quarta-feira, 30 de setembro de 2020

O Pai Tempo E A Vida Que Passa Entre Os Seus Dedos

 Poeira sobre as roupas pelo ontem vestidas, 
Os pontos ligam-se nos vértices coincidindo,
E eu indo caminho as ruelas e vielas perdidas,
Sem que as portas pelas quais passo irem abrindo,

Percorrendo, imóvel, os momentos do passado, 
Onde, abstraído, era moço, homem e até velho,
Todos esses instantes fui sendo por um bocado
E eles se tornaram no que fui vendo ao espelho,

A menina das alianças me deixou e foi-me levando,
Pois em boa verdade, quase não reparei no relógio,
Foram tantas as mudanças que eu fui almejando

Que o tempo veio e se foi e agora se dá por acabado,
E, sorrindo percebo, ela é recurso precioso e privilégio
Para quem vai e vem na alma e coração no minuto apartado.






terça-feira, 29 de setembro de 2020

Eu e a Brisa

Faltam e sobram-me horas de um dia inacabado, 
Uma tarde primaveril bailada a dois num beijo, 
Onde o simples era regra e o trilho encruzilhado
Era mote para o ainda por vir, para o vero ansejo,

A graça de uma valsa dançada no conteúdo da alma, 
Entre a tempestade e a acalmia que a todos nos erguia, 
Uma cidade com vista para o oceano onde nem vivalma
Trilhava as ruelas, onde nem a Morte passava, ela fugia!

Deambulávamos numa dança própria de dois amantes, 
Eu e a brisa, assoprando pela almargem, entre a vontade
De ir mais longe, de ser mais Inteiro, ao Universo aspirante,

Este jardim esverdejante voluteando entre palavras inauditas, 
As frases incompletas, os parágrafos inconclusos, a metade
Que era minha e estas querenças para sempre na areia escritas.


segunda-feira, 28 de setembro de 2020

A Musa Que Me Inspira

A musa que me inspira é as estrelas do caminho, 
Os amores por ele plantado, os instantes, os bocados,
Até as ruelas e vielas escurecidas por onde vou sozinho, 
As lembranças tornadas memórias em rascunhos traçados,

A musa que me inspira é serena e educada, afável e inocente, 
Gosta do sol e luares redondos, confidencia-se à sua vontade
E não é minha prisioneira logo tanto vai como vem de repente,
Ela é imperativa, é urgente e precisa de amostrar a sua verdade,

A musa que me inspira tem lábios redondos e um abraço profundo, 
Ela é a Vida e Morte à altura do céu e à queda no precipício fundo,
Traz-me saudades do que está por vir e ansejos do que é passado, 

A musa que me inspira é esbelta como o belo jamais foi retratado,
Ela é liberdade, a mão aberta e o abraço para o horizonte alcançar, 
Ela ensina-me o simples, o detalhe do incerto mas principalmente... o nunca deixar de tentar.

domingo, 27 de setembro de 2020

O Propagar De Asas De Um Passarinho Moribundo

Ondas na lagoa são marés atrás de marés revistas
O trecho inacabado de um voto numa colher restado
Por lembranças que se vertem por valetas com vistas
Na imprevisibilidade de um papel no lixo amarrotado,

Para o precipício exsudado por cada olhar, cada passo, 
Onde passo e repasso a canção de Ícaro ao esvoaçar
Próximo do Sol, próximo da perdição, sem compasso,
Sem traço no lápis, sem tinta no pincel por cada traçar

Caíamos dentro do eviterno quando o pássaro me morria
Nas mãos, demasiado fraco para voejar e no céu propagar, 
“Mãe, ajuda-me a viver!” – seus clamores quase em euforia

Na minha cabeça ainda habitam caindo dentro deste ouvido, 
“Oh meu amor, oh meus queridos”, esquecemos o que é amar
E longe de casa suspiramos tão próximos do seu coração ferido.

quarta-feira, 23 de setembro de 2020

Um Cais Para Amar

Por vezes faz-se do clarão da fenda, a tristeza, 
Em círculos percorrendo o que a vista alcança, 
Das sombras o vínculo com a bruma, a incerteza
Que com o Inverno e Outuno vai, fica e até dança,

