quinta-feira, 29 de dezembro de 2016

Estas Ruas Mudaram

Estas ruas mudaram, estes olhos o mesmo,
São estas as sombras de um dia passado
Que ficaram porém eu sou outro, a esmo,
Hoje fragmento da porção de um bocado,

Não por muito ouvem-se uivos de desespero,
O rosto lunar perdido num lugar distante,
Os ecos das flores amontoadas a zero,
Sendo eu então outro homem e semblante,

Tal como as ruas e as praias, a chamar,
Irrequietas pela noite adentro, o toque,
É simples e dado ao uno e doce amar,

Perdido entre vielas soturnas este coração,
Que vai andando sem destino, a reboque
De uma lembrança que era de mão em mão.

quarta-feira, 28 de dezembro de 2016

Nem Retratos

Nem retratos numa estante, nem memórias,
Seremos só o que de nós é aqui deixado,
Pouco mais do que poeira de mil histórias,
A epítome de quem se há enfim findado,

A chave para esta prisão, sem abstenção,
Dispersa por onde passamos, eterno beijo,
O poeta a ir enquanto lhe bate o coração,
De olhos semicerrados num intenso lampejo,

E perto da água perdemos nossas pegadas,
Deixamo-nos à intempérie e à sua loucura,
A vida é o seu total, sempre acumuladas,

A melodia sublime desta bela seresta
E vindo a morte e a sua vil amargura,
Há que aproveitar a vida que nos resta.

domingo, 25 de dezembro de 2016

Não te Vás

Não te vás ou dês triste à noite cinzenta,
Esperando por ela com olhos empoeirados,
É todo um mundo que passa e não se lamenta
De não sermos mais dois corações apressados,

Entrega-te à luz, pomposa e tão airosa,
Que ela te beije tal a mais formosa donzela,
Que nela concebas de amor uma nebulosa,
Que assim encontres a mais brilhante estrela,

Oferece-te ao universo como único presente,
Adormece ao seu ombro, numa eternidade,
Pois quem não sabe é só quem não sente,

E nesse não saber uma ignóbil monstruosidade,
Então que hoje se faça do incrédulo crente
Enquanto vem a poeira e se instala a saudade.

Mãe, Eles Estão a Deixar-me

Mãe, eles estão a deixar-me ficar para trás,
Vai assim o vagabundo até ao final da rua,
Sinto o amontoar enfim destas horas más,
Num vil momento que esvaece e se amua,

Eu vim um dia para ver as suas belas flores,
Para enfim desejar o fim destas tristes horas,
Para dar a mão e ver no varão dois amores,
Passando o Outono, chegando mil auroras,

Já amando fugi e fugiram, azul mostrado,
Soterrado por quem diz ter sido esquecido
Em roupas de areia coberto pelo passado

Vale este segundo de lembranças vestido,
Quase venerando as noites que hei amado,
Pouco sei para além de que quase hei vivido.

segunda-feira, 19 de dezembro de 2016

Não Vale a Pena Despertar

Não vale a pena despertar, este é o poema,
Vou embora, serei alguém ao sair por aí fora,
Serei o traço de pincel no bonito olhar de Ema,
Vou embora, escorrendo sozinho atrás da aurora,

Serei água, desaguarei em qualquer constelação,
As mãos lançadas ao vento, o beijo dado à beleza,
Procurando sem saber se é verdade ou alucinação,
A única verdade será saber que tudo é na incerteza,

Navegarei a noite, o cerúleo terá espaço em mim,
Cadente e brilhante, serei o brilho de fora da janela,
Difuso na cúpula do céu, esparso na noite sem fim,

Serei também sombra e semblante na treva da viela,
Espaço aberto para rascunho de carvão e giz e assim
Repousarei preenchido e o Universo em mim terá tela.

Então Debaixo das Asas

Então debaixo das asas escondia sonetos,
Pedaços da alma emoldavam a pintura,
Duas almas dançando em ignotos coretos
Enquanto a estrada vinha triste e escura,

Acreditava assim em vestígios do sétimo céu,
Em pedaços esquecidos de instantes perdidos,
Porções de beleza do espaço que era meu
Sentidos ao expoente na mudez dos sentidos,

Vejo o tempo atravessar as ruas deste lugar,
O sorriso é a inclinação de sempre dar a mão,
Naufrágio onde passam segundos a esvoaçar

Rumo ao horizonte indagando restos de perdão,
Passa o tempo no cais de abrigo, é difícil amar,
Assim sou o mais glorioso dueto na maior solidão.

sexta-feira, 16 de dezembro de 2016

Vestígios de uma Vida

Os vestígios de uma vida dentro do peito vazio,
Cenas moldam esta janela de azuis vidraças,
Arrancando dentes a um velho enrugado a frio
Cujos pincéis concebem palavras e garrafas,

Esperando o reencontro, vagas tal praias desertas
De quem habita somente num belo imaginário,
Assim se pavoneiam incólumes as horas incertas,
Assim esvaecem os traços e riscos deste cenário,

Sonho com os mortos que me antecederam um dia,
Com a donzela que partindo quebrou este coração,
Por restos de som outrora perdido naquela melodia,

