

A Recompensa Para Quem É Ao Segundo

Pretendendo ser tudo vou aqui sendo ninguém,
Observando-me indo entre esta rua e a vereda,
Ao mero transeunte não deixo o meu desdém
Pois todos merecemos luz, a divina labareda,

Então aconchegado na Lua e o seu eterno embalar,
A aprendizagem de quem há pouco tempo chegou,
Esta necessidade de ir além, de ser e de esvoaçar
Que separa o que ainda há-de vir do que já passou,

Encosto-me ao ombro de quem é passageiro silencioso,
Esta voz só ouvirá quem aproveitar o segundo precioso,
A fonte e o manancial da criação, do sonho e da poesia

São parte de ninguém, são beijo para o trovador, a magia
Que trago dentro da passagem das horas não é pertença
É bênção Universal, compasso para o horizonte: a recompensa.

quinta-feira, 16 de maio de 2019

Olhando Para Trás

É a delicadeza ténue de um rosto tocado,
Frágil, sentado numa cadeira abandonada,
Vestindo as roupas de ontem e arrebatado
Vendo os sinais indicadores, a seta quebrada,

Então relembro, sem moção, outros instantes
Em que era quase poeta, trovador e até Orfeu,
Sim, passam rápido esses tempos ora distantes,
Como passam esses segundos através deste eu,

E Amor éramos nós de mãos dadas ao caminho,
O refúgio para a tempestade, para o eu sozinho,
Nem de olhos fechados me daria como perdido,

Nem o clamor de mil vozes removeria o proferido
Pois mesmo vindo o fim do mundo e a sua teia,
Teria no fundo do coração ainda a mesma ideia.

segunda-feira, 13 de maio de 2019

O Sonho Por Trás Das Pestanas

Sim, há o sonho encerrado por trás das pestanas,
Beijo oblongo à passeata de uma Vida almejada,
O sorriso rasgado de uma qualquer hora insana,
Assim se erguem os deuses na sinuosidade da estrada,

Dormitando num fulgor de uma esquecida alvorada,
Vem o brilho da aurora, cúmplice deste único plano,
O conseguir abrangir o horizonte numa assentada
E alui-lo num mergulho vertical, tornar-me o oceano,

O imaginar é gota d'água caindo em miríade eterna,
Salva-vidas ou naufrágio para quem não sabe nadar,
Na escuridão o compasso é o fulgor da vossa lanterna,

Procurando o sono, fecho os olhos numa dança delicada,
De coração aberto, eventualmente saberei o que é sonhar
Pois este é o único momento para voar e a ter como amada.

sexta-feira, 10 de maio de 2019

Um Dia Será Hoje

Aqui espero a Vida, aproveitando o momento,
Pois cada dia é hoje, pretendo ser para ele tela,
No corpo tatuado a passagem, o acontecimento,
Porque fora os instantes de bruma, a Vida é bela,

Por isso dou a mão a quem por mim vai passando,
O sorriso assim é, mesmo quando a lágrima é vertida,
Um dia será hoje, amigos é preciso cada hoje ir amando,
É preciso ir e beijar esta passagem assim fazendo-a sentida,

Pois sim, sabemos que o tempo passa e as rugas se afloram,
Que então um dia a olhar para trás as mortes enfim morram,
Não nascemos para ser fantasmas de quem não soube passar,

Porque somos o Universo em beijo dourado, somos poeira estelar,
Não importa o buraco negro intermitente, a quebra do coração,
A pretensa é amar cada passo conferido de estação a estação.

quinta-feira, 9 de maio de 2019

O Caminho Para a Minha Distância

Sim, este é o caminho para a minha distância,
O suspiro do instante que ainda não chegou,
Nessa forma encontro conteúdo, substância,
Para o segundo que em mim ainda não morou,

Pois se caminho sombra há em mim do passado,
Há mares e mares entre mim e a margem querida,
Se regresso vai-se o beijo que tenho partilhado,
Em abrigo ou naufrágio, na hipótese concedida,

Essa arte do desencontro que trago neste olhar,
Parte da terra que pisada, de mil e um regaços,
Se um dia escorregar e o trilho alfim for e passar,

Que entre mim e o horizonte haja poucos espaços,
Pois há tanto caminho e a distância para caminhar
Que por vezes parece não haver suficientes passos.