sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

Perseguida por uma Sombra

Perseguida por uma Sombra

A Beleza de um olhar efémero emana a luz
Da inconstância muda da rotação do mundo,
Filado pelo ímpeto que num momento seduz,
Por um segundo, imbuído em algo profundo;

Ansiando por uma última réstia de ar impuro,
Insufla-me a leveza rara do sopro da morte,
Descuida o caminho tragado no cárcere escuro,
Hoje lar cativo por suspiros perecidos do consorte;

Seremos todos os instantes tingidos por nada,
E neles, todos os recantos revistos e redecorados
Para que mais do que uma grande final gargalhada?
No espelho de um semblante pelo vil tempo ornados,

E o que este acarreta: contusões e mágoas a mais,
Sem o devido sossego, nem lugar onde repousar,
Entre o caminho entrelinhado e outras viagens tais,
Desprovido de sorriso ou vera beleza para contemplar;

Intransponível a quem o vê, o olhar torna-se opaco,
Indistinto pelo desgaste de outrora não ter sido cego,
Enredando a ternura das cores vivas em hirto retrato
Emergente de névoas vindas dos cantos do desassossego

Procurando o dia, aquele que subtil embala o horizonte,
Apesar, de na sombra desta ilustre e pálida companhia,
Respirando a Falta, que a condição entorpeça e afronte,
As fundações do Éter, liquefeito em fragilizada poesia;

“’Confusão: Será o meu epitáfio’ – enquanto quietude
Sonegar estes ululados” não haverá plangência por ruído;
A nostalgia do imanente refreia-se nesta decrépita finitude,
Soprada pela brisa, riacho ditada ao vazio, eis-me afluído

De refugos de beleza na imundice deste fôlego lacónico,
Resta esta ode ao Sono, insuflando por vestígios recentes
Dos ermos desolados, vigentes nos espíritos do afónico,
Outrora povoados, repletos e matizados de cores luzentes;

Silencio dactilografado, em recuo exclamado ao nocturno,
Fortuito refúgio, ao acaso mortiço inertemente renunciado,
Do medo à preguiça, privando com o absentismo taciturno,
Aos reflexos dos seus fragmentos restantes compendiado;

Rosa M. Gray
por joel nachio

Em passos

Em passos se vai estirando o caminho
Da geração do rebelde enfim conformado
Aglossias reservadas em esconso escaninho
Rebaixados ao finito, soberania do sonho adiado

Sonolência, aliada do caminhante esquecido
Extinto na recordação prisioneira da moldura
Retrato da remota reticência do tempo perdido
Entre memórias findas, o alvor emana a sepultura

Do esperançado, breve e tenuemente alcançado
Cujos suspiros caem em silêncios inconsequentes
Dissonantes melodias, contrárias ao oposto ansiado

Antagonizo esta respiração, manancial dormente
De pretensas suposições, algures recém-chegado
Impera a paragem inquietante do ser inexistente.

As preces nocturnas

As preces nocturnas enviadas a destino anónimo
São breves e consumidas por um silêncio interior
De um jardim desolado, prisioneiro, meu heterónimo
Visionários devaneios mediados por lúgubre algor

Fluir da ampulheta devastando a mortalidade dos segundos
Esmorecendo na frágil moldura que subtilmente a contorna
Incontáveis retratos estilhaçados entre escombros profundos
Insciente, amarguras a vinda do tempo passante que retorna

Aos mesmos becos estreitos e escuros, enredo desconcertante
A nulificação de todas as progressões, o princípio do ser vazio
Percepciona-se pelo sombrio andar esguio e penoso semblante

Na longevidade invernal contempla-se o brotar silencioso do rio
Suas margens estas cicatrizes, imbuídas e cativas na maré cintilante
Pupilas dilatadas rumando a épocas mais semelhantes ao ledo estio

Incidência da luz oblíqua

Revelando a incidência da luz oblíqua,
Transversal no seu berço à coesão do ser,
Salgadas gotas liquidas que o estuário purifica,
Aguardas recôndita na acalmia do raro alvorecer;

Por opção saúdas o nivelado raiar solar,
Da intempérie cessada à ávida ostentação,
Dos momentos de real chuva afinal a lastimar,
Duvidavas então da tua inquestionável devoção,

Para que puro manancial a brandamente jorrar?
Ao então sentenciado à inclemência dos fracos,
Aligeirado fundo pela tenacidade do ténue ecoar

De quartos vazios, errando por infindáveis charcos,
Empório do poeta de visões estupradas em seu ressoar,
A alma permanece imobilizada entre seus sinais parcos.

