segunda-feira, 23 de fevereiro de 2015

As Coisas Que Se Escondem Atrás do Sol: Vai o Petiz

Vai o petiz jogando com a bola amarela
Atravessando sem olhar para os dois lados,
Tem tanto para ver, tanta vista e janela
Amem-no no silêncio lento dos bocados

Que é de quem vê a Lua quando alvorece,
Do tempo que é passado, do tempo vão,
Quebrando o brilho que a noite esquece
Sob o firmamento ainda jaz seu coração,

De quem anseia, que treslouca o estranho,
Quem será que um dia lhe dará a mão
À rés tresmalhada a alhear-se do rebanho,

Por olhos pintados pela sombra dum anzol
É outro ponto hasteado na sua constelação
São as coisas que se escondem atrás do Sol.

Jardim de Ideias Pt. II: O Céu que o Abriga

O céu que abriga o verdejante jardim
É de todos que ousam viajar ao relento
Viajando com ou sem intenção é assim
Que se vai recobrando a cor do vento,

Vamos indo em valsas ao pé-coxinho
Com uma lágrima no canto do sorriso
E ir vamos indo rápido ou devagarinho
Valsando sós nesta dança do improviso

Entre margens quantas vezes perdemos
A razão, a sazão, a oportunidade de ser,
Até na perda é bom que caminhemos

Pois ai também há fracções de verdade
Nesse jardim que ousamos viver e morrer
Entre margens pelo jardim da eternidade.

quarta-feira, 18 de fevereiro de 2015

Jardim de Ideias: Marca d'Água

Palavras do jardim acenando a mão,
Vidros sob o pulsar de cada passada,
Dos meus dedos saem para o caixão
Indo-se esvaecer para a madrugada,

Adormece-se admirando-se pontos a sul,
Moinhos e giestas são esta a paisagem,
Rascunhada a marca de água azul
Quantas vezes foi esta viagem viagem?

São pontos a sul, ideias de outro tempo
Tudo me parece pouco, tudo é pouco,
Por onde for que me disperse o vento,

O sono hoje beija-me com lábios de cetim,
Esquecendo a razão, era então mouco,
Quando foi que nos perdemos neste jardim?

Soneto para Ester: Marcado a Água

A solidão passeia-se por fotografias
Trazendo-me instantes da sua voz,
Relembrando o que era dia a dia
Eram instantes sim, eramos nós,

Por onde sorrires é onde eu sorrio
Por onde fores espero ir também
Porque haja calor ou haja frio
Sei que iremos muito mais além,

Nem me preocupa mais o futuro
Desde que seja feito contigo
A dois haja luz ou este escuro

Por onde eu for vem comigo
Havemos de passar o obscuro
Não temas… em mim encontrarás abrigo.

sábado, 14 de fevereiro de 2015

A Sala Pt. II: O Homem Invisível

Não me apoquentem, sou o Homem Invisível!!!
Não tenho passado, é a vida que passa
Sem ideia ou plano do que é exequível,
Apenas mais um zé-ninguém na praça

Onde todos passam e ninguém o é
Para além do alguém que tentam ser,
São ideias e planos feitos de boa-fé
Que se vão indo pelo meio querer

Pois esse até é mas vai morrinhando,
Tal e qual como o homem que passa
Que em si mesmo vai chuviscando,

Atentai sou o temeroso homem invisível,
Que perdeu as suas letras maiúsculas,
A quem tudo parece ser impossível.

