terça-feira, 26 de abril de 2022

Frente ao Coração

Incendiamos amanheceres em valsas feitas ao pé-coxinho,
Através de suspiros silenciosos que não esquecem a eternidade
Ou um outrora de cores pintadas ora depressa ora devagarinho
Que convidadas à ausência de fulgores vou supondo à reciprocidade,

Esprememos as noites da sua bruma, daquilo tido como real escuridão,
Dançando a pé-descalço na parte funda do lago, de olhares sossegados
E de almas preenchidas, enxaguadas dos seus caminhos, da sua moção,
Se dependesse de mim seriamos todos pela luzência do sol tocados,

Pincelando as estrelas e os astros cadentes num pouco mais de proximidade
Daquilo que somos supostos ser, perto do que tem sido só esquecimento,
O legado silente do testamento tácito, o Inteiro e a sua completa serenidade

Para um dia olvidar os apelidos terrestres aprendidos e a sua confusão,
E poder chorar de tanto rir estando entre este divórcio e casamento
Enquanto vêm os dias em nascente e corremos em frente - frente ao coração.

terça-feira, 19 de abril de 2022

Distinção

Há presenças pelo esquecimento que se vão esvaindo,
Com olhos embevecidos em aléns de perenes procuras,
Cantando uma canção misteriosa que a si própria se traindo
Vai apagando os lampiões e velas deixando ruelas escuras,

Por onde semeamos silêncios e o seu subsequente alarido,
Através dum tempo que não é nosso a ampulheta quebrada
Reflecte o outrora e o para sempre, num beijo quase preterido
Em espelhos, o sorriso e dia soalheiro para ser encoberto na estrada

Branca onde o luar é bebida e sede para quem se atreve a passar
A ponte que liga as margens, saudades dessas memórias queridas,
Pois trago a poeira dos passos que não dei na algibeira, o caminhar

De mil poetas que nunca chegaram, a solidão do altivo sonhador,
Lugar e abrigo para a claridade, não obstante das chegadas e idas, 
Neste momento onde aqui distinguimos os fãs dos eternos amadores.

quarta-feira, 13 de abril de 2022

O Primeiro e o Último Verso

As plumas que eram parte de asas espalham-se pelo chão, 
E eu, aprendiz de Ícaro, por ventos e tormentas subjugado,
De joelhos prostrado, suplico a quem me confira a sua mão,
Pois os danos da queda deixaram-me um pouco desamparado,

Procurando o céu e a abóboda inatingível tal rua e recreio, 
O anjo caído feito poeta inquisitivo, feito em indómito astro,
Adormecendo nesse pensamento sem qualquer medo ou receio,
Largando assim no celestial um rodopiante e cadente rastro,

O corrimão para o além vem para aqueles que são ousados,
Para os que recuperam luz da treva e da sua nebulosidade, 
Pois no final serão sempre esses os infindáveis bocados

Que satisfazem o Inteiro, Deus a falar através do Universo,
Trazendo finalmente para o terrestre Sol e a sua claridade
Criando por fim na e da alma o primeiro e o último verso.

domingo, 10 de abril de 2022

Para Me Abraçar

Acolhe-me o voo dos pássaros, um desabar de solidão
Dos apelidos que sobrevoei, as flores, as pedras atiradas
Aos meus pés, esta história contada no bater do coração,
Pelo menos o rio sabia o nome destas cicatrizes demarcadas,

Estas pálpebras com o horizonte pintadas, em breve serei um caixão,
Há que viver esta vida, levar o pincel à tela e senti-la perto, sentida,
Suspeito por procurar e por fugir de quem me quis outrora dar a mão,  
E estas carícias tornadas retoques, por curva e contracurva proferida,

Abscondido do lume de dois lábios, das sombras no quarto do poeta,
Fugidias onde o tempo se foi, memórias em jazigos, no olhar o beijo
Há muito perdido na rua tal aquele que do amor se tornou proxeneta,

E eu entre margens, sem ir e sem ficar, sem partir e sem um dia chegar,
Bebendo de minha sede, a procura da espera, o anseio tornado almejo, 
Quando virá aquela donzela para preencher o abismo, para me abraçar?
 

segunda-feira, 4 de abril de 2022

Nunca Encontrei o Meu Poema

Então ela sussurrava: "Nunca encontrei a minha poesia",
Por campos e prados de um outono que não parecia acabar,
Um relance ao sorriso do sol que sabe os píncaros de magia
Que foram passando, tépidos e mornos antes do mundo desabar,

Então ela pedia ao vento para permitir que a Lua esperasse 
Por almarges e pastagens, levava o suspiro a novos lugares,
Num último carinho suplicando para que o verão voltasse
Qual nascente e poente, por beijos tudo menos vulgares, 

As saudades eram de um tempo ainda por vir, tão reais, 
Ao som de um piano de fundo, um ruído minimalista
Preenchia-lhe o olhar o caminho de passos imortais

Quando tudo o que pretendia era de um astro o toque, 
Pois o coração ardia, naquela alma tão sentimentalista, 
Que assim traria o âmago do éter atrás ou em reboque.