quinta-feira, 25 de agosto de 2022

Pelo Oceano Tolhido

Braços vazios e promessas levadas com a manhã, 
Caminhamos pela água sonegando-a por estrelas,
Têm as escadas para o céu ontem, hoje e amanhã,
Sentindo-as nas mãos vamos colocando-as em trelas,

Estas cicatrizes são memórias que nunca esqueceremos, 
Instantes hoje sem voz, coloridos pelo pincel do tempo,
Parece que estes dias são apenas para contemplarmos,
A vida é termo cinza, árvore cujo fruto vai com o vento, 

É a tempestade e a calamidade do embate do coração,
Ondas de esperança e o rosto por lagrimas preenchido,
O conforto não virá e invés virá a chuva, virá a moção,

Adormecemos com fôlegos curtos em oxigénio enrustido,
Num mapa arterial delineado nas veias, no galope da canção, 
E nessa narrativa, nossos beijos vêm e vão - pelo oceano tolhido.

terça-feira, 23 de agosto de 2022

Para de Mim Ser Menos Distante

Um sonho para um insomníaco e por fim há sono, 
Despachai-vos e esperem, este é de loucos o barco, 
Pois esta tentativa de sonhar é pé sobre folha de outono,
Sem outras estações, neste rosto encontrareis um charco, 

Para além do horizonte, o caminho estreito torna-se casa, 
Vivendo a Vida como se não houvesse algum amanhã,
Vamos beijando a abóbada celeste fluindo de asa em asa,
Assim alimentando uma esperança que é tudo menos vã,

Pintando segundos refractados por espelhos poeirentos, 
Lembrando a criança de uma vida regressada, a estória,
Como bolas multicolores dissipando-se na rosa dos ventos,

Por vezes esta mascarada cansa-me, e eu somente semblante
Vou procurando qual o lugar, qual a casa, qual a escapatória
Para fugir, para reencontrar, para de mim ser menos distante.




domingo, 14 de agosto de 2022

Esquecendo a Eternidade

Sim, amanhã se me afogar nas águas rasas, 
Dar-me-ias a mão, puxar-me-ias para cima?
Custa-me a voar com estas quebradas asas,
Vasculho o páramo para a estrela mais ínfima,

Preciso de brilhar, ser a constelação mais brilhante
Que concede esperança ao triste e lúgubre sonhador,
Imortalizado ao passear, deixando um rasto fulgurante,
Numa infinitésima dança como para sempre amador,

Lancem-me no mais alto dos devaneios, o sonho alado, 
Caminho tal os pássaros pelo azul celeste então estirado,
E então ar fresco acorda-me, cessam as vozes dos malditos,

Perdido trago mapas colados nas sobrancelhas em gritos inauditos,
E amor em pulsos cortados e largado à indiferença de um olhar,
Vos apresento o viandante que lentamente vai esquecendo o voar.

(E cuja eternidade vai deixando de o ecoar...)

segunda-feira, 8 de agosto de 2022

Não Abstido de Amar

As ondas eram na mão então docemente trazidas,
Uma lágrima no oceano para o ver a transbordar,
Hasteávamos a vela e deixávamos a costa querida
Pois não é possível para sempre no dia pernoitar,

A janela do vidro azul sabia também o nosso apelido,
Entretanto prostrado atrás por nunca ter cicatrizado,
De tantas vezes ser translúcida num olhar esquecido,
Chamava-lhe de irmã pois no fim nos ter encontrado,

E aqueles que nos fizeram esquecer esse cantarolar,
O murmúrio que ecoamos pela vizinhança do sonho,
Mais tarde ou mais cedo iremos por fim reencontrar

A verdade que é nossa e de um caminhar mais risonho,
Ao destino desvendado por um Deus não abstido de amar
E um Amar altivo iluminando o escuro e o medronho.