A Sala: Onde Todos Nos Vêem E Continuámos Invisíveis

Dão-me um osso de roer para o prato
E esperam que use talheres de prata,
Fingem não ver quão magro é o fato
Vendendo promessas com toda a lata

De quem tem voz mas não tem preceito
Pois afinal não há mesmo nada a dizer,
Aos que não vêem parece preconceito
A verdade é que não há que escolher

Pois a escolha já foi feita por um outro,
Esganando a trela envolta ao pescoço,
Lá vai a rés desgarrada, o indómito potro,

Vai contra a parede - o coração couve,
Engolido na falta de solução, o alvoroço,
De quem ouve falar mas ninguém ouve.

terça-feira, 10 de fevereiro de 2015

Um Quarto Com Vista Pt. II: Por Mim

O quarto com vista de olhos fechados,
Entre dois a mais bela emboscada,
De pés descalços num destes bocados
Devagar devagarinho a hora passada

É espaço para os segundos da viagem,
Vê-los até ao silêncio - "Tiquetaque, tiquetaque"
- Diz o relógio à ampulheta da outra margem
Tantas estradas para colocar no almanaque,

Por mim eu, os segundos e a sua ponte
Mesmo que através e entre nada for
Que encontre no coração razão e fonte

Que não esqueça o toque de uma flor
E tenha sempre os olhos no horizonte
Pois só daí vem o vero brilho e a cor.

domingo, 8 de fevereiro de 2015

Um Quarto Com Vista: De Olhos Bem Fechados

Um quarto com vista e lavandaria,
É a insuportável leveza deste ser,
Estrelas e barras o restante do dia,
Dizem o que querem, o meu querer,

Por onde anjos receiam caminhar eu vou,
A idade da inocência, as asas da pomba,
Num coração de poeta que tanto voou
Que é conversa suja das mulheres, a lomba

São as cinquenta sombras de cinzento
Cada ínfimo detalhe, cada pormenor,
De olhos fechados num novo alento

Para o retrato sincero a tê-lo correcto
A teoria para tudo vista pelo beija-flor
Assim o farei ao despir-me deste tecto

quarta-feira, 4 de fevereiro de 2015

Entre Dois Pt. III: A Mais Bela Emboscada

Somos dois, indo lado a lado
Enfim somos um pouco de nós
Mesmo que só por um bocado,
Sim, finalmente não estamos sós,

Esta viagem é tão e tão sozinha,
E quão difícil é ir sempre comigo,
É longa a viagem para quem caminha
Vem comigo pois ora segues ora eu sigo,

Sê comigo a esbelta estrela cadente,
… Até o irei supor desta minha ânsia
Sejamos o Srª. Infeliz ou a Sr. Contente

Duas margens e enfim virá a madrugada
Entre nós dois nem sei bem a distância,
... Não é o Amor a mais bela emboscada?

terça-feira, 3 de fevereiro de 2015

De Pés Descalços Pt. II: Outro Dia

Outro dia, outro dia a si tão igual
Ao ontem que ainda é o hoje,
É tempo que vai e vem tão banal,
É um resto de vida que de mim foge,

Outro dia, outro dia a si tão igual,
Do amanhã e sua dura incerteza
Abre-se a mente à doença mental,
Some-se a ideia, a reflexão, a clareza,

Perde-se o tempo entre seis paredes,
Sussurros e murmúrios de quem parte,
No barulho de fundo, tu que concedes

A sina do poeta louco, o estandarte
Que poucos ousam içar em público
Assim a se substituir Vénus por Marte.

De Pés Descalços: Um Bocadinho de Mim

Eu de pés descalços e um bocadinho de ti,
Aqueles que meio era, não fui ao quebrar
E daqueles que nem souberam bem de si,
Será que só quem se busca em si acha o lar?…

Eu sou eles, e eles são mais do que muitos,
Em tanta fealdade há sempre algum lindo
Mas todos são meio oferecidos, até gratuitos,
Uns morrem, outros partem (não partindo),

Há que olhar pelo ombro, ter cuidado!
Por cada passo não dado e vertido
Aquele que não tem cautela, coitado

Para o bem e para o mal cá respingo
Tal rei desgarrado, a cinza colorido
Eu sei, eu quase não tenho domingo.

domingo, 1 de fevereiro de 2015

Tiquetaque, Tiquetaque Pt. III: O Manancial

Devagar diz o relógio à ampulheta
Ambos eram e serão o viandante,
Tiquetaque, tiquetaque vai o poeta
Deixando segundos no belo instante,

É belo pois é sempre temporário,
É meio triste pois é meio sozinho,
Não olha a agendas nem horário
Vou esperançando pois há caminho

Até quando sou beata em cinzeiro
Ou pura fracção, um seu bocado
Que é resto do maior, do inteiro

Para a pegada, para o seu potencial,
Meio sozinho, meio acompanhado,
Ser de quem cria e é manancial.

