quarta-feira, 31 de maio de 2023

Deus Sussurra nos Pormenores

Perseguindo o brilho estelar numa doce recaída,
Sou cadente por opção, ravinas trago no coração, 
Dilacerando o horizonte dentre a chegada e a partida,
Num soalheiro dia que por enquanto conhece a monção, 

Deitemos abaixo estas fundações de ruínas do passado,
Deste precipício vejo mais longe que uma humanidade, 
Hoje lançar-me-ei sobre o que nunca hei ainda procurado, 
O brilho estelar de uma chuva que vai caindo sem vaidade

E me mostrando as lágrimas já derramadas, o sangue vertido, 
E nós, verticais, tentando alcançar o que ronda perto do além, 
Somente os poetas compreendem este apelo na alma imbuído, 

Só eles se vão escrevendo nas palmas de mil paraísos pretendidos,
Enunciando o caminho para o céu, numa eternidade que vai e vem
Somente os poetas entendem os pormenores por Deus ainda escondidos. 



quarta-feira, 24 de maio de 2023

Poema dos Cinco Dias

Frio entre o ranger lancinante destes ossos, 
Fecho os olhos sendo engolido pelo oceano,
Aqui, por vezes, não ouço o som destes passos,
E até por vezes o caminho é tudo menos plano,

Por entre as colinas vagueei incólume à doença
Que é a rotina dos homens, a sua enfermidade,
Os cinco eternos dias que levam à não presença,
Onde contemplo a sombra da semana, a iniquidade,

Um fardo escadeirando forte aos ombros do poeta,
Provindo do distante para embater no próximo,
Isto é como esbanjar ouro atirando-o na sarjeta,

Porém esperando o que vou alcançando neste trilho,
Procurando o que vou aguardando, o ponto máximo,
Os dias obrigados ao esquecimento, mas ainda brilho, eu brilho!


terça-feira, 16 de maio de 2023

Quando A Noite Caiu

Quando a noite caiu o poeta enfim revelou sua confissão,
Queria ter estado mais presente quando havia presença,
Ansiava ter beijado sempre com amor e dado a sua mão,
E não ter sido da ansiedade refém, ter feito a diferença,

Não ser quem cerrou os olhos para não ver e esqueceu o mundo,
Num salto de um precipício alto para o poço mais profundo,
Pois a humanidade é imunda, é suja, é anjo sem as suas asas,
Velhote abjecto virado quase em demónio em fogo, em brasas

Almejava ter abraçado e tocado a parede do além do infinito,
Ter condensado o instante num mero instante, num alto grito,
Não ter desperdiçado nenhum momento porque sim e sim!

Ter alimentado a alma de confetes sem qualquer início ou fim,
Pois quando a noite cai somos sem sono a cidade, o asfalto,
Que é eterna busca na procura sem ânsia, sem sobressalto.

A Ausência

A ausência é um vazio entre a palma da mão,
O lugar com pertença num tempo sem espaço,
A memória esquecida na bruma do coração,
O rascunho inerte sem linha ou sequer traço,

A ausência é a falta no lugar de uma imagem,
A carruagem parada ao vento a ir a nenhures,
É aqui tormenta, é brisa e é também aragem
Numa tentativa vã de atingir o além e algures,

A ausência são as palavras inauditas nunca ditas,
A forma e semblante ora tornado tão inebriante,
A tentativa de eterno instante nas horas malditas,

É um beijo quase dado, o abraço quase refractado,
Os dedos passando no fantasma de uma amante,
Espelho multicolor ao chão atirado e quebrado

(para o além do longe, para além do distante).

domingo, 14 de maio de 2023

A Armadilha dos Homens Fez-nos Esquecer o Paraíso

Vamos fazendo caminho entre a bruma adensada, 
Perdidos e encontrados numa procura sem final,
Pouco pedimos para além deste tudo e deste nada,
Pouco questionando e procurando o zénite divinal,

Gostaria de ter asas para ir num voo alífero além,
Somos nós que montamos os Pégasos do sonho
Numa indómita cavalgada destinada a quase ninguém,
Que venham os anjos e nos levem para lá do risonho,

O resto é rotina, a canseira de outro dia por acabar,
Indubitável é que eventualmente acabarei por sossegar,
Cerrando os olhos do Sol com dedos sempre cuidadosos,

E pisando os jardins de Éden com passos saudosos
De quem outrora lá passou, mas entretanto esquecido
Foi e caiu na armadilha dos Homens e por lá ficou retido. 



segunda-feira, 8 de maio de 2023

Um Dia Chegarei

Permaneço por onde vou ficando, marginal,
À lei natural da Natureza e de canto em canto,
Por vezes este caminho parece ser tão irreal,
Que não distingo os alarves risos do pranto,

Escondam-me nos recantos, entre o pavimento,
Pois um dia reivindicarei sob ele meu espaço,
Contra os ponteiros do relógio em sentimento,
Por entre vidraças azuis ora translucido ora baço,

Não fosse um fantasma diurno, por vezes oportuno,
Ou casa vazia, procurando memórias de quem foi,
De passo em salto em passo, seja ou não importuno,

Um dia chegarei à outra margem em vulto e semblante,
Cativo e refém somente do Sol e da vontade que corrói,
Um dia chegarei seja aonde isso for seja perto ou distante!