: Como Perdida

Simples e singelo no seu deambular,
Surge a forma mais elementar de repousar,
Longe do devaneio mortiço, de quem é a vida?
Aqui me olvido e me dou afinal, como perdida;

Sem voz, enfrentando a voracidade dos dias,
De seu peso tão insustentável e frio lancinante,
Por punhos cerrados, engasgados em seu mutismo,
Aqui e agora me olvido e me dou afinal, como perdida.

Rosa M. Gray

por joel nachio

A Preto e Branco  

A preto e branco monocromático é a visão
Da ida do sol de e em mais um dia incompleto,
Reitera a certeza proporcionada pelo turbilhão,
Do Eu, navegante da estrada irreflectida, incerto;

Carregando o ónus descabido da mundana vivência,
Trazido no ar mas respirando um oxigénio diferente,
Inumado à nascença e olvidado à sua impaciência,
Sem textos dignificantes no silêncio afinal confidente;

De segredos dissolvidos com o encerrar da porta,
A aragem nocturna molda a face, desencontrado,
Confessando ligeiro torpor que os mortos conforta,

Alastra-se a inércia devastando o sentido de pertença,
Chave perdida nos confins do sonho e nele abdicado
Do voar lépido esquecido eis a sua pungente sentença.

Revelando

Revelando a incidência da chuva obliqua
Transversal no seu berço à coesão do ser
Salgadas lágrimas que o estuário purifica
Aguardas na acalmia o insólito do alvorecer

Por opção saúdas o nivelado raiar da lua
Liberto às navegações por ela premeditadas
Hoje aguardas a entrega que o trilho imiscua
Proteladas são as notícias e já antes viajadas

Num retrato de inocência, pré-condenado,
Estranho lhe parece o quão autêntico que o é
Encoberto no pó de segundos agora passado,

Envolto no prefácio, rumando face à maré
Entre e sobre vidros lascados enfim confinado
Perde-se a vista e até quando a sequente fé?

Imprevisto

Imprevisto o liberto esvoaçar da melodia
Na anatomia de um fantasma entreaberto,
Do fulgir vago intermitente provem a calmaria,
E o conceito de infinito é por fim descoberto;

Relegado na incerteza da breve hesitação,
Retorcido a versões de uma substância negra,
De enredo ignoto enfim purificado por ablução,
Permeado ao relento e olvidado na sua íntegra;

Anui ao quasi-humano seu repouso restante,
Exceptuando quando luz se meneia em redor,
Entrevê-se a súbita brisa através da vereda errante

Por olhos cansados, de extenso silêncio sua cor,
Espelham-se no opaco, num franzino semblante
E cintilam breves, minorados ao seu exíguo clamor.

Escape

Escape da rotina face aos dias inacabados,
Infames degraus e degraus para caminhar,
Pretos são os olhos de contornos azulados
E lúgubre o espaço entre as cores do sonhar;

Indecisão vai de mão em mão até ao nada,
A chuva incipiente molha mais do que cai,
Vagueando por um varão de uma escada
Onde o corredor é estreito e a luz se retrai;

Subtrai-se o súbito do dia e vê -se o escuro,
E é duro, contudo assim vai passando a hora,
Em busca apesar de saber que não procuro,

Da sinuosa estrada que a mente desflora;
Caminhando na algibeira a senda do impuro,
Espelho os limites da vida, refractando a aurora.

