quinta-feira, 26 de março de 2015

Um Pássaro Negro

Um pássaro negro pousa na minha janela
Olhando me bem nos olhos sem pestanejar,
Pergunta-me o que fiz nesta hora ou naquela
Se usufruí tal santo louco até ele me levar,

Um pássaro negro grasna deste alpendre,
Duas plumas de negro e branco larga
Uma que traz sonhos outra que me prende
Tal e qual esta vida ora doce ora amarga,

Um pássaro negro segue-me onde vou
Esperançando com a minha má sorte
Relembrando o quão frágil eu sou

Será ele luz ou sombra dentre a neblina
Ou me trará vida ou será a minha morte
Esperando-me porventura a cada esquina.

sábado, 21 de março de 2015

Vou Esperando: Por Ela

Vou esperando pela voz dela, moça donzela,
Espero por ela e vou aguardando assim
Desta feita fujo dos mas, escapo à cela
Que ainda habita dentro de mim,

Roubo-lhe um beijo, pastoreio-lhe outro beijo,
Sou completo ladrão e também bom pastor
Por aquilo que vou vendo assim vejo
Como se vai soletrando a palavra Amor,

Cansado, em seu regaço poiso minha cabeça
Escutando o silêncio do mundo e arredores
Passa tudo e é como que nada aconteça,

Tenho aqui o que para este mundo preciso
Pois ao menos bom vêm os esplendores
Que ainda ficam impressos neste sorriso.

quinta-feira, 19 de março de 2015

No Centro da Cidade Pt. XIX: Onde Se Respira

É quando me dobro por curvas e esquinas
Que me torno rio levado pela corrente,
Sou essa fluir de água bem cristalina
Que se lança, sem cair, em frente,

Gosto do candeeiros que voam alados,
Soltando os pássaros, a deixá-los ir,
É vê-los dispersando por vários lados
E então nesse olhar conseguir sentir

O espaço entre a terra e tudo o que é céu,
Quebrar o elo ao gatinhar, andar e correr,
Nada disto me pertence, nada é meu,

Para ir mais além, indo para a frente,
Pois aquele que vai para trás morre,
Serei então fim da noite, a luz poente.

No Centro da Cidade Pt. XVIII: Para Viver Ainda Vamos a Tempo

Este jardim entre nós tem um perfume diferente,
Percebo-o enquanto sorvo um botão de rosa,
Procurando encontrar o trilho aqui presente
Até fico um louco de tão bela e cheirosa

Que é essa flor com o seu caule hasteado
Não lhe chega neste poema dez versos
Para lhe conceder um bom bocado
Na minha ponta deste universo,

Aqui temos Lua, finalmente ela é real
Sua luz intermitente sobre a cabeça
De quem ousa ser na aurora boreal

Pássaro e asa como se não tivesse vento
Para terminar o puzzle a última peça
Pois para adejar ainda vamos a tempo.

No Centro da Cidade Pt. XVII: Perguntas ao Silêncio

Tentei ao silêncio fazer perguntas
E não obtive nenhuma resposta,
Seria ele o pai das já defuntas?
É a solidão com a proposta…

De nada ouvir e tão pouco dizer
Assim se dá vivas à ausência
Não é bem vida, é meio viver
Sem saber bem a importância,

O percurso é tudo o que faremos
Importa bem saber por onde ir,
Não obstante do que teremos

Até um certo dia dele se cair
Só importa o que seremos
Convém não dele sair.

No Centro da Cidade Pt. XVI: Restos de Uma Bruma

Ainda me envolve restos de uma bruma
E variantes do mesmo tom e coloração,
É meio névoa, meio céu aberto de uma
Manhã levada no trecho de mão em mão,

Já quase me vejo a mim próprio a partir
No branco deslizante da nuvem de algodão
E de tanto me esperar mal me sinto a ir
Até parecer que deixo para trás uma oração

Que é feita de poesia, nua e crua poesia
Como se a mágoa não fosse  nenhuma
E de repente me sinto inundado por alegria

Que parece nem sequer me pertencer
Este é o preço de quem vai na pluma
E se arrisca no entretanto a se perder.


