domingo, 28 de fevereiro de 2016

O Refém do Fantasma

O refém do fantasma do seu perfume
Náufrago então de impiedosas ondas
Por onde ir? Tudo é inexorável negrume
Serei sacrifício para as horas hediondas,

O fundo do mar lembra outras estórias
De oceânides a ondearem fugidias
Tempos inacessíveis para memórias
Sussurradas hoje por conchas vazias,

Entre cortinas de veludo via a donzela
Vestida então de tecido alvo estelar,
Estes olhos agraciados viam-na bela

E perdiam-se de si de tanto soluçar,
Para mim não era mais uma estrela
Era tudo em todo o céu e rosto lunar.

Acordo Cedo

Acordo cedo para ver a alvorada,
Estes olhos frágeis e tão delicados
Por vezes parecem não ver nada
Por ainda estarem tão magoados,

Abro a porta da rua e vem o deserto
Toda a areia do mundo sem gesto
Acerca-se de mim e me vê coberto
Em pedaços e porções sem resto,

Será merecimento esta vil contenda
Ou desfavor a quem se tem perdido,
Por favor aceitai-me como oferenda

De um tempo que nunca foi vivido
Pois haverá ainda quem defenda
Este ninguém de coração partido?

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2016

A Distinção Entre Prisioneiro e o Refém

A distinção entre prisioneiro e o refém
É breve e quase curta entre as barras,
Lembra quando nos tornamos ninguém
E esse alguém se perdeu em palavras,

Vejo adiante para além deste horizonte,
Amanhã seremos apenas cinza do lume,
Porção sem água que não brota da fonte
Que importa? Sou ainda refém do perfume

Daquela que me há possuído e cativado,
Que quase lembra a memória errante,
O beijo que a donzela há partilhado

Parece não ter sido mais que um instante,
Pois sabe que aqui tanto vos ei amado
Que dificilmente este coração irá adiante.

sábado, 20 de fevereiro de 2016

Beijo a Chuva

Beijo a chuva e sombrinhas,
O resto das suas pegadas
Foram aqui junto às minhas
Das mais belas das ciladas,

Vai, parte desta triste vida
Deixaste tanto e tanto mais
Que agora que és na partida
Deixas o sorrir por sonhos tais

Que quebram toda a vontade,
Porém seria toda a mentira
Se não fosses a vera saudade

Dum ponto onde ninguém retorna,
Por quem o vento passa e suspira
Levas quem de felicidade me orna.

terça-feira, 16 de fevereiro de 2016

Este Coração

Este coração porto sem alfândega
Tudo se acosta por se estar aberto,
O risco é o perigo desta pândega
De a dor estar sempre por perto,

Não resta alternativa ao passarinho,
A caverna não pode ser sua casa
Assim opta por criar um caminho
Indo mesmo com rasgada asa,

Por vezes sou gaiola sem chilreio,
Espaço vazio para o próprio ser,
Sempre consumindo e sem freio,

Sem nunca conseguir absorver
Da colina ingreme de um anseio
De como ter ideia de como viver.

domingo, 14 de fevereiro de 2016

Tomem Estas Veredas

Tomem estas veredas e tomem-nas ligeiros
Esta fome é escassez, é a falta de canto,
Quantas vezes fui chuva sob os aguaceiros
E todo o silêncio do mundo sob um manto

De estrelas mortas pelo passeio do tempo,
Manhãs não vindo para este cais de abrigo
Passam na mesma neste envelhecimento
Tal frente para a batalha, tal vil castigo,

“A morte da beleza é mais bela que a beleza?”
Perguntava o cego a quem não podia ver
De tal cenário vinham as lágrimas, a tristeza

De um mundo ido que não tinha como ser
Que era feito de estrelas e eterna pureza
Que já não tinham tempo para acontecer.

Travessas Impregnes

Travessas impregnes de tempos idos,
Ossos e vestígios do que outrora foi,
O ruir das casas e dos sonhos vencidos
São o apertar da ferida onde ainda dói,

Pegadas ainda restam no firmamento,
A vontade do passageiro de rumo aberto
Tornaram-se no poeta e no seu lamento
Retomando o ritmo do trilho incerto,

Escutamos do escuro de uma sala vazia
Instantes em que a música era dourada
E não éramos abrigo para a melancolia

Neste verter e correr que leva a nada
Para além de outro tom de agonia
Na rua que conduz a uma encruzilhada.