terça-feira, 26 de julho de 2022

A Contemplação do Poeta

Escuta-se uma voz ao longe, pequena e esvaecendo,
Por segredos tornados cicatrizes e lábios então rachados,
Alcançando o precipício pondo as montanhas tremendo,
Que não falte a sorte de uma vida com todos os seus bocados,

Desde a manhã em que acordo até à noite em que adormeço,
Aí vem o anoitecer num despertar de um céu deveras estrelado,
E ela com uma grinalda feita de astros na cabeça que teço
Em poesia cuja reflexão é nos lagos um amor enovelado

Por milénios passados, silenciosamente tecidos pela atenta mão
Do trovador, que com ou sem dor, vai mostrando a face de Deus,
E assim caminhando para a montanha, condecorando o coração, 
 
Emudecido, calado, com vultos aos seus pés, no céu só um semblante,
Que num momento, num instante, tanto nos acena como nos diz adeus!
E o desejo do poeta é esse meio que ele completa num único olhar vigilante.
 

quarta-feira, 20 de julho de 2022

Prisioneiro De Um Abraço e Beijo

Há um escape entre os nós das nossas mãos, 
As pontas dos dedos enrugadas por fim dadas, 
Elas vão até aos ventríloquos de um coração
Dividido entre dois e as suas águas furtadas,

Há pontes para o além no sorriso da donzela,
Navegando entre marés do ciano mais azulado,
Deixando flores desse brilho d'oiro numa tela
Lembrando que esse brilho é sempre partilhado,

E à distância entre os nossos lábios assim enlevados,
Nesse breve instante somos da Vida companheiros,
Trazendo indentações de asas, de céus esvoaçados,

Que nesta visão são maiores que quaisquer aguaceiros
Que diagonalmente caindo nesta boca tão imaculados
Me tornam o vosso abraço e beijo, sou eu vosso prisioneiro.

sexta-feira, 15 de julho de 2022

O Pronome Para o Dia

Trago as mãos enrugadas de tanto as ter aqui vestidas,
Por noites estreladas findando a solitária caminhada,
Pintando paletes de outros dias e as suas despedidas
Sombras nos montes para esta Vida que rascunhada

Soava a mais, mas eles não ouviam, não sabiam como, 
Acalmados pelo suave toque dos dedos do artista,
Que apesar  de livre nos olhos tinha apenas fumo
E breu, da noite escura, da ode olvidada do paisagista,

Tons mudando de tom, esperançando com o potencial,
Há beleza na mudança, no temporário, na possibilidade,
Equaciona o adiante seja este então diferente ou igual, 

Quadros pendurados em corredores sem nome, e a fome
De mais, de ser o homem das roupas usadas, sem idade,
Ouço o estático, o barulho branco, sou deste dia o pronome.

quarta-feira, 6 de julho de 2022

Canto

Canto as cantigas de amores ainda trazidos,
Cantando epopeias doutras épocas já passadas,
Lábios e beijos de amor um dia e outrora sentidos,
Hoje com a cabeça ao ombro destas horas cessadas,

Pergunta-me quem sou e o que este olhar vê e procura,
Qual ponte é horizonte e qual lugar dará enfim guaridas,
Quando o tempo se torna água que tanto bate até que fura
Começamos a confundir os encontros com fugidas,

Murmuremos a fonte da poesia em doces palavras 
Ao ouvido, quase sussurrando o adeus jamais ouvido,
Perdido numa prisão de reflexões de trevas obscuras

Esperando a vogal que jaz entre as linhas do poema,
Nadando na água em busca do tesouro querido,
A iluminação da mente e a entrega do diadema.

terça-feira, 5 de julho de 2022

Por Vezes os Outros Vêm a Mim

A paixão por um beijo adagiado estancado no peito,
Enamorado por um gesto quase consumado em vida, 
A vida vira meia morte por alívio, remédio, por respeito, 
Entre dedos as mãos de Rhea nos últimos restos desta dívida, 

Cama de rosas impaludada, enfim em frente o jardim do Eterno, 
Um toque de alaúde e caem todas pérolas dos seus pés, 
Rasguei as asas para andar com os humanos, oh tão ingénuo, 
É mera luz e restos de sonhos dentro de vagões indo invés 

