segunda-feira, 30 de novembro de 2020

O Velar Nesta Condolência

Estas lágrimas que escorrem pela face acorrentada
Ao passado, há tanto deixamos o lar e ele esquecido
Trouxe o coração infracto, a sombra que é da estrada,
Da curva à berma até à margem e eu então enternecido

Pois os sóis distantes eram vertidos por horas transientes,
Eu insignificante, porém importante, maior que o mundo,
Repleto de luz para partilhar de vista na chuva incipiente,
E assim de repente, sem vestígios de graça então me afundo

Em trajectórias cúmplices com joelhos e pernas quebradas,
Longínquo sonho, tanto a andar com esta sede de infinito
Coincidente com beijos não dados e de mãos afastadas, 

Sonhando sem respirar, preciso de ti amor, és a carência, 
A falta, a privação e escassez que acolho no interno grito
Que zela a alma dos perdidos, que velo nesta condolência.

terça-feira, 24 de novembro de 2020

Estas Palavras Escritas

Recontam-me o silêncio de uma madrugada escurentada, 
Inebriado por versos de um poema hoje desconhecido, 
Deixado algures numa rua atrás da porta escancarada, 
Onde era tudo e nada num escrever por Deus enaltecido,

Escrevi de ti para mim, estrofes pomposas repletas de beleza, 
Pois o silêncio desses lábios era demasiado para aguentar,
Então no papel os coloquei para esconder essa subtileza 
De um rosto trazido no coração que não pára de tentar, 

Esta lágrima luzidia neste olhar nublado e o ecoar da solidão
Pelos corredores de mármore a passo pesado, quase a chegar
Ao lugar onde permaneço, donde escrevo poemas de imensidão

Pela tua voz em sonetos, esse toque em papel, maior do que a vida!
Não tem fim este amor quebrado, é enterra-lo para não me acorrentar,
E enfim, livre para voar para longe dessa tristeza, por uma capa envolvida.

Por Cada Momento

Outro poema que veio e já se foi assim esvaecendo
Na reflexão nos corredores destes tempos passados,
Ao fugirmos da chuva, cantarolando e revivendo,
Atravessando vistas e olhares por ontem defasados,

Reunindo-se onde ainda havia a criança e a esperança,
Sem canseira do vulto que quer ser homem ou mulher,  
É este coração vagabundo que por ter tanta lembrança
Vai por vezes morrendo por tudo não conseguir conter, 

E esta nostalgia amálgama com saudade, é o sorriso
Vertido na lágrima do órfão sem amante, o restante,
A estação que passa, de oásis nos desertos preciso

O rosto lunar no avarandado do sol, e eu rouco de bramar
O pé descalço na valsa do pé-coxinho, a poesia do instante
É esta paixão aqui, hoje, agora e em cada momento por cada amar.

quarta-feira, 18 de novembro de 2020

A Eterna Procura E Espera

Procurando abrigo desta precipitação interior,
O desejo é simples, é um dia outrora fustigado
Por sorrisos onde abrolham flores longe e em redor
Do coração, que venha a estação, direi o recado

Deixado à porta dos deuses dos vivos e dos mortos,
E esta mensagem escrita a ferro e fogo nas paredes,
Pais, filhos e avós lembrados e nós imóveis e absortos
Pois sabíamos que esta água não saciaria estas sedes, 

De homens indolentes cujo trilho não deixa encalço,
Este rastilho até mim, este olhar até o fim do horizonte
Onde o acontecer é real, não há hesitação ou percalço,

O fôlego deste amanhecer, procuro da chuva resguardo,
Entre os charcos um reflexo livre de ruídos, claro e insonte,
Dentro da ondulação as palavras: “Eu por mim aguardo!”.

domingo, 15 de novembro de 2020

Não Vale A Pena Temer O Adeus

Não direi mais adeus, agora apenas darei boas vindas, 
O cansaço do aceno de despedida quebra a esperança,
Enche-me de escárnio das manhãs e as noites lindas
Proteladas pelas estrelas de dois olhares em lembrança,

É uma partida infindável, é o receio dos velhos lugares,
O retorno ao mesmo tal manchas depositadas nas mãos,
Não obstante do quanto já fomos ou quantos andares
Subimos, somos sôfregos, somos inertes, somos órfãos, 

