quinta-feira, 28 de janeiro de 2021

O Abismo Entre Eu e Ela

Estas quatro paredes nunca nos segurarão,
Não enquanto houver novos sítios e lugares,
O movimento é o que digna, enleva e dá a lição
Do tempo partilhado e os seus diferentes estares,

São caminho no holofote, para termos de novo vida.
O mundo entretanto mudou, é difícil ir de mão em mão, 
Pulsa o peito batente é tumultuoso e anseia por guarida
Que gostaria que fizesse parte do cenário, da conclusão

Em que dois eram somatório, oratório para os deuses do olimpo, 
Rodinhas para rodar, asas para voar e olhos para conseguir ver,
Saudades de casa, o seu ombro arrebatado a um cerúleo tão limpo,

Não obstante, verto-me por degraus para chegar a esse lugar, 
Algemado ao coração, tentando não sentir o óbvio e o tecer
Que me entrelaça a ela é abismo para o não saber quando amar.


terça-feira, 26 de janeiro de 2021

Quando Vier a Emboscada

Há quem passe a vida perseguindo-a sem nunca a alcançar, 
Numa doce procura, numa caminhada através de labirintos,
Através do escuro beco sussurram as vozes num abismar
Que parece de outra dimensão, de tempos outrora extintos, 

Prosseguindo as inquietudes da alma trazidas na algibeira aberta,
Os sonhos verteram-se para o chão, perdeu-se a razão para amar,
Ninguém pisca os olhos, quanto mais fechar, a quimera é incerta
E nessa mesma incerteza que era dela não permitia ser ou estar,

Porém há uma esperança que ainda perdura no canto do olho, 
É a brasa, o estado de afogueamento ou rubor vivo vivido,
Procurando os luares adormentados na meia-luz do sobrolho, 

Reflectindo a luz e a sombra da estirada, a mais bela emboscada
É o não saber quando espreita a cilada no passo já oferecido
Ao chão, venha o dia, seja a noite e que a luz jamais seja ofuscada.

sexta-feira, 22 de janeiro de 2021

Guerra Civil

É a algazarra no vértice da esquina, ruído e barulho, 
De antemão já sabia que vinha para o fim do mundo, 
"Guerra é guerra!", bramo e com o punho erguido vasculho
O inimigo removeu-nos das nuvens para um poço profundo, 

Dormitamos entre o fogo e é então que irmão mata irmão,
Sem fraternidade, dou a outra face, rogo aos santos e a Deus
Pois é nesta altura que até o ateu vira crente tal é a confusão,
É também nesta altura que o familiar se vira contra os seus,

A Morte a pairar por perto não distinguindo velho de criança,
O saque, a pilhagem, o furto é a indistinção entre a diferença
Vai-se a crença, fica a ilusão e miragem, preso sob fiança,

Estas cruzes, estes sepulcros sem nome, são de irmãos
Que cavaram sua cova sozinhos, essa é a sua sentença
Perante o pai indiferente que do negrume lava as mãos.


 

quinta-feira, 21 de janeiro de 2021

Vamos Deixando Poeira de Ouro

Outrora era um homem no epicentro da confusão, 
Esvoaçando cego pela luz, ouvindo os sonhadores
Não mais do que um vislumbre para fora desta ilusão,
Debaixo do holofote a peça acabou sendo eu os bastidores, 

O passado por vezes apanha-nos e prende-nos à sua beira, 
Procedemos a busca pela fragrância que faz mais sentido, 
Entretanto balança, balança e caem-nos sonhos da algibeira
Será esta a viagem para a qual não nos teremos ainda precavido?

Lanço os braços adiante e alcanço parte custódia do firmamento, 
Sabes que houve alturas em que a geada preencheu este coração, 
As nuvens que me passam, os beijos que traçam este momento,

Por isso inspiro o suspiro que vai e vem, eu sou aquilo que é deixado, 
A poeira de ouro bem sedimentada é trilho inverso por vocação,
O resto que ainda está para vir é o resto que falta ser abraçado.

segunda-feira, 18 de janeiro de 2021

Estas Velhas Algemas

As salas vazias e as escadas para a cúpula apontadas, 
Vamos vivendo para o dia a dia, daqui tão longínquo, 
É o motim que me traz à tona, as setas quebradas,
A prisão do próprio pensamento caindo obliquo, 

As palavras lajes para um discurso inacabado, 
No peito sinto-vos, a mesma criança sonhando,
Durmo com os olhos abertos, ainda perturbado
Dentro da raiz esquecida, a mim me arrancando,  

É o fardo de quem partiu, porém não é a chegada
A inteireza que ansio é maior do que estes poemas,
Procuro mais do que onda ou matéria, a porta fechada

Que abrirei com ou sem chave, é o poeta e os diademas
Alçado a brisa branda sobre a margem e a sua fachada,
Um dia vos prometo, um dia partirei estas velhas algemas!

sexta-feira, 15 de janeiro de 2021

Poema De Um Homem Sob O Oceano

De pés descalços sobre a raiz do azul oceano,
Paciente e resiliente face às ondas ainda por vir,
Voamos vestidos de reflexos cerúleos sem engano,
Este é o sítio neste momento para por fim as sentir,

Por isso nos importunam as nuvens na veloz ascensão, 
Sobre a água uma ponte invisível, que doce beleza,
E por aí não obstante bate por fim o uno coração
Rematando para longe os traços de dor e tristeza, 

Encurralado entre os antebraços, deposito os abraços
De quem me pretende próximo, um rosto no beijo
E vem o desejo, e vem a vontade a nítidos laços,

O ar engolido, libertado em busca de um tesouro
Maior do que a vida, maior que o maior almejo,
Aqui é onde fico e me preparo para o tempo vindouro.




quarta-feira, 13 de janeiro de 2021

As Horas Sedentas

Então sozinho fui andando numa linha estreita,
Perseguindo as sombras tortas desta parede, 
A candeia luzidia pela rua que se endireita
Acima da colina e eu escapando sem rede, 

Logo rasgava esquinas acossando a fragrância,
O seu nome ainda apaziguando as lides nocturnas, 
E eu correndo em tamanho estado de beligerância
Via-me ao longe parado através de dias e horas soturnas, 

Entretanto o rosto enrugava assentando no fundo
De papeis amarrotados onde rangendo os dentes
Era voz formada de vazio em tom nauseabundo,

E sonhos quebrados isolados por paredes cinzentas,
Por vezes custa-me continuar a luta por quatro frentes,
Porém continuar é preciso para preencher as horas sedentas.

sábado, 2 de janeiro de 2021

O Análogo do Viver

Eternizado num momento, a eterna adversidade,
De lápis em riste, feliz ou triste, irei escrever
Sobre voos e quedas, o humano e a divindade, 
Acordar o Pégaso e dar a vida ou até morrer, 

Da rota e o seu peregrino ao universo e a viagem, 
Há liberdade na falésia e há paixão no esvoaçar,
O deslumbrante é cativo do sem pertença, a aragem
No rosto e pés descalços no verdejante, sim, o amar

Quem aparece no espelho, a colheita do plantado
É amor redobrado, é preciso ar para poder revir
E as folhas caídas da estrada são bosque encantado 

Para quem não deixou de acreditar, havemos de ir
Perto ou longe, alto ou baixo, desde que andemos,
Pois o análogo do Viver diz o quanto viver queremos!