sexta-feira, 30 de outubro de 2020

Quando O Primeiro Passo Está Entre O Ir E O Hesitar

Aqui um fôlego por uma vida, um beijo suspirado
Entre os dentes e a estória que acaba finalmente, 
Por um minuto passageiro, um ontem fantasiado,
Suficiente para tornar o maior céptico em crente, 

E em mente, um charco de sangue no chão, o botão
Do Inverno, cisterna para extinção da sede da morte, 
Não obstante de quem nos beija e tocando o coração, 
É mais do que uma questão de destino, fado ou sorte,

Inclino a garrafa, correndo do seu fundo, submerso, 
O pôr-do-sol é carreira para os acordados, libertários, 
De maquilhagem manchada, do seu oposto ao inverso, 

O anseio pelas sementes de uma nova dimensão, estação, 
Desde que do céu caímos que seremos eternos refractários,
Sem destinatários, entre as colinas, entre o ir e esta hesitação.

quinta-feira, 29 de outubro de 2020

Os Filhos de Hiroshima

O tecto mostra-me enfim os raios da manhã, regressa o dia, 
Com os cordeiros, o abrir os olhos numa grande charada,
É dos insectos a parada, o golpe da faca, a morte da cria
Que ainda não nasceu, que não esqueceu a ferida sanada, 

É esta a eterna emboscada, a procura no ventre esterilizado, 
Mil e uma vezes fecundado, porém sem encontrar a vivalma
Que traz o sorriso ao Sol, apesar de ser outro dia desolado,
Há fotos tiradas que relembram os mortos e a sua calma, 

A noite foi-se, veio a manhã, e novamente lâminas nos sentidos
Por quem não se lembrava do nome, entre o fumo, entre a bruma, 
Enfim, as nuvens de onde caiam anjos e os pilares do Sol vendidos,

Deixaram apenas sombras atrás, beatas e cinzas pela colina abaixo, 
Carniça aos olhos dos abutres, ouçam o silêncio, a verdade é uma, 
Os filhos de Hiroshima ao tempo de um suspiro, são terra, por baixo.

quarta-feira, 28 de outubro de 2020

Entretanto A Vida Acontece

Desentedia-te, a vida acontece para lá de quatro paredes, 
E a cada instante nós mais próximo dela e mais perto do fim,
É preciso ir e procurar o Sol, o Luar, apaziguar as mil sedes, 
Pois no final deste livro, quando pisarmos o solo do eterno jardim

Espero que nenhum segundo tenha sido em vão, ouçam com atenção!
É preciso ir e ir sem medo das pegadas aqui e para trás largadas, 
É preciso ir com a mente em mente, mas também à frente o coração,
Só assim deixaremos para trás pegadas dignas de serem deixadas

No éter, no tapete da entrada da casa de Deus, ouçam amigos meus,
Aqui beijamos o chão sem nele tocar, aqui aprendemos a ir e a voar, 
É o suspiro da criança do Elísio patente nestes passageiros segundos eus, 

É o toque divino, outrora esquecido, estas são as verdades ontem renunciadas, 
É uma mão na outra e plim! Faz-se magia no querer ir e no querer eternizar
O momento d'oiro, este é o corrimão para o céu, e estas as divinas escadas.

terça-feira, 27 de outubro de 2020

A Morte Bateu-me À Porta

A morte bateu-me à porta e eu permiti-lhe a entrada, 
Trouxe-me rebuçados e doces de um tempo perdido,
De magia e epopeias de quem não era de todo lembrada,
E o seu murmúrio era sossegado a um simples pincel colorido, 

A morte bateu-me à porta e eu mostrei-lhe o caminho, 
Trouxe-me cigarros e beatas na mão aberta, era o incerto,
Ela disse: "Não sabes que nesta vida morre-se sempre sozinho?"
E eu acenei com a cabeça, ela olhava-me como se fosse seu adepto,

A morte bateu-me à porta e eu permiti-lhe sentar-se,
Trouxe memórias de porções de beijos do tão distante,
No longínquo ouviam-se gemidos, era o velho a lamentar-se,

Pelo tempo que não foi Vida, pelo frio que era triste, pela geada, 
A morte bateu-me à porta e deu-me a mão num silêncio reconfortante, 
E eu fui com ela satisfeito por tudo ter feito, não obstante de tudo ou nada.


domingo, 25 de outubro de 2020

As Histórias e o Mundo

O mundo é feito de histórias, uma em outra tecidas,
Novelos impressos a diferentes ritmos entrelaçados,
Sendo fôlego ao acontecer no espaço e tempo rendidas,
Somos sua parte do prefácio ao epitáfio em nossos bocados, 

É entre a vida e a morte, entre o visto e o ainda por ver, 
Bem altas e fortes, linha a linha contando outros momentos, 
Que parecem tão pequenas, é a vontade que as faz crescer, 
Seja em alegrias passadas, lágrimas deixadas ou ainda tormentos

Que se sobrepõem tenuemente à língua em tons prazenteiros,
Sendo que os longos parágrafos separam diferentes epopeias, 
E ainda por cada respiração faz dos meios simples e inteiros,

Há prosas ou poesias mediante a história, a ida e caminho, 
Haverão narrativas para soprarem a outros estas ideias,
Enquanto elas aqui se vão tricotando como fios de linho.