Do caminho da graça, este vestido rasgado das paradas atrasadas, 
Aí meu amor, a nossa dor, a nossa vida, trouxesse o restante deifico,
Esta é a a minha serenada a quem atravessou, aquelas outrora amadas, 

Por isso sereno a madrugada, por isso as indentações do coração são sorrisos, 
Conto os segundos para a manhã, fujamos para algures bonito, por lendas Élficos! 
Depois descansaremos num majestoso lugar… já ouço os passarinhos cantar, amor meu... já ouço os passarihos a cantar….

sexta-feira, 1 de julho de 2022

A Guerra das Flores

Sou o órfão de uma geração hoje e agora esquecida,
Dum passado nunca longe, cicatriz jamais perdida,
Procurando porto de abrigo para lá da tormenta,
Ao coração uma grinalda de espinhos o ornamenta,

Quem me levou o sorriso conheceu minha queda,
Por onde vou sozinho na clausura desta vereda,
Com imagens mentais de um momento eclipsado
Por si próprio, o sorriso que é só de um bocado,

Desconhecido sou, as razões vazias de potencial,
Amanhã talvez não consiga mais, que não usual,
Olhos completamente abertos sem conseguir ver,

É preciso oxigénio, possivelmente para viver,
E quando o sono chega, já nem sei como sonhar,
Restam estes lábios que em guerras souberam beijar.

quarta-feira, 29 de junho de 2022

Este Apelo

Vestidos alíferos dançando na palidez do luar,
Eu vendo ornamentos e rostos sem semblantes, 
Quem dera ter alguém em quem poder encostar,
Pois o beijo só é beijo se for entre dois amantes,

É a perfídia do antes alimentando-se do depois,
Sinto o tremelejar de uma noite sem dormida,
Um oceano preenchendo o espaço entre dois,
Onde vou perdendo de vista a margem querida, 

Numa voz que celebra o tempo e a sua passagem,
Uma tapeçaria pendurada do céu, mostrando vida, 
Fica o silêncio familiar de quem escuta a aragem,

Precisando de encontrar a luz, de sonho do pesadelo, 
Cada lugar e cada estar, faz um feitiço nesta lida,
Pois que as minhas ninjas e musas ouçam este apelo.

terça-feira, 28 de junho de 2022

As Horas Hediondas

 Vou dormindo pensando quase estar despertado,
A ruga aflorada na pele, essa verdade escondida,
Não é perceptível do topo da montanha, acordado,
Acredito ainda ter por sonhar, mas vem a despedida,

A dor é real, a mágoa é pertença de batente coração,
Porque não? Porque não haveria de por fim o fazer?
Vou perdendo a quem dar realmente esta minha mão,
Cada vez se torna mais difícil de acreditar ou de ver,

Este cadáver esmorece com o vento e as suas ondas,
A vida pesa-lhe assim como lhe pesa o seu passar,
As horas vêm e vão tornando-se assim hediondas

Cerrando os olhos, permitindo por fim o anoitecer,
Até quando poderei dobrar este corpo antes de quebrar?
Até quando percorrerei este caminho sem nele fenecer?

sábado, 18 de junho de 2022

O Homem Tornado Deus

O sol no passadiço relembra as odes do passado,
Preciso de prados para poder enfim respirar,
Reflectindo o beijo dado no instante eclipsado,
O fundamental é ter espaço onde a cabeça pousar,

Que haja raízes, troncos e ramos bem erguidos
Para a abobada celeste ter em eterna celebração,
Por mapas azuis de Vida deixados e por eles vestidos,
Por vezes não são o suficiente para perceber o coração,

Ou sim, ou não, nada de meios termos, de incertezas,
Pretendo sorrisos e choros imensuráveis, o ilimitado
No rosto traz as rugas de uma criança e as suas belezas