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2016

Parte de Mim

Parte de mim era a noite calada
A outra parte quem se passou
Enquanto não vinha a alvorada
De uma porção que não chegou,

Parte de mim queria um pouco,
A outra parte nada queria,
Isso fazia de mim o louco
Que pouco ou nada sabia,

Parte de mim chorava por ela,
A outra parte sorria e esperava
Por sóis a raiar pela janela

Por beleza a ser na ampulheta
E que esta jamais fosse escrava
Do tempo que passa na sarjeta.

domingo, 7 de fevereiro de 2016

Estas Ruas Vão Lembrando

Estas ruas vão lembrando brincando
De semblantes idos na luz dos lampiões,
As sombras de quem tenha passando
E ido tal como a aragem das estações,

Cada esquina tem um pedaço deixado
Por quem por aqui já se passou
Na perfídia da rua tresloucado
E por ela a si se esqueceu e deixou,

Recordando os cantos proferidos
O longe que não se torna perto,
Os bocados do trilho esquecidos

No passear do viandante tão incerto
Quantas vezes fora entre os perdidos
Na viela por um inverno encoberto?

Passos Incidiam

Passos incidiam para a encruzilhada
Enquanto o sol caía no horizonte,
Seus ecos tardavam a alvorada
E entre margens faltava a ponte,

Somente o silêncio de um passado
Delineado a contornos dourados,
Ia ele pelo sonho presenteado
Nos trilhos agora já eclipsados,

Hoje era o abraço ao rasto lunar,
A porção na berma da estrada,
Dormente, sem conseguir andar

E ser no percurso da caminhada,
Só saudades daquele resto de ar
Que aqui não soam a emboscada.

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2016

Indo por Veredas e Trilhos

Indo por veredas e trilhos esquecidos
Ia o poeta já esperançando com nada,
Indo adiante por ermos desconhecidos
Com o peso do mundo à sua alçada,

Outrora servo do devaneio e do sonho,
Outrora criança de língua universal,
Hoje chuva caindo no dia tristonho
Hoje só mais um corpo para um funeral

De fulgência intermitente, asas rasgadas
E sem asas não podia ir e alcançar
Em suas costas duas garras cravadas

Seu peso destinado só para o segurar
À terra e à sonolência das jornadas
Deixai-lo ir, estais-lho a matar… estais-lho a matar…

Um Oceano

Um oceano na ponta destes dedos,
Sua face virada reflectida em mim,
De sua imensidão mil e um segredos
Ditos na voz de quem se perde assim

Meio devagar, desatento para a vida,
Onde o sol cai, cai também um olhar
Tido em meio desgaste na ida sentida
À sombra de dois estranhos a hesitar

A aspiração pendurada num desejo
Por duas metades de mão em mão
Era tê-las em vislumbre ou lampejo

Mesmo que fossem a queda e então
Não saber mais sobre aquele beijo
E morrer de fome, fome no coração.

terça-feira, 2 de fevereiro de 2016

Ondulando na Volúpia

Ondulando na volúpia tal tecido
Rasgado no braço da noite nua
E por ela ver-se no negro perdido
Caindo solitário ao esmo da rua,

Ouçam-me ó cadentes d’outrora,
Eu aprendiz de vossos movimentos
Dormito na insensatez deste agora
Ao abrigo destes intemperamentos

De quem passou à janela e olvidou
Todo o tempo daqui à eternidade
Onde cada instante em si guardou

Num abraço tentado em irmandade
Portanto aberto deixou e até amou
As sementes até à cinza da cidade.

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2016

O Vazio nas Pedras

O vazio nas pedras da calçada
Lembra a ironia de suas passadas,
Tempos em que era tudo ou nada
Impresso nas pedras outrora pisadas,

Cada vestígio de pegada largada
É na rua em si por alguns momentos
Porém até ela será um dia desabada
Levada para o além por outros ventos,

Sentado daqui de uma viela perdida
Passam transeuntes na atra escuridão
E o que me trouxe aqui, a alma querida,

Prostra-se de joelhos, desfazendo-se no chão,
O Mundo não perdoa uma alma ferida
Nem os passos dados pelo sopro de coração.