Hoje entoada por ecos de gritos e já idos pedaços,
Esta noite pretendo aquela que me beije e dê a mão,
Esta noite só pretendo morrer nos seus belos braços.

quarta-feira, 14 de dezembro de 2016

Caminhamos

Caminhamos com esqueletos no armário
Por ruas escuras de lágrimas no rosto,
Entretanto somos à lua a passagem do horário
Para onde não brilha, para lá do sol-posto,

Recostado onde os homens se dão perdidos,
Com uma garrafa em mão, lábios beijados,
Pernoitando nesta almofada dos sentidos
Onde os sonhos caem e se dão por quebrados,

Quase esqueci quem me deu a mão um dia,
Não me deixem esquecer quem é lembrança,
Aquela que é toda minha... minha agonia,

Amanhã ainda tenho uma última esperança,
Relembrar do éter traços de vera magia
E resgatar o amor verdadeiro de criança.

segunda-feira, 12 de dezembro de 2016

Um Poemário

Um poemário para o cansaço da corrida,
Espelhados pelo altivo contorno estelar,
Só mais um pouco, uma última investida
E teremos enfim sítio para um dia respirar,

Difícil é estar tão só, procurando o amor,
Escapa-se-me por entre os dedos descalços,
Onde estará a maravilha sem restos de dor?
Entre ruínas e escombros mil e um percalços!

Ergue-se a onda deixando o que era maré,
Atrás da sombra do ontem já esquecido,
Vivia vendo o mar, adeus, de estrada no pé,

Sou quem ficou na margem não trilhada,
Quem não chegou mas se deu por partido
E assim vai indo, entre o nada e a amada.

quinta-feira, 8 de dezembro de 2016

Guardo-a

Guardo-a atrás de pálpebras fechadas,
Como lembranças de um tempo passado,
Memória deixada no cinzeiro das amadas,
Quantas vezes este foi usado e quebrado,

Por ecos de ruelas tornadas vielas escuras,
Choro por quem trago neste triste coração,
O naufrágio póstumo de negras figuras
Do tempo em que íamos de mão em mão,

As saudades de quem enfim passou ao lado,
No peito há que matar esse pedaço latente,
Não viver para sempre num tempo afastado

Sem pertença ou pretenso de ir em frente,
Pois das vezes que a vida tenho evitado
Hoje só pretendo plantar nova semente.

Ofegantes

Ofegantes perante a perfídia deste tempo,
Árduos instantes, arfando por eternidade,
À sua recusa é ver-me à mercê do vento,
Vejam-me, sou apenas toda uma orfandade,

Cada passo tem um ritmo cujo eco esvaece,
Pedaços de amor, apelos sem destino,
É por aquelas vezes que a vida acontece
Que o homem grande se torna no menino

E que lembro os fragmentos do seu semblante,
O palpitar turvo de coração quebrado
Faz com que o lar pareça sempre distante,

Não vêem que só pretendo o éter resgatado
Do olhar perdido no outrora que deslumbrante
Mostrava amorosamente o beijo tão antecipado.

terça-feira, 6 de dezembro de 2016

Sonho Com a Terra

Sonho com a terra que enche o coração,
Venho de um sítio procurando onde estar,
Pouco sabia antes de verdade ou antemão,
Onde será que encontrarei o meu lugar?

Confundo lágrimas com restos de riso,
Limpo o rosto com a esperança do amanhã,
Sou tantos, todos a traço tão impreciso,
Nenhum sem se encontrar aqui para já,

O triste com a mulher feliz em lembrança,
Aprendiz de uma grande dor desconhecida,
O sorriso esquecido da simples criança,

Onde será que a dei enfim como perdida,
Quando foi que esqueci os passos da dança
Ou em mim esbanjei e a não dei como sentida?

As Pedras Nos Sapatos

As pedras nos sapatos e um peito vazio,
O resguardo para a intempérie lá fora,
Fechando os olhos espera-se então o frio,
Enquanto ela não vem e assim demora,

Viagens passadas tornam-se miragens,
Dias eclipsados em algo falso tornado,
Resta-nos o ósculo a essas idas aragens,
Todos esses passos hei enfim amado,

Enamorados pelas estrelas - mãos dadas,
Seu coração com o meu é hoje estória
De outros passeios, outras caminhadas,

Algures na margem da estrada em memória,
De farrapos ao vento e roupas rasgadas,
Pertenço a outros tempos, a outra glória.

sexta-feira, 2 de dezembro de 2016

E Com o Vento

E com o vento vem uma nova direcção,
Algo suave e mais próximo das estrelas,
Que elas desçam e me confiem sua mão
Ainda tenho tons para pintar estas aguarelas,

Procuramos lar onde um dia fomos perdidos,
Por pódio para descansar uns ossos cansados,
Ainda há tempo para usar os lápis coloridos
E por belas escadarias ter céus rascunhados,

A vida doerá o resto de um pensar entorpecido,
A asa quebrada que não aprendeu a voar,
Tal como o beijo não dado e assim esquecido

O desperdício do poeta que não sabe amar,
Não importa a direcção nem seu sentido,
Importante é saber por onde caminhar.