segunda-feira, 22 de maio de 2017

Poeira e Pó

Poeira e pó sobre o coração hoje cerrado,
Se ainda respiramos somos os sortudos,
Foram os amantes que deram errado,
Estamos amargurados pelas mais-que-tudo,

Poeira e pó e restos de lenços rasgados,
Escrevemos poemas para os deixar à estrada,
Gargantas doridas tornam-se sonhos quebrados,
Do princípio somos fim, quase um nada,

Piscando os olhos há tanto e tanto a perder,
As visões do ventre materno são eternidade,
Ideias são o lugar lentamente a arder,

Sombras preenchem lugares já sem lugar,
O vazio de outro beijo trazem a inverdade
De um homem apaixonado que não sabe amar.

sexta-feira, 19 de maio de 2017

Coração, Porque

Coração, porque me enganas com estas ciladas?
Tropeço em ti, procurando um apaziguamento,
Porém sou refém de tuas mil e uma emboscadas
Que somente me levam para a dor e o sofrimento...

Coração, porque bates e te silencias logo a seguir?
Será que perdeste a luzência e brilho de criança?
Parece que tua paz ainda não está bem para vir,
Será que a tua boémia é apenas uma lembrança?...

Coração, porque não esvoaças mais alto que o céu?
O mundo sem mercê ou sequer um pouco de perdão,
Ainda há tempo para reencontrar aquele leve troféu,

Espero que ainda haja tempo para partilhar uma mão,
Pois à sua ausência pouco mais és que lúgubre mausoléu
Onde dormita para sempre um triste e pesado coração.

Mais um Adeus

"Mais um adeus", uma outra separação,
Procuramos quem não quer ser encontrado,
Até nunca meu amor, vem minha solidão,
Vivemos a ilusão de um sonho já quebrado,

"Mais um adeus", um outro instante passado,
Viva a agonia e miséria, a lágrima do trovador,
Outra vez maldito, outra vez o desencontrado,
Quem vem não o segura, não lhe confere amor,

"Mais um adeus", uma mão que não foi dada,
Dois não alcançando hoje o esbelto horizonte,
O sorriso ido de uma cama fria, não partilhada,

"Mais um adeus" que parece nunca mais passar,
Para o beijar perdeu-se o chão, foi-se a ponte,
Será assim tão difícil ter quem nos possa amar?

segunda-feira, 15 de maio de 2017

Refém de um Último Beijo

Refém de um último beijo e da sua lembrança,
Da ligeireza com que um abraço é perdido,
Torna o homem novamente numa criança,
Ficando toda uma espera enfim sem sentido,

Pois aguardámos silentes de coração na mão,
Permitindo estações passar e rios chegar à foz,
Hoje não há espaço para conceder seu perdão,
Mas não importa, para o fazer já não há a voz,

Deixando-a deixei parte cativa do meu passado,
Eu morri quando iniciaram a diferir nossos passos,
Momentos e memórias para um futuro partilhado

Não foram o suficiente para manter esses laços
Que envolviam dois numa dança e abraço apertado
Pois que durmam para sempre em mil pedaços.

Poder Adormecer

Poder adormecer nos seus braços de cimento,
Ter simples regaço e descanso, o sonho infinito,
Num retrato a ode de cores a um firmamento
Que embeleza as suas redondezas e é bonito,

Esboçando as emboscadas para um coração,
O poeta acenando a mil e uma despedidas,
Jazigo pleno para quem não soube dar a mão
E se foi perdendo à passagem pelas avenidas,

De dedos esticados quase alcanço a lembrança,
Um momento delicado suavemente retocado
Por mim, quase eu, numa sumptuosa dança,

Para mim todo um almejo alguma vez ansiado,
O ar aberto, o sorriso indelével de uma criança
Que trago nas rugas de um dia outrora passado.

Por Janelas de Vidros Azuis

Por janelas de vidros azuis observamos a vida,
Somos plumas ao vento sendo o voo alcançado
Na queda da montanha até à margem querida,
Sob o indómito desejar de um céu mais azulado,

Procuramos razão para toda uma triste ansiedade,
Para saber que temos céu e chão para o passeio,
O silêncio acontece quando isso não é a verdade
E novamente caímos, reféns desse mesmo anseio,

Almejámos mais do que conseguimos enfim voar,
Passam instantes recordando-nos do findo tempo
Daqueles possíveis beijos que já não podemos dar

E que não há quem pare este tiquetaquear lento,
Há que o permitir, conseguir os passos enfim amar
E esperar que algures belo nos leve este lesto vento.

Procuro na Estrada

Procuro na estrada restos de beleza,
Por instantes que me façam inteiro,
Pois à sua falta só resta esta incerteza
Que ofusca a alma tal denso nevoeiro,

Em certas noites vem-me o cansaço,
A fadiga de para sempre ser aprendiz,
Sou parte, fragmentos sou até pedaço
Que em si próprio diz e se contradiz,

Era suposto ter já encontrado alguém
Que trilhasse comigo a vala incerta,
Estranho caso é ainda não ter quem

Para viver esta vida vivida e sonhada,
À margem ou pela porta entreaberta
Desde que longe fosse eu e a amada.
  