sábado, 17 de outubro de 2020

Alguns Espelhos

Alguns espelhos deixam homens em migalhas,
Côdeas de pão para outros transeuntes desatentos,
E eles gostam de pão. Tens erigido em teu torno muralhas
Apontadas para a linha do horizonte, erectas para os ventos,

Terra dos perdidos, mais um dia negro para o pedinte,
Ao desabrigo desta canção, pedindo perdão ou isenção,
Ainda na sala de espera para entrar e por conseguinte
Dar entrada na vida, aonde for pulsante o coração,

O resto é poeira no olhar, a tensão nas cansadas pernas,
Quando é apenas e somente outro dia a cinza pintado,
É cinzento, ao vento, ao suspiro destas tristes cavernas

Onde alguns fazem moradia sem lar até ao seu jazigo,
É o perigo de voltar as costas à vida, ao breve bocado
Por onde somos bem vindos, por onde há sempre um amigo.




sexta-feira, 16 de outubro de 2020

Há Horas Sem Segundos

Há horas sem segundos, e instantes sem momentos, 
Até dias em que já não nos servem as roupas usadas,
Há um frio com calor misturando aqueles sentimentos
Que colocamos em gavetas por mil chaves fechadas,

Temos cruzado as encruzilhadas e nelas sido cruzados
Por rostos que em nós passaram, os eternos passageiros
Que tenuemente nos beijam a bochecha, somos achados
Em ciclos onde dentro de nós por vezes somos estrangeiros, 

E vem a bruma, e vem o bueiro, e escuta-se o vento, 
O passarinho ainda chilreia, é moldura com intento
De cobrir mais, esvoaçar mais alto de olhar aberto,

Pois apesar de seu voo ser tudo menos um voar certo,
É nas estrelas que enleva seu ninho, seu altivo sonhar, 
Pois venham essas horas sem segundos, estou aqui para as aclamar!

sexta-feira, 9 de outubro de 2020

Os Fantasmas do Crepúsculo

Temos de abanar a poeira e bolor do esqueleto,
Somos os fantasmas do crepúsculo; o fim do dia
E início da noite pertence a quem fala o seu dialecto,
E cada um de si vai na sua própria companhia,

Onde as sombras se dão como imperadoras
E não há candeias com luz suficiente para alumiar,
Ouçam ao longe as vozes que outrora foram merecedoras
De um beijo que entretanto foi perdido, que já não sei como apontar,

As persianas de uma janela deixada entreaberta,
Falta-nos espaço para respirar, a pele foi largada
À perspiração de uma noite onde cada hora era oferta,

Poia para quem a mim seguir, a quem a mim for seguinte,
Deixo-vos a voz de Deus, uma luz mesmo que inacabada,
É vida e missão para o vivo, para quem continuar, para o bom ouvinte.

(De uma história ainda não observada).



Sem Parar

Um desastre rodoviário e calço vidros quebrados,
Quase em vida, convulsões vinculadas a questões
De quem não teve em criança aqueles bocados
Que supostamente conferem ao ser fundações,

Mil e um perdões, cheguei e não me dei por apresentado,
Pois saibam que sou aquele cujo trilho advém da salvação,
Sabei que não sou pertença de ninguém, sou quase amado
Por quem toquei no caminho, por com quem partilhei a mão,

Quando as paredes caem ficam os astros do firmamento,
Sorrio pois conheço esse momento, não receio o que possa vir
A não ser que seja a ausência de vida, de acontecimento,

Pois quando o rosto do sol é coberto pelo não querer
Ainda há tempo e espaço para o beijo, para o sorrir
E então os gritos deixarão de ensurdecer e a vida de morrer.




sexta-feira, 2 de outubro de 2020

Retratos Inexactos

Retratos inexactos de uma dança outrora bailada,
Enunciada e soletrada a minúsculas numa ponte
Era a trova do romance, a lágrima ontem deixada, 
De onde uma alma saia e perdia em si o insonte,

Era um nome murmurado pelas alcovas nocturnas, 
As vielas ecoavam-no ao patamar da insanidade,
E eu perdia tempo e então numa ânsia taciturna
Ia-se o fôlego e ofegante sustia-se em iniquidade, 

Assim vertiam-se-me os olhos, gotejava-se a vista
Em charcos de alvoroços, as pálpebras restantes
Então largavam-me e cerravam sem qualquer pista,

Não bastava o asfalto e o pavimento, era o momento
Para permitir a bruma ser, talvez ser como era antes
De as estrelas cadentes caírem neste nosso casamento.


quinta-feira, 1 de outubro de 2020

Há Dias Cinzentos - Aceita-os

Há dias cinzentos em que não há sequer no céu passarinhos, 
Somente bradicardia no momento actual residente, é utente,
Para quando houver uma aberta através de ermos caminhos
Que irregulares, sim, convergem para o mesmo - o presente,

Assim é uma simulação de vida através de modelos de cera,
Onde abanamos as raízes e bradamos aos céus por salvação,
Esperando vamos, é esta minha ânsia que o interior esviscera, 
Reparem, nestas pegadas rareia o beijo que é do coração, 

E sustentas o fôlego, e suspiras com os dentes cerrados, 
As folgas entre o pavimento lembram as asas cortadas,
Pois em instantes perdemos os trilhos certos e errados

Que eram fonte surdida onde há rosas e pétalas pintadas,  
Erguidas e amarfanhadas por outroras e dias acinzados,
Houve bocados, mas nenhum tinha luzes fragmentadas.