quarta-feira, 30 de setembro de 2015

Cubram-me de Penas

Cubram-me este corpo de penas
Pois nunca aprendi mesmo a voar,
E quando partir saibam só e apenas
Que só parto pois nunca soube ficar,

Cubram-me este meu olhar de estrelas
Pois preciso de luz para conseguir ver
E se algum dia me esquecer delas
Esse foi o dia em que comecei a morrer,

Cubram-me os lábios num enorme abraço
Que me aqueça a alma e vá relembrando
Que a vida não é só um enorme cansaço

Que há instantes por nós ainda ansiando
Enquanto vou pelo trilho, pelo espaço
E o mundo inteiro a si se vai mudando.

quinta-feira, 24 de setembro de 2015

Descei Comigo

Descei comigo às sombras desta cidade,
Repouso onde este corpo se perecer,
Ainda não fui mas já sinto réstias de saudade,
Será esta a dor de quem não sabe viver?

Surge o relógio apontando a ampulheta,
O tiquetaque contínuo na vidraça
Quase lembra o quão a hora é incompleta
E preguiçosa ao não tempo se enlaça,

Pois então cubram-me o corpo de penas,
Para me abrigarem quando vier o frio,
E de toda a viagem saibam apenas

Que vivi para e por porções de tempo
No decorrer ligeiro deste meio rio
Agora deixai-me partir no vento.

segunda-feira, 21 de setembro de 2015

Ouvindo os Pássaros

Escutando os pássaros que iam passando,
Restos de uma bruma envolviam o dia
E, quer quisesse ou não, iam ditando
Os bocadinhos do pouco que era magia,

Então cheirava a relva e respirava o mar,
Entrelinhas cabiam no que era amanhã,
E eu, hesitante, lá tentava caminhar
Passo a passo em bicos de pés de lã,

Então o firmamento tinha mudado tanto,
Quase não reconhecia aquele espelho,
Apesar de ainda me lembrar o quanto

Tinha tanto medo de me tornar velho,
Ainda era possível ouvir neste canto
A eterna criança de rasgado joelho.

terça-feira, 15 de setembro de 2015

Um Homem Parado No Inverno

Um homem parado, parado no Inverno,
Seu perfil meio esboçado a cinzento,
Ao passar pelo quinto céu do inferno
Vai enfim perdendo o seu intento,

À queda de estrelas cadentes ele fica,
Outras vezes segue e vai perguntando
Quando passará esta vil hora maldita
Enquanto pelos ladrilhos se vai quedando,
   
De seus olhos lágrimas e outros mares,
Lembrando-o de tudo que já perdeu
E seus mil e um seres parecem vulgares

Então vai perguntando-se se já morreu
Do Inverno brada a brados singulares   
“Ninguém morrerá se aqui já viveu.”

Restos de Pegadas

Restos de pegadas de um dia fugido,
Vendo sombras ladeadas a cinzento,
Onde estarão as maravilhas que ei sentido
Terão todas sido mais um pouco de vento?

Por onde passo nenhum pássaro chilreia,
Levantam-se vendavais e não há norte,
Um homem velho por aqui se passeia
Ante os portões ferrugentos da morte,

Anseio luz onde apenas escuridão há,
Fechando os olhos, esperando o mundo,
Aos muitos desejos que tenho por cá

Abraço-os e arrasto-os num silêncio profundo,
Assim caem deuses e se vai o amanhã
No lento gotejar da passagem de um segundo.

sexta-feira, 4 de setembro de 2015

Por Instantes

Por instantes via rostos desaparecidos
De tempos que rugas iam cobrindo,
Eu que os julgava algures perdidos
No trilho por onde tenho vindo

Reconhecia alguns olhares e expressões
Pertencentes a outro tempo e lugar
Que sobre mim caíam como monções
Num sono do qual não havia despertar,

Eram topos de telhados e janelas abertas
E o meu coração tão, tão cansado,
Não havia sonho pelas horas incertas

E o mundo parecia já ter terminado,
Lá ia o viandante pelas ruas desertas
Por onde a si mesmo se ia deixando.