Perdão

Perdão! Vai perdendo assiduidade nestes tempos,
Braços oblongos lançam-se escamoteados na noite,
Desprovidos de rede para os apanhar em seus intentos
Em retrospectiva recluso, passada em segundos à pernoite,

Apenas um mais excerto do caminho alarve nos seus enleios,
Conceituado como subjacente de índole um pouco doente,
Com as horas a passar e sobretudo o anelar de mil anseios,
Esmorece o ânimo, esfria o corpo, de alma mais que ausente;

Entre paredes ornadas a frio, mais um nó do que o preciso,
Sobre a triste soledade, filtram-se suaves as gotas no tecto,
Inclinado sobre o abismo, além algures se encontra o paraíso!

Sentimento do poço, reclinado impotente e incompleto,
Nada no covil do homem que permita um sincero sorriso,
É impreciso o fulgurar de quem vive como um soneto.

Outros Eloquentes

Outros eloquentes hesitariam subtilmente em tal situação,
«Frases vazias, períodos inacabados e parágrafos deslocados»
Oriundas do zénite enfeixado por centelhas eis a aberração,
Sozinha à distância atenuada pelos sinuosos tão bifurcados;

Citações proferidas luzidias na comunhão com o anoitecer,
Fitado excedível de pensamentos num hiato esmorecedor,
Dissoluto em leve éter e morosamente levado a esmaecer,
Findo em breve a florífera cantiga do pictográfico esplendor

Runas pejadas de conteúdos abscondidos em substância
Viajando pelo quotidiano através de diminutivos pestilentos
Enunciem algures o valor vero, estóico de estagnada ânsia

Permitam o descanso de quem vive por olhos sonolentos
Em estado febril de momento póstumo de ultima instância
Esvaindo o precioso néctar do qual caminhamos sedentos.

Arfando

Arfando pelos poros em aguda dor acutilante,
Por quem me levou o tempo enfim embora,
Hoje rezando que o corpo pereça cintilante,
Face à indiferença dos sonhados de outrora;

Vultos esbranquiçados de quem já aqui passou,
Decalcados por detrás das cortinas esvoaçantes,
Sons rompantes de quem algures não alcançou,
O alabastro divino por mais que breves instantes;

Por chuvas vertidas de miúdas gotas floriformes,
Raios partam a sensibilidade abstrusa do firmamento,
Enquanto negrume jaz em nodulosas ondas pluriformes;

Figuras fugidias cujo intento soma-me emudecimento,
Além, suas faces desbotadas sobrevêm como disformes,
Iminência do devaneio, calam-se as vozes, surge o momento.

Dantes

Dantes coisas belas esvoaçavam castas de meu peito,
Repleto de horas e segundos mais que incompletos,
Em desfile algorítmico quaisquer vestidos a preceito,
Entre olhos esgueirados é o devaneio dos analfabetos

Sonhadores alados entrementes revelando as feridas
De pronúncia impregnada com o odor dos posteriores,
Mais que queridas, sendo estas vorazmente sentidas;
Perdido numa prisão de pensamentos e seus terrores,

Humildade é redundante por trás destes pardos edifícios,
Translúcido e aeriforme embebido num trânsito pendular,
Ignaros obedientes marchando entre seus mil e um ofícios,

Multiplicados por mil olhos apontando-me para me enfermar,
Com todos por metade e metades rasgadas em interstícios,
Quando somente a ociosa lassidão não faculta sequer o alcançar.

De Luz

De luz aprisionada nas pontas dos dedos,
Intermináveis páginas pintadas a branco;
Como um barco naufragado em rochedos
De negro absurdo ladeado em cada flanco

Escuta apurada ao silêncio da tormenta,
Ouve-se a morrinha lúgubre do lamento,
Que mais do que preencher apoquenta
De lar fraterno mas renunciado ao relento;

Tempo é o que passa tão indiferente,
Vida deslocada em torno de seu eixo,
Suplícios a conta-gotas de figura ausente;

Que nem o prostrar de relançado seixo
Em lago assimétrico de lua confidente,
Anui alívio em ócio com tons de desleixo.