quinta-feira, 23 de novembro de 2017

O Vendaval nas Pegadas do Viandante

O nascimento do sol traz assim nova esperança,
Vem e sê o meu cobertor minha doce madrugada,
Envolver-me-ei em repouso no teu leito tal criança
Que não teme o destinado dessa margem afastada,

Acenando a mil despedidas póstumas: é o caminho,
De asas nos tornozelos e vista numa longa paisagem,
Assim em mim sou partida, quase sempre sozinho
E em mim quem foi ou será, será em mim bagagem,

Este desassossego é esta ponte entre margens, o andar,
Que é quase voo e quase afogamento no quase acidental,
Sem saber bem o que nos espera ou pelo quê esperar,

Vai indo o vagabundo entre o supérfluo e o essencial,
Desde que as noites vindoiras ensinem o que é amar
Prometo-vos que por onde for comigo irá o vendaval!

Entre O Sono e a Insónia Há Caminho

Querida insónia, impregna-me nesta subtil dança,
Entre nuvens e estrelas de outras constelações,
Brincarei dentre delas tal e qual briosa criança,
Espero que assim sejam preenchidos mil corações,

Entretanto vem o sono na ligeireza deste embalar,
A despedida ao real, aceno ao devaneio inebriado,
Exacerba-me e enfim concede-me asas para voar,
De sorriso no rosto através da terra e céu sonhado,

Diz o viandante "Os dias correm e soam só a vida,
Há caminho, sozinho ou acompanhado a resumir,
O mundo vai passando e dá-me finalmente guarida,

Mesmo sabendo que cada momento um dia irá partir,
Assim me fico entre o amanhã e ontem, nesta partida
Que na impermanência tanto me faz chorar como sorrir".

quarta-feira, 22 de novembro de 2017

Poema Para Quem Virá, Passa e Foi

Os seus gritos ainda presos nesta garganta,
Ainda são os Outros a puxarem-me pela mão,
Percebei eu sou o contrário então pouco adianta
Estas estórias de reis e rainhas ou da sua canção,

Vêm e vão os segundos inundados por este instante,
A tentar conter vida e o mundo a passar-me ao lado,
Em mim é a raiz, a flor, a pétala tão transbordante,
Longe de mim o ruído que me põe velho e cansado,

Embalamos este berço de sonhos num beijo almejado,
De corpo e alma, sangue e suor salteados a prantos,
A recusa a permitir este belo instante passar-me ao lado,

Assim irei pois neste caminho tenho sido tantos e tantos,
Procurando um lugar ao sol ou chuva também ao cuidado
De quem virá, passa e se foi neste peito ouvindo seus cantos.

Quando Eu Parti, Ela Ficou (Num Momento Eterno)

Aconteceu a noite caída em escura enxurrada,
Janelas sem persianas, cortinas bem abertas,
Lâmpadas a meia-luz alumiando quase nada
Para além do estranho sabor das horas incertas,

O coração palavra, nome e verbo adjectivados,
A preguiça dos dias na boémia nocturna,
Chuva negra sobre dois estranhos encontrados
Nas sombras na calçada, quase poesia soturna,

Estações de autocarros e comboios, estrada sem fim,
Até encontrar o ombro de um bom, bom amigo,
Por música, morreremos sozinhos, meio assim…

Porém hoje é tempo de viver num suspiro de vida,
Para quê tentar escolher se não há opção de abrigo,
Deixo-a num sorriso e num momento deixado à partida.

sábado, 4 de novembro de 2017

O Poeta Diz Adeus a Quem Lhe Partilhou a Mão Pt. II

Por uma fagulha de luar prometi esta mão,
Num instante passageiro beijos foram trocados,
Eu gostava dela, ela de mim, partilhávamos um coração,
E esses momentos eram sonhos muito mais que almejados,

A queda do poeta é a tênue fugacidade do amor,
Para quê ver além se tudo não passa de inútil paisagem?
Queda-se no martírio, no tormento, no próprio langor
Apaixonado por uma ilusão enfim tornada miragem,

Sozinho se faz o caminho, o semblante desencontrado,
Procurando no escuro uma fagulha de luar qualquer,
Novamente se queda o poeta por nada prostrado

Porém mesmo de joelhos vai em busca dessa mulher,
Para sempre perdido dentre o outrora sonhado
Em que um pedaço de tempo dita a linha entre a dor e o prazer.

O Poeta Diz Adeus a Quem Lhe Partilhou a Mão

Promessas de confidências ao instante passado,
Escuta-me bem, o tempo apenas substrato,
Para além do possível o beijo encantado,
Elegia vaiada por quem não vive, este relato

Somente o olhar de quem é dormida encoberta
Por nebulosas briosas, vontade de enfim respirar,
A carne sob as unhas arreganhada e desperta
Sentindo-se tocada por tudo menos a vontade de tocar,

Agora sabes que estou triste, que estou frio...
Preferes aqui o esquecimento à lembrança,
Assim te deixo ficar, tão triste, só e vazio

Por num momento nos termos deixado de cruzar,
Silenciou-se a música e a sua doce dança,
Desertaram-se as mãos, está na hora de caminhar.