Da abóbada celeste, uma caçadora já com ideias pautadas
Por braços de silêncio onde dois corpos longe se estendem, 
Quando existe uma vida atrás através de experiências contadas,
Do prefácio houve ruído e o alarido então que no epitáfio se findem

As vozes dos poemas de outrora, das letras de cada voz ou canção, 
Porque já passou tempo para olhar e ver, passou para pedir perdão, 
E eu não perdoo, pois, o passarinho apartado voou e caiu da sua cama, 

E tal peso morto, como buraco no solo, quase que esqueceu quem ama,
É a doença dos amadores armados em trovadores do fim do mundo
Quando na verdade, só querem um cais que não seja muito fundo.

segunda-feira, 21 de setembro de 2020

Desde Que a Música Do Caminho Persista - Há Caminho

Sim, deste alpendre ao luar escrevo debaixo do sol,
Só eu sei as noites inacabadas e os dias por findar, 
De um lugar isolado onde vem o embuste e o anzol,
A casa onde esta erva daninha se acaba por alastrar,

O sonho era encaminhado de mão em mão rumo à voz
Da criança que fui a brincar na alma, sem reféns ceder,
Compus o aceno num instante dedicado ao fluir da foz, 
E fui arrepiando caminho sem o vero ideal comprometer,
 
Que era uma canção feita de linhas tecidas de ano a ano,
Divinas, eternas, imaculadas pela sombra que é o humano,
As formas distantes e duvidosas por onde nem sei por onde

Quando não sei sequer o que a curvatura da estrada esconde,
Portanto peço beijos quando os há, ou o abraço quando existe,
Evitando os buracos das ruelas e continuo, pois, a música persiste.

sábado, 19 de setembro de 2020

A Orfandade Desta Procura

Os meninos órfãos vivem três andares acima de deus,
De corpos aéreos, dançando no tecto de mil promessas,
Onde cada pai e mãe foi despedida sem um único adeus,
Enviando cartas postais sem entregas ou sequer remessas,

O tocar do telefone, rodopiando em punhos de anos e anos,
Onde os sonhos são perdidos pelo hediondo som da cidade,
Onde a inocência é estuprada por anseios e desejos levianos,
Vão eles crescendo antes do seu tempo ao acrescentar da idade,

Quem nunca foi uma dessas crianças das ruas e vielas perdidas?
Quando a verdade é que ostentamos círculos para nenhum lugar
Pois desviamo-nos do caminho para casa e as roupas vestidas

São simpatia de estranhos onde a inocência é difícil de encontrar,
Quando não há partida nem chegada, apenas lágrimas contidas,
Se esse sítio nunca dorme será que ninguém consegue sonhar?

sexta-feira, 18 de setembro de 2020

O Caminho É Longo Até Encontrar O Lar

Acredito que há um subtil abraço que ao Inteiro é envolvência,
Num instante simples e fecundo, tal o respirar de uma criança,
Porque para o alpinista a sua montanha é inescapável, persistência!
Pois há sempre caminho a andar quando de nós para nós há distância,

Aqui dentro a vigília mais forte que a sorte, mais forte que o tempo,
A esperança de que o primeiro passo seja tão forte como o último,
Porque há ecos deixados na maré por cada gesto articulado entretempo
Do agora e depois, digo-vos, o coração também é um caminho legítimo,

Sustem-se o fôlego, somos escapes renitentemente fugindo de um embuste,
Que é passagem de dia e noite, percorrendo as colinas de um sonhar belo,
De quem vagueou além-horizonte, quando este ideal é inabalável e encruste,

Sim há momentos em que tenho saudades de um algures apelidado de lar,
Pois todos ansiamos pelo mesmo, todos desejamos aquele toque singelo,
Logo o destino é continuar o trilho e o caminho enquanto não encontramos lugar.

Todo O Sonho É Reciclável

É ao sonho amarrotado e deitado ao lixo de uma aurora, 
Tu que raramente viste a luzência do olhar de uma criança, 
Foste quem foi a sua própria ausência até ao beijo d'outrora,
Onde esvoaçaste para longe pois o vento colocou-te  uma aliança,

Eram tantos panfletos de autores sem apelido, almas sem lugar
Para poisar e sequer brotar para o Oceano, no eterno suspiro, 
Daqueles momentos em que a escolha foi-se ausentar
Numa ode ao ansiado, do alto da altura - eu inspiro e expiro

Sob os estranhos ao espelho, perante a imperdoável estrada,
Quando batem à porta do agora, ergue-se a oportunidade,
É preciso acordar, despachar a brisa pelos lábios soletrada, 

Pois hoje é tudo ou nada, estou pronto para no riacho escorrer,
Seja viver ou morrer, este é o perene circulo e sua sinceridade,
Não distingue nada nem ninguém por isso há que o deixar correr.