No Centro da Cidade Pt. XV: Perdoa Mãe

Desculpa mãe, perdoa esta parte assim
Que é tantas vezes deixada ao desalento
E também por tratar tão pobremente de mim
É a cidade que me cega e me torna sonolento,

Por ter esquecido tantas vezes do importante
Lamento a entropia que hei aqui causado,
É que por vezes torno-me cavaleiro andante
Que não sabe bem por onde há cavalgado,

Perdoa-me as ofensas que contra mim causei,
Todos os momentos em que deixei andar,
Dessas tantas vezes perdoa pois nem eu sei

Por vezes o espaço entre o gatinhar e o voar
Mas acredita, fiz tudo o que pude e até amei
As ocasiões quebradas que cingem meu estar.

No Centro da Cidade Pt. XIV: De Costas...

De costas para a cidade rumou sobre o poente,
Novamente passo a passo foi para a aldeia
E o extremo frio foi-se tornando quente
Já esperava que fosse bela, não feia

Tal a cidade e seus escombros pesados,
Na aldeia havia tempo para liberdade
E tempo para estar na relva deitados,
Isso devia ser e não ter tempo ou idade,

Quero ver as nuvens passar, a grama crescer
E belos beija-flores a esvoaçar simples e leves
Apontar estrelas cadentes até deixar de as ver

Pois todo o instante é tão infinitamente breve
Que por vezes nem tem seu tempo para ser
Na grande história que uma vida escreve.

No Centro da Cidade Pt. XIII: Um Dia Ele Acordou

E um dia o viandante acordou de seu torpor
A cidade havia se tornado um fardo enorme,
Pois tinha-lhe sugado vida, tons e amor
E deixado apenas uma estranha fome

Que não era possível alguma vez saciar
Pois não se alimentava também sua asa
Então foi assim que ele voltou a caminhar
Procurando outro lugar para chamar casa,

Além do horizonte encontrou uma aldeia
E seguiu para lá, ao chegar pensou então
Cadê a não vida, cadê a morte e sua teia?

Pois aqui até tinha quem lhe desse a mão
Eram simples as pessoas e à sua ideia
Só devia estar onde preenchesse o coração.

Sonhar: A Necessidade De...

Sonhando escolho os de alegria e mágoa,
De todos eles para atiçar a chama do amor,
Esses sonhos a esboço de marca d'água,
Ao serviço de outros os coloco a seu dispor,

Peço apenas aqueles que mais alto estão
Aqueles sonhos que erigem mitos e lendas
Pois se colocar a mão sobre o coração
São os únicos dignos de serem prendas

Não engano ninguém neste andar tosco
Porém no devaneio sou mais do que eu
Sou eu e o sonhado a esvoaçar convosco

E que esbelto voar é, que choro e sorriso
Agradeço o partilhado mas nada é meu
Por isso sei que do seu brilho preciso.

Esta Breve Viagem: Ainda Está Para Ser Conhecida

Esta breve viagem é feita de mares e ventos,
Vêm as acalmias para dar vez à tempestade
E eu, entre as ondas e a orla dos tempos
Sou eu aquele que se divide em metade,

Há vezes em que vejo fragmentos deixados,
Que cante bem alto o que alma vai sentindo
Pois a passagem são bons e maus bocados
Que se escrevem no trilho que vou seguindo

Até renascer por completo como parte da estrada
Como parte da poesia que deixei ou está comigo,
Preciso de paixão e compasso para a sentir amada

Pois passando, será passada, até enfim esquecida
Pois parte de mim trago outra parte está no ido
Parte de mim já foi e outra ainda será conhecida.

No Centro da Cidade Pt. XII: Todos os Instantes

De dedos esticados para o imenso firmamento
Lembrando-se de outro tempo, de outro lugar,
Esse lembrar rapidamente se tornava tormento
Por ser devaneio longínquo difícil de alcançar,

Por isso ele caminhava sem olhar para trás
E sempre que podia apanhava pirilampos
Para sua candeia o iluminar nas horas más
Por isso a preenchia com tantos e tantos

Que subiam e desciam pela parede fora
Usando-os pela noite até chegar a manhã
Assim suportava o passar de hora a hora

Dormindo e sonhando com o que já passou
Bocas, lábios e o silêncio vindo do amanhã
Pois saibam que todo o ruído assim se calou!