Perguntando-nos qual a vista para o recreio, o corrimão
Para o céu que transfigura os homens em sonhadores,
E eu preciso de sonhar, preenche a alma e o coração, 

E tenho saudades do lar, nós não somos deste mundo, 
Há lugar no instante fugidio entre a brasa e os ardores,
Espaço para a criança alada e este sentimento profundo.

quinta-feira, 12 de novembro de 2020

Um Dia Ganharemos Asas

Este é o ecoar de quem se lança destemido à estrada,
Os suspeitos de viver, suspeitos de correr atrás da Vida, 
Um breve sonho de bolinhas de sabão, vê-la idolatrada
Como um ligeiro toque sobre o sepulcro de despedida,

Pois o sonhador também é subalterno ao abraço da Morte,
Apesar de não a abraçar, não a temem, não rezam a ausência
Ou vão esperando, lentamente seu próprio definhar, a sorte
De quem está para ir, não para ficar em eterna abstinência

Do sabor próprio que tem a vida, a passagem entre o poema, 
Delicada como o ecoar de quem vai sem medo, vai destemido,
Pois ao passar do tempo somos estranhos, sem palavra ou tema, 

Perseguindo a procura e a espera por um dia enfim grandioso, 
Esta pulsar é sincero, este pulsar é verdadeiro não é enrustido
Deixemos para trás o terrestre, saudemos o céu em tom ansioso.

segunda-feira, 9 de novembro de 2020

Tal e Qual Dois Amadores

E após estes anos eles regressaram - o coração na manga, 
Estes sonhos frágeis destinados a ficar sob a sepultura, 
O pôr-do-sol desacorrentado é este grito de Ipiranga,
Vê-lo beijando o rosto do mar caído da mais alta altura, 

Ainda estás aí? A voz harmoniosa que ladeia este caminho
Onde a erva cresce alta e indómita, como a etérea serenata, 
Quando a lágrima é recíproca, indicadora do Sol e eu sozinho
Vou sussurrando o suspiro de quando o silêncio acena e retrata

O dia enfim a finar, alfim ajudem-me também a desaparecer,
Tal como o riso a flutuar sobre a maresia, a nossa magia
Foi esse dia dentro do dia um momento, a vida a esvaecer,

O grande acordar é este eco de pegadas entre os corredores,
Aqui era onde caminhávamos de mão em mão em sintonia,
Lembras-te que costumávamos cantar tal e qual dois amadores.

(aqui éramos magia)

quarta-feira, 4 de novembro de 2020

E Sonho Acordado

E sonho acordado com o rosto da eterna musa, 
Aquela que me inspira, que me confere a mão,
Que é a ponte para o horizonte da luz difusa, 
Aquela que simplesmente me preenche o coração,

E sonho acordado com o seu semblante retocado, 
O pormenor do detalhe, a tenra imersão corporal
No abraço das horas, a vogal, o suspiro invocado,
Deixando-me apartado escrevendo este madrigal, 

E nas esquinas do tempo cruzamo-nos obliquamente,
Da doença advém a cura, sara-se assim de repente, 
Num instante sinto o rosto afagado pela palma da mão, 

Relembrando, sim, de que este para o céu é o corrimão
Por onde vou trauteando o desejo numa doce semifusa,
Onde sonho acordado com o leve beijo da eterna musa.


domingo, 1 de novembro de 2020

Amigo, Farão Festas Por Ti

Amigo, farão festas por ti sobre a tua sepultura, 
E flores florescerão e a manhã virá desse chão, 
Então veremos os dias, as nuvens e cores da altura
Para nos lançarmos enfim de mão em mão em mão, 

E os dias transientes de uma noite agora tão fria,
Efémeros, pois, o pássaro assim para longe voejou
És o que ficou, o que uma estrela passageira trazia,
És seu fulgor, és a sua magia que em nós pernoitou,

Porém és pássaro e os pássaros não caem, eles são
A parte inocente e leve que permanece no coração,
Amigo, trouxeste sorrisos para o comum transeunte,

Por isso não há dúvidas, não há quem ainda pergunte,
Amigo, és o suspiro de uma criança brincando no passeio, 
És o abraço no cimo da colina, o acenar de despedida no recreio.

para o Kaia