A Crença Jaz Na Aceitação Do Que É Como É

 As palavras são feixe de luz, as brasas na escuridão, 
Ponte para os viajantes, espelho para as centelhas,
Que fustigam as veias oculares em troca da visão,
Caindo silenciosamente no requebrar das telhas

De um telhado atravessado por correrias de criança,
Trazendo o sonho na pálpebra do olhar, mão abertas
E esticadas para uma abobada celeste que alcança
Os quatro ventos baptizados pelas ruelas incertas, 

Até erguermos o sonho à primavera do apartado berço, 
Todos já perdemos irmãos nesta guerra, vem o sono
Imploramos por paz, o inebriar dos sentidos que alicerço, 

As fundações para o céu, a parte de mim que é pertença
E a parte de mim que não sou eu, que é morte e outono,
Quando na verdade, o aceitar de ambos sobe e enleva a crença.


quarta-feira, 9 de setembro de 2020

Cada Momento Tão Suave Como Despedidas Sobre O Caixão

Sinto a impaciência de uma outra noite sem dormir,
Passando entre os dedos numa fragrância de flores,
O amanhã vem e a manhã vai entre a chegada e o ir,
E o luar banhando os contornos de um rosto cujas cores

Eram lembrança e esquecimento, eram multidão de telas,
E eu acorrentado por um momento do outrora já passado,
O refém por si infligido pela imensidão que havia nelas,
Com a mente focada, pelo do que já passou ainda amarrado,

Castelos majestosos construídos no ar e de areia perto do mar,
Quando basta o bastar, cada cordel da criação erige o divino,
Tão gentil e terno como as mãos de um curandeiro a sublimar

As promessas de Deus, tão suave como despedidas sobre o caixão,
Então exaltando oxigénio por onde vem a busca e o sonho do peregrino,
Ou como estrofes do trovador porém sem tempo para o debate do coração.

sexta-feira, 4 de setembro de 2020

A Margem Afastada Para os Deuses

A única coisa que realmente recordo é a margem afastada,
Atingida por trovões e relâmpagos pelo nocturno acercado,
Ouço a aragem, sinto a procela cobrindo a ponte distanciada,
Hoje é tudo ou é nada, este é o momento há tanto esperado,

Encontrando resguardo na intempérie, serei eterno aprendiz,
Aquele que no olho do torvelinho edifica a sua residência,
Pois à minha ausência estarei sozinho no silêncio que maldiz
As faces que trago no rosto, os anéis que perdi em veemência

Ao não poder ser, ao não poder levar um pouco desses caminhos,
Onde encontrados foram uma Vida inteira de pincéis e de telas,
Por isso caminhei e neles desfiz Deuses grandes e pequeninos,

Eles - Deuses de olhos de oceano e pele encoberta por areia dourada,
Eu - O irmão das nebulosas e das filhas por apenas acreditar nelas,
Assim se dá a viagem entre constelações na viagem impensada.

quinta-feira, 3 de setembro de 2020

Retratos no Agora

Retratos são as lembranças num instante captadas,
Passagens para a faísca de um momento passado,
Que, agora eternizado, mostra as rugas abraçadas
De um dia que não as havia, um tempo acossado

E perseguido pelo vento, as cicatrizes e diademas
Deixadas, as esquinas esquivas do outrora já ido,
Que adornam o agora em fartas estórias e poemas
Numa ampulheta que se escapa num espaço contido

Por ferrugem na pele e ossos lentamente em vapor,
E as amantes esquecidas na berma de uma estrada
Subentendidas, mal-entendidas, de olhar provocador

Que em espinhos inconstantes confortam a chegada
Trazendo um pouco do que já foi, a alegria de uma dor,
Que é a imagem de um retrato à luz de uma encruzilhada.