sexta-feira, 21 de abril de 2017

Este Olhar

Este olhar é pastor para as nuvens, o céu,
É amador do visto, sonhador do imaginado,
A perfeição é que nada é meu, nada é meu,
Nem o que trago nos bolsos ou tenho ansiado,

Este olhar é um coração irrequieto a palpitar,
Insano e louco, sem protecção no seu trajecto,
Travo na garganta do que posso experimentar
Indo rascunhando no beijo este breve soneto,

Este olhar é também do lado de dentro farol,
Espaço trilhado e fadado para quem procura,
Mesmo quando este se cega pela luz deste sol

Em si continua sendo a moldura do horizonte,
Onde mais ninguém a si próprio lhe segura
E onde para diferentes margens é ponte.


Estes Versos

Estes versos vêm do mar em branca espuma,
Esbatendo-se e contra o firmamento dispersos,
Caem do céu tal pétalas de rosa, uma a uma,
Para mim são céus, planícies e sonhos diversos,

Estes versos são fragmentos do plural ancestral,
De uma verdade única quase, quase inatingível,
São oferendas para o Deus de tudo o que é astral
E reflexo do homem de pluma aberta e sensível,

Estes versos são ode e apoteose para o instante,
Para aqueles momentos sempre perto do coração
Pois do eterno e imortal somos o perene amante

E o pluriverso em nós é a lembrança e a ambição,
O sorriso no canto da lágrima, a sombra semblante
Cativos da rosa dos ventos e na palma desta mão.

Este Caminhar

Este caminhar é o mistério do luar por perto,
Por onde poucos passam, lugar sem gente,
Para eles a ausência de vida é um deserto
Que se vai passando num passar latente,

Este caminhar é tristeza e toda uma solidão,
O sonho não recíproco, o avançar da idade,
Parece que já não há onde pousar a mão
E que algures perdemos a própria identidade,

Este caminhar é o ignorar, é o desconhecer,
Ter a lágrima a afunilar a vista sem mercê,
É tudo um pouco querer sem conseguir ser,

Este caminhar é este cinzento da estrada,
Trazê-la ainda no coração sem um porquê
Vivendo a busca-la, ansiando por mais nada.

sábado, 15 de abril de 2017

Os Pretextos

Os pretextos para os beijos da viagem
A procura incansável da estrela cadente,
Aquela que risca o céu e se deixa à margem
Da abóbada celeste e do homem ausente,

Aquele vertical caminhando quase inteiro,
Através dos segundos e a canção de embalar
Que é o suspiro da morte e do mestre Caeiro
Tão simples e pequeno num ínfimo almejar,

Desabando e erguendo escadas para o céu,
Oh poeta bardo, rosa e espinho na garganta
Onde todo o passado é tudo o que já deu

Então passou de mão beijada ao seguinte,
O último dia de sol e a chuva que é tanta
Que pede e dá esmolas tal abastado pedinte.

quinta-feira, 13 de abril de 2017

Estes Trilhos

Estes trilhos que conferem a rastos lugar
São a lágrima no sorriso do viandante,
Entre si o espaço de quem não sabe ficar
E se perde tanto em si como no instante,

Assim passam o tempo e as estações,
Num sentimento incólume à sua passagem,
É assim que se esbatem dois corações
E mil dias se estendem numa única imagem,

A pretensão em sorver um amor eterno,
Esperando o néctar de flores esquecidas,
Venham os anjos caídos e todo o inferno,

Vede! Pouco mais sou que todas as partidas
E a sua envoltura num abraço fraterno
Do beijo abdicado em infindas despedidas.

segunda-feira, 10 de abril de 2017

O Amor Deste Coração

O amor deste coração é uma encruzilhada,
Onde passam beijos e algumas lembranças,
Onde a flecha do cupido se dá por quebrada
E num cofre esquecido se guardam alianças,

Desde menino o sonhador de porcelana,
Frágil e delicado numa infinda despedida
Aonde passa a hora, o dia e a semana
Quando em si próprio já não há guarida,

Esconde-se em redutos desprovidos de cores,
Lado a lado contando as sombras da viagem,
Por vezes olvidando a sua beleza e as flores,

À mercê da intempérie, refém da insanidade,
Até o que tinha por certo se torna miragem
E ele se dá perdido nesta sua terna beldade.

domingo, 9 de abril de 2017

O Reduto

O reduto para os últimos dos sonhadores,
Escapistas da alma e da mente espairecida,
Espiamos parte do não visto e seus amores
São os ósculos impedidos pela despedida,

Escorremos através do leito de uma cama,
Inscientes ao tempo de uma dádiva passada
Em que o rapaz trazia na mão a sua dama
E vinha o mundo à passagem da estrada,

Saudades de tempos idos e outros instantes,
Quando me enlevava num voo sem rede,
Por muito que pretenda tornar a um dantes

É de mim próprio que é por demais a sede,
Assim se esquecem de si os dois amantes
E vamos um sem o outro contra a parede

quarta-feira, 5 de abril de 2017

No Rosto Impresso

No rosto impresso os dedos da noite cerrada,
Perto do desencontro quase encontrado,
Vejo outra meretriz por si embriagada,
Sou ela em mim e o seu cálice tragado,

Outra garrafa de vinho e pinto constelações,
Esboço nuvens e horizontes sem fim,
Desde que não parem com os garrafões
Quase que esqueço de quem sou para mim,

Outro trago e encontra-se enfim a solução
Perdida para quem deixou de se procurar,
Até se perdem as perguntas para a questão

Então deixem-me, não me quero enfadar,
Pretendo a morte do homem de antemão
E nestes embevecidos instantes poder estar.

Pinto Seu Rosto

Pinto seu rosto nas estrelas refugiadas,
A felicidade é dos inconsequentes herança,
Eu sou ponte para seus tudos e seus nadas
Quase homem, sendo o velho ainda criança,

Preciso da procura da linha do horizonte,
Pousio para os sonhadores e seus ideais
Pois à escassez de água e da sua fonte,
Sou eu que de mim ainda preciso mais,

O resto é passageiro fugaz a traço incerto
Sussurrado no intempérie desta ventania
E é somente por ela que me sinto coberto,

Ao céu e à lua e claro ao paraíso venerado,
Que sobrem as contas que matam a magia
Desta bela e breve viagem em tom ansiado.

domingo, 2 de abril de 2017

Tenho Dois Vultos

Tenho dois vultos ao longo da estrada,
Lado a lado, um negro como o breu,
Outro com a luzência do sol à alçada
Sendo eu quem de ambos se esqueceu,

À margem da rua estranhando sua tela,
Pernoito à sua silhueta, quase acordado,
Tento beijá-los mas sou ignorado por ela
Que em mim é a penumbra sem cuidado,

Em ambos vejo este reflexo, tal fotografia,
Porém em nenhum me vejo por completo,
Então dividido fico entre a agonia e a alegria,

Entre a viagem sem margem antes da cortina,
A vós os dois vos dedico a ternura deste soneto
A vós meus vultos, o brilho da minha lamparina.