Tiquetaque, Tiquetaque Pt. II: Ninguém Sou Eu!

Ninguém sou eu, eu sou ninguém!
Quando em mim Rosa aparece,
Por vezes nem sei qual ou quem
Em mim mesmo, mesmo acontece...

A subtil pancada sempre insistente
Que consome o bom samaritano,
A cinza dos escritórios, o fervor do utente,
A propensão para a mentira, o engano,

Na cidade há tanta dor escondida,
Tanta proximidade sem se estar perto,
Até a verdade é facilmente sacudida,

Tanto ruído de fundo, tanto desdém
Parece oásis em infindável deserto
Mas é só miragem, lar de ninguém...

Eu Sem Lua: Sou de Rosa a Ema (Poema Para Ester)

Eu sem Lua sou azul sob o lago,
A Rosa triste que vai e que vem,
Água nos pulmões, o olhar vago
Procurando Ema e vendo Ninguém,

Que saudade de ver parte da Vida,
Que vontade pela menina do além,
Este mundano, esta insana lida
É oásis e miragem lar de ninguém,

Ester para a semana terá partido,
Levando este coração na mão
Que seja esse o prelúdio do ido,

Sobre vós vejo a Lua e a bailante Ema,
Cada instante, tão sacro e tão vão,
De Rosa a Ema, vos dedico este poema...

(Então levai-o em vosso coração).

Devagar Devagarinho Pt. II: A Espera por Ester

Devagar devagarinho vai ágil Ester
Ela só mais um pequeno grão estelar
Largando-se ao ir mas sem perceber
Se algum dia há-de sequer chegar,

Devagar devagarinho e com tanto medo,
O desconhecido é lar para a ânsia
E o que vem chega tarde ou cedo
Mas sempre chega não importa a distância,

Nem sei se ela conseguia respirar por lá,
Terá o universo para todos oxigénio?
Porém esperava a sua chegada cá

Por entre suspiros e o desassossego
Cada hora mais parecia um milénio
Quanto mais tempo até seu aconchego?

Devagar Devagarinho: Cai a Cadente (Poema para Ester)

Devagar devagarinho cai a cadente,
Seu percurso na abóbada terminado,
Parece tão momentâneo, tão presente
Que nem nos parece que tenha passado,

Devagar devagarinho fluindo no éter,
Por entre galáxias e nebulosas,
Esta cadente relembrava-me Ester
E os milénios tornavam-se em horas,

A passagem era de obstinação e espera,
Tanto para Ester, a cadente viajante,
Como para o observante que se escondera

Da vertigem da Viagem daquele instante
Que fazia do visto mais do que ele era:
Um aceno para o finito tempo restante.

Tiquetaque, Tiquetaque: Diz o Relógio e a Ampulheta

Tiquetaque, tiquetaque o relógio do louco diz,
Quebra-se-lhe a alma mas um dia será feliz,
Chovem ideias e pensamentos maculados,
Olhos secos e de tanto chorar borratados,

Esses olhos só vê quem olhar para dentro
Porém lá vem o tiquetaque barulhento
De um olhar de vários olhares sobre mim
A este lar cinza não chega nem o serafim,

É o ranger das janelas e o bater das portas,
Será a poesia doença na praça pública?
Sim, sim, Deus escreve certo por linhas tortas

Portanto salvé aos doidos e ámen loucura!
Quando não há mente não se simplifica,
Dorme-se sim em cinco dias de amargura.