No Centro da Cidade Pt. XI: Sobre Seus Ombros Vultos e Semblantes

Sobre seus ombros vultos e semblantes,
O viandante havia transverso seu confim
E agora os destinos tornavam-se distantes
E o trilho lentamente se aproximava do fim,

Um murmúrio envolvia a sombra do obscuro,
Era um pedido implorado, um grito abafado
Que alastrando-se por tudo quanto era escuro
O impregnava no trilho do vil silêncio calado,

Ora apressava-se, ora arrastava os pés em dor,
Descendo quando pretendia subir a escada
E a isto se somava à meia-luz, à falta de cor,

Enrolando-se nos cabelos da noite matinada
Apesar de longe o pouco que estava era amor
Na ausência e na tristeza então desencadeada.

quarta-feira, 18 de março de 2015

Centro da Cidade X: Estações Têm Vindo

Estações têm vindo adormecer neste rosto,
Vêm de longe e levemente esta face beijam,
Estas rugas já nem disfarçam o desgosto
Das vezes em que não fui e a idade trajam,

Cantem para mim anjos de uma outra hora,
Peguem e recomecem a velha ampulheta
Pois o tempo tem vezes em que tanto chora
Perdendo o importante no fundo da gaveta,

Por vezes ensopados ficam estes passos
Estranham-se os pés do próprio andar
É o meio tique-taque dos compassos

Que conta o Norte de quem partiu
Enquanto quem o continua a contar
Esquece das vezes que chorou - sorriu.

No Centro da Cidade Pt. IX: Caiam os Deuses

Debruçado sobre o parapeito da escada fria
Os deuses de quem éramos caem tal vaso
Quebrando-se em cacos tal como queria
Num belo e único eu disperso ao acaso,

Olhos iam olhando para os cacos do tapete,
Tal joguete, deuses tal estrelas cadentes,
Sorridentes caiam num show que  promete
Caindo em disposições felizes e contentes

Pois até que fizeram muito barulho na queda
Menos para quem tapou as suas orelhas,
Não será qualquer tempo um atirar da moeda

Mesmo para aquele que não ouviu ou viu bem
E por isso não produziu as suas centelhas,
Aqueles que as constelações não sabem
(E por isso se vão tornando velhas)...

No Centro da Cidade Pt. VIII: O Alvoroço Citadino

Com o alvoroço citadino não tinha mais tempo,
Mais tempo ou céu aberto para ver Ema bailar
Por isso lhe dedico um poema deixado ao vento,
O abraço de toda uma vida num eterno amar,

Mesmo que não a veja eu sempre a procurarei,
Posso até mesmo esquecer ou ter-me perdido
E apesar de não poder saber por onde estarei
Trago-a no meu peito bem próximo do sentido,

Esta é o relato das curvas e contra-curvas
Do louco insano correndo nu pela avenida
Reflectindo-se em lagos de águas turvas

Enfim, a cidade, essa comedora de sonhadores
Que jamais é chegada, parece sempre partida,
E o tempo nunca é tempo para seus amores.

No Centro da Cidade Pt. VII: De Costas Para a Cidade

Através do cinza passava o viandante
Esquecendo o que ficou lá para trás
Não fosse pouco era até bastante
Para lhe alegrar as manhãs,

Dava tal Cristo antes de sua cruz
Caminhando em folhas e areia
Na obscuridade deixava luz
Libertando-se da cadeia

Embelezava até o mais feio lugar
Da noite escura fazia novo dia
E como se não houvesse chegar

Partia largando a sua melodia
E como se não tivesse acabar
Voltando-se para a aldeia

No Centro da Cidade Pt. VI: A Passagem da Vida

Na berma da margem da estrada vamos embora
Somos a orla onde o rio passa silenciosamente,
Vamos sozinhos, vamos pela afluente afora
Esperando bom porto ou quem nos aguente,

Passamos todos pouco conscientes dessa passagem,
Passamos do início até ao mais parecido com o fim,
Ao passarmos o ontem passa a ser miragem
Enquanto o amanhã virá amanhã, num dia assim

Cuja única certeza é a passagem, venha o que vier,
Haja alegria, haja tristeza só tenho uma certeza
E essa é que tudo passará escolha o que escolher

E um dia, um belo dia até espero que seja eu
A passagem de toda uma vida, oh que beleza
Vê-la partida, saber que nem o fim é meu.