Perdemos o Sol

Perdemos o sol e os passos da estrada,
Derramados em suspiros feitos de luar
Sou espectros de ecos à ida madrugada,
Atento ainda ao passado, procurando lugar,

Para mim não bastam estas mil imagens,
Preciso de brilhos em mim encontrados,
Pois à vista da morte, de cinzas paisagens,
Espero-a onde me perdi, no chão ajoelhado,

Sob a enxurrada pergunto-me pelo destino,
A última despedida removeu todo o fado,
Eu roubo, eu rogo, eu prego tão franzino

Por uma mão na minha ou um beijo dado,
Pois vai passando breve a tarde vespertina
Que não me parece levar a nenhum lado.

sábado, 6 de maio de 2017

Este Desconhecido

Este desconhecido é deste andar a incerteza,
A vigília do instante impregnada no presente,
Confere a esta passagem vestígios de beleza
Salvaguardada no coração do homem ausente,

Pedindo o possível desejando todo o oposto,
Assim me ergo onde os Deuses vão tombando,
Através e no firmamento encontrei o encosto
Para do puramente humano me ir libertando,

Guardo numa caixa toda a dor do enamorado,
O tempo passa e traz-me cicatrizes esquecidas,
Eu que os cantos e esquinas tenho aqui tragado,

Serei mais do que as breves estações perdidas?
Não, pouco mais sou do que um presente passado
E escoltado pelos dias ao rodopio das avenidas.

Era à Margem

Era à margem deste tempo pois era poeta,
Tudo de uma vez era luzência e escuridão,
Era o abrir da porta, o rodar da maçaneta,
No pequeno menino que ia de mão em mão,

Perdia-me só pelas horas enfim transviadas,
Na procura incessante e ânsia pela pertença,
As lembranças doutrora das ruelas beijadas
Pouco mais eram do que uma vil sentença,

Confesso às estrelas o indómito sentimento,
E sento-me esperando por cerúleas escadas,
Que me levem para o céu em contentamento,

Que me mostrem beleza pelas noites erradas,
Pois afinal a palma da mão é só um momento,
Onde as horas enfim se dão por idas e findadas.

Percalços e Encalços

Percalços e encalços na beira da estrada,
Luzências da noite, sombras deste dia,
Outrora era fonte, tudo e quase nada,
Mais do que muito, mais do que podia,

O último dos poetas, beijo-a na testa,
Sou, fui um semblante deste passado,
Hoje outro boémio procurando festa,
Cambaleando torto de si quase abdicado,

Mãe, dá-me a mão, puxa-me para o céu,
Estampa-me o sorriso que foi deixado
Confere-me um caixão que seja só meu,

Um pouco do firmamento tão, tão amado,
Cansado deste andar por campos de asmodeu
Por mim já tão esquecido, por mim tão ansiado.

Passo a Passo

Passo a passo, trilhando este caminho,
Na vereda do sonho vem outra despedida,
Parte-se o coração, sinto-me tão sozinho,
Assim não alcançando a margem querida,

A envolvência do mesmo olhar perdido
Entre arvoredos por ontem ensombrado,
Caindo pelo horizonte em mim expedido,
Sem destinatário e por ninguém esperado,

A brisa e o vento, meus nomes abreviados,
Através da planície, o ausente desta vida
Entre margens de sonhos sempre adiados,

Sou as ruelas, sujo e ímpio, sob a lua partida,
Poças de água choca, pores-do-sol deixados,
Atrás, os ecos largados são ósculo à avenida.

segunda-feira, 1 de maio de 2017

Daqui

Daqui, sonhos ausentes são acordados,
As suas plumas destas costas penduradas,
Estala a madeira sob os olhos cerrados
Pela colina abaixo apanho as enxurradas,

Canta o meu rouxinol e vem a madrugada,
Acredito em princesas e anjos do mundo,
Não sou único, punhos fechados à alvorada,
Sou a montanha escalada pelo vale profundo,

As algibeiras por nós de cabelos alinhadas,
Sussurrado por cada direcção, qual estação
Será lar para o vagabundo? Garras cravadas,

Respiro o afago de Deus e canta o coração,
Porque não me vês tu de peles pigmentadas?
Eu só preciso do arremesso dado pela tua mão.

Um Último Beijo

Um último beijo e que venha a estrada,
Seus lábios sepultura neste resto de mim,
Tanto já feito, tanta cor por aqui deixada,
Será mais do que pluma caída do querubim?

A lágrima largada ao desleixo da enxurrada,
À penúria do instante do demónio andante,
Eu, o poeta trovador tocando a trovoada,
Cativo do seu olhar ermo, frio e hesitante,

Em cada rio há um cinzeiro: eu na rua,
Minhas musas, minhas Oressas - sou recluso
Do breve passado, da minha mão na sua,

Saudade deste coração cego e alado a correr,
Saibam que outrora fui parte do sonho difuso
Pois à sua ausência por cá ainda prefiro morrer.