No Centro da Cidade Pt. V: Saudades da Aldeia

Através do cinza passava o viandante
Esquecendo o que ficou lá para trás,
Não fosse pouco era até bastante
Para lhe alegrar as manhãs,

Dava tal Cristo antes de sua cruz
Caminhando em folhas e areia
Na obscuridade deixava luz
Libertando-se da cadeia

Embelezava até o mais feio lugar,
Da noite escura fazia novo dia
E como se não houvesse chegar

Partia largando a sua melodia
E como se não tivesse acabar
Que saudades da sua aldeia.

No Centro da Cidade Pt. IV: Vestígios de Quem Passou

No seu coração vestígios da criança do Elísio,
Em suas omoplatas restos de farta plumagem,
Quando foi, quando teria apartado do paraíso
Tornando toda uma vida os ecos duma viagem?

Por vezes parecia o normal tornar-se inacessível,
Mais que tempo era a sensação do tempo passar
E era essa sensação que ao passar era indizível
Pois enfim nem sequer parecia mesmo cansar,

Porém cansava quem almejava e queria viajar
A quem tinha o mundo como pátio e varanda,
Mais parecia marinheiro perdido em alto-mar

De propósito objectivo quase sem demanda,
Vendo inúmeros rostos sem nenhum ficar
Assim era a vida de quem triste por lá anda.

O Ego: Entre o Viandante e a Lua

A noite envolve-o em abraços de cansaço
Adormecendo como se fosse petiz infante,
Sozinho despe-se dos dias e nesse pedaço
Entre o acordar e o sonho vê sua amante,

São encontros sozinhos somente entre eles,
Vai a Lua alta reflectindo-se sobre o lago
Onde ele encolhendo os ombros sente deles
Todo os universos e espaço que em mim trago,

Ele sou eu e a Lua é de todas a maior tentação
Esse lago que entre nós considero e bebo
Quando jaz plácido ou chove em vil monção

É tanto dela também e dela tudo o que sente
Em tudo o que é dele e que dele recebo
Sim sinto-o deveras, sinto-o verdadeiramente.

No Centro da Cidade Pt. III: Brilha Uma Chama Difusa‏

No meio da cidade brilha uma chama difusa,
O seu envolvente uma noite já esquecida
Por entre lembranças de memória oclusa,
Pergunta-se ele quando verá sua partida,

A cidade não é casa,  não tem sequer intento
De permanecer mais tempo, de por lá ficar...
Oh apetece-lhe correr e apanhar o vento
E na cidade para isso não há sequer lugar,

Cabisbaixo o viandante percebe sua ausência,
O quão difícil é pertencer às coisas pequenas
E desses detalhes conseguir encontrar pertença

No coração sentir Amor, Amor a sério esse expoente
Pois assim o homem livre tinha como prisão sua pena
E igual se ia tornando aquele que cresceu diferente.

No Centro da Cidade Pt. II: Atrás do Eclipsado

Atrás do já eclipsado vejo a margem ida,
Esperanço o que o horizonte alcança,
Até posso ver em frente a margem querida
Ficando feliz que nem brincalhona criança,

Os seus sorrisos são tão bonitos, tão leves,
Estranho como a cidade sem dó os asfixia,
Vem a vez da noite ficando os dias breves
Será fácil esquecer a criança e sua melodia?

Pois sem ela parece-me bem natural morrer,
Ocultam-se vindoiros sois em sem verdades
Que triste o viandante esqueceu seu querer

E do quase esquecido regressam as saudades,
Ao caminho que era dele, aonde podia ser,
Enquanto o tempo vinha de idade a idade.

No Centro da Cidade: O Viandante Chegou à Cidade‏

Passos ecoam os sons da sepultura,
Finalmente havia chegado à cidade,
O dia era breu, era aparente amargura
E o passado deixava restos de saudade,

Então cabia bem num minúsculo frasco
A inteira alma do contemporâneo Homem,
Cada passo mais parecia pulo em penhasco,
Que de desordem cega as forças se tomem,

Era o prazer citadino de ser um pouco menos
Para caber nos sapatos rotos do proletariado,
Até os passos se tornavam mais pequenos,

A arduidade de ter um lar fazia-o de refugiado,
Quedava-se sem respirar por obscuros terrenos
Era o torpor citadino que o havia asfixiado.


terça-feira, 17 de março de 2015

Cinco Dias: Fechado Entre Quatro Paredes

Fechado entre estas quatro paredes
Sem ter mesmo para onde poder ir
Malabarismo de nada sem redes
Cinco dias que já foram antes de vir,

O tempo é queda em esquecimento,
Os dias que parecem iguais entre si,
Monossilábico torna-se o pensamento
Reacendendo as vezes em que morri,

Não há fim-de-semana que aguente
O entre segundas a sextas vencidas
Que mais que vida parece acidente

Desalento no olhar, tristeza no pisar
Precisado de ser e nas vindas e idas
Antes que perdido volte a quebrar.

Em Conversa: Com o Velhote que Serei

Ele pedia e implorava por instantes almejados
Que corriam quase nus e de pés descalços,
De ocasiões que ninguém tinha por ansiados
Em vistosos espelhos que pareciam quase falsos,

Perguntava-me de baixinho qual seria o propósito,
Eu respondia, ainda mais baixo, que o tinha perdido,
Ficava então um ambiente meio estranho, meio esquisito,
Que há muito o havia deixado na berma do já vivido

E essa conversa só interessava ao velhote do fim da linha,
Passava ao lado de todos os que viviam e não reparavam,
Eu olhava para ele e questionava o que tinha ou não tinha

Sido verdade ou miragem ao passar dos longínquos horizontes,
Onde, quando, porquê? Isso só o sabia quem por eles passaram
Enquanto ele esperava ao passar de seus segundos e suas pontes.

domingo, 15 de março de 2015

Veio a Saudade: Que a Confusão Empresta

Veio a saudade de quem não vem,
A ânsia de quem nunca bem esteve,
É a vida a não perguntar a quem
É o homem que nada tem e tudo deve,

Veio o querer tão, tão não querido,
Que é meia vida logo é inteira morte,
A eterna dúvida de se se há vivido,
Só aos mortos está reservada tal sorte,

Veio a dor de barriga, a ânsia aguerrida,
O caroço na garganta, o suor na testa,
De qual simpatia a vida se tem sofrida

Abafada pelo clamor da aparente festa
É o medo a matar, o início da despedida
O fragmento que só a confusão empresta.

sábado, 14 de março de 2015

Tão Esbelta: Deixou-se à Maré

Tão esbelta deixou-se à volúpia da maré,
Desinteressada do que estava para vir,
Esta é a maneira em que o mundo é
O responsável que dita o que sentir,

Tão delicada e frágil era seu adormecer,
Estendida sobre a vastidão do areal
Era como uma queda d'água a se verter
Na minha mente em cenário tão irreal,

Que até se me faltava o estro do ágil poeta,
Vendo-a ao longe em plena feminilidade
Com cores e enfoque tal leve borboleta

Então até parecia não haver tempo ou idade
Para a distracção, para a atenção incompleta,
Para este momento de gentil e leve ebriedade.

O Morro dos Ventos Uivantes Pt. II: Onde Nasci

Fui dado à luz sozinho no morro dos ventos uivantes
Sentindo corrente de ar como se fosse um foragido
Onde os vivos e os mortos nunca estão distantes,
Pois os mortos estão mortos pois nunca hão vivido,

Até o viandante se perde entre os seus muitos caminhos,
Lentamente esquecendo onde foi e até quando ficou
Porém de todos esses passados sítios trouxe vizinhos
Apesar de por vezes parecer que ao tempo a si se deixou,

E envelhecendo foi rejuvenescendo a alma e a sabedoria
Mesmo quando se sentia envelhecido e sem nada a dizer
Havia vezes que dizia a si querer o que não queria

Apenas para ele saber o que era ter o que não ter
Acreditava que para os normais era sempre dia
Até mesmo quando a noite era breu sobre seu ser.

Ruas Estreitas e Esquinas: Ditam A Passagem

Ruas estreitas e esquinas ditam a passagem
De quem esqueceu um dia seu caminhar
Onde chuviscos são as poças da viagem
Só tendo a companhia do rosto lunar,

Que é a Lua, não as cópias que são dela,
Portanto enaltecem o próprio sorriso,
Vamos colhendo estrela a estrela
De mão esticadas e olhar impreciso,

Vou sabendo que sois meu grande Amor,
Este buquê de estrelas preservei para vós
Minha alma, minha vida de flor em flor

Num eterno beijo remetido nesta voz
Só para e por nós tanta e tanta cor
Para enfim vermos o que vem após.

segunda-feira, 9 de março de 2015

Fez-se Primaveril: A Espera

Hoje é diferente, não é um dia qualquer,
Hoje é o primeiro dia de Primavera
Que beijando tal afectuosa mulher
Faz valer todo o tempo de espera,

Hoje há brisa e a doce, doce acalmia
Do voejar belo e alado do beija-flor,
Há pedaço de vida, há mesmo poesia
Somente do devaneio do sonhador,

Hoje verei ondas a beijar grãos de areia
E o que acontece a quem não repara,
Oh que sorte, que esplêndida melopeia

Que os vagantes docemente ampara
Até o por do sol de quem saboreia
O amanhã de quem não o prepara.

sábado, 7 de março de 2015

Há Noites Pt. II: Que Vêm De Cabelos Soltos

A noite é Oressa de cabelos soltos,
Pavoneando-se sedutora entre sois
Eu, foragido ninguém entre vultos,
Toda uma multidão entre nós os dois

Ema é a estrela do norte, esperançado,
A chegada além deste entre margens
Que enaltece o fulgor do alcançado,
A porta para o Elísio de outras viagens

Esperamos Rosas, ofertas do rosto lunar
De gritos indagando no sobressalto,
Quando se é que haverá um dia lugar

Para dias com a Lua hasteada bem alto
Pois só tentámos resgatar da vida o Amar
Mesmo quando caímos de face no asfalto.

Cada Poema: É Um Bocadinho de Mim

Cada poema é um bocadinho de mim
E cada estrofe um pensamento,
Divido-me em literatura pois é assim
Que por capítulo capturo o momento

Perfeito entre a métrica e a dicção,
Medido entre a prosa e o soneto
Sentido no bater deste coração
Ou morto na vogal muda do objecto

Vibrante no verso, na pausa e acento,
Na estrutura da rima, forma de vida
Por onde me levar o improviso do vento,

É assim que a terna literatura vai e vem
Ganhando cores pela viagem querida,
Pertencendo a todos sendo de ninguém.

quarta-feira, 4 de março de 2015

Há Noites: Que Chovem em Nós

Há noites que se deitam de olhos fechados
Num silêncio inexpugnável que sem acordar
Relembra a ponte e os segundos passados
As mãos presas na freima de tanto chorar,

E desse chorar os homens ouvirão meu canto
Virão das províncias de tão alto ele entoar
Serão para eles fealdade ou então encanto
Cutucando-me com o frio de um único olhar,

Somos o náufrago de uma paisagem imensa
Que um dia foi tela e moldura pertencida
E era essa beleza mais ou menos suspensa

Que dizia aos homens o que era ser na Vida,
Hoje esperámos o póstumo como recompensa
Para quem em si chove e não a tem bem vivida.

Há Vida: Antes da Queda da Madrugada

O tema vai-se perdendo neste lugar
Fica-se meio lágrima, meio sorriso
Sem hora para dormir ou acordar
E aprender o que para viver é preciso,

Há coisas que se escondem atrás do Sol
Que fulgor e melhor brilho mostram
Quando as nuvens se tornam lençol
E os apetites descuram do que gostam

Pois uma flor nem sempre é uma flor,
Nem todos os campos são uma vida,
Não significa que em si têm desamor 

Ou que são simples sítio para partida,
Há que ir e ter a nossa luz resgatada
Antes que em nós caia a madrugada

Se Fosse: Algo

Se fosse um pouco igual, ver-me-ias como irmão?
Se não tivesse estas asas e sonhos nos pés
Terias então para mim uma bela canção
E não o outro pouco que o homem por cá fez?

Se fosse um pouco menos, ver-me-ias como pai?
Se não tivesse vertigens e medo do escuro,
Não fosse eu saída para o que do Elísio sai
Lembrar-me-ias o quão este trecho pode ser duro?

Se fosse um pouco mais, ver-me-ias como filho?
Se tivesse sítio para as estrelas por resfolegar
Seriam minhas as pegadas deixadas no trilho

E se simplesmente fosse mais ou menos diferente,
Saberia quando para ficar e quando ir há lugar
Teria então esse espaço para ser no presente?