Constam no cardápio de Atlas, para sempre o brilhante
Entre as palmas das mãos, num momento diz o ditado
Do homem tornado Deus ou num caminho semelhante.

segunda-feira, 13 de junho de 2022

Por Aqui Ou Por Lá

Pétalas de flores lançadas do alto de uma varanda,
Enquanto elas caem vou procurando por mim,
Indubitavelmente a vida é sempre esta ciranda
Que por vezes nem parece um dia chegar ao fim,

Quatro homens carregando um lúgubre caixão,
Quem diria que o enaltecido seria nele contido,
Assim lentamente deixou de bater um coração
Que entre passos dados se deu pela noite vestido,

Agora vem o reino do além feito para os sonhadores,
Eu nem sei se me acerquei, se me dei por encontrado,
Quanto mais qual é o procedimento, qual será o estado

Para me libertar enfim destas fúteis e terrenas dores,
Porém a certeza vem da incerteza: como será o amanhã?
Desconheço por inteiro seja vida ou morte por aqui ou por lá! 

domingo, 5 de junho de 2022

Aos Caídos

Os vestidos de Outono em bonecas de porcelana,
Enquanto atiro ao ar esta velha roupa usada,
Nas curvas conturbadas desta estrada insana,
Por onde ninguém passa e a passagem é cessada,

Fios de papagaios largados, enfim conseguimos voar,
Se seguir os trilhos dos vagões a casa terei chegado?
Ignorando os passos dados e onde eles hão-de ecoar,
Suspira aquele que outrora caiu sozinho e postergado,

Aos esquecidos esperando perante os portões dos céus,
Por cada eons os caídos suplicando e rogando entrada
Acenando à redenção do paraíso, removendo os véus,

Suas asas de plumas arrancadas, removidas de intenção
Implorando santuário, o pecado ou bênção perpetrada,
Vamos ansiando o altivo mediante o bater do coração.



sexta-feira, 27 de maio de 2022

Poema para Alguns

Alguns afogam-se em infinitos poços de desejos,
Sem nunca se permitirem alcançar o desejado,
Assim sucumbem em si entre mil e um latejos,
Sem jamais conseguirem chegar ao almejado,

Sentados nas alamedas de uma vida por viver,
Sem dormir não haverá o sonho ou a chegada,
E eu preciso de ser diferente, preciso de ser
Pois somente assim chegarei à luz procurada,

Por cada oportunidade eclipsada há lamentos
De quem não tentou alcançar a mão e beijar
Os lábios do vento em coração de fragmentos,

Terminando, pegamos as roupas do dia anterior,
Aqui apenas brisas sem significado para amar,
Da eternidade para uma realidade então excelsior!

A Lanterna do Viandante

Brilha no escuro a lanterna do viandante,
Dispersando o nevoeiro e a noite pesarosa,
É ele o cúmplice da Aurora Boreal, o amante,
A rascunhar no caderninho sua poesia tal prosa,

Por trás dessas palavras há uma estória de encantar,
Através de cada passada dada e deixada no passado,
É ele o parceiro das Luzes Nortenhas e esse amar
É leveza no peito, é o voar para sempre num bocado,

Há vários compassos a apontar para o eventual destino,
Para o qual caminhamos estejamos achados ou perdidos,
Um dia ele há-de deixar o seu semblante no céu azulino,

Até lá, lembrar-nos-emos dos fantasmas que nos perseguem
Pela noite escura, acendamos a lanterna pelos dias concedidos
Pois aí brilha Deus e todos os princípios que no hoje nos regem.

sábado, 21 de maio de 2022

Só Por Hoje e Para Sempre

Só por hoje deixemos a desesperança para trás,
Que as lágrimas parem de criar rios na estrada, 
Estas rugas nos olhos que carregam as horas más
São as gerações dos que morreram na rua nublada,

Se o amanhã não existir serei fantasma sem sorte,
É preciso procurar o sol enquanto não vem a noite,
Percebam-me, não pretendo ser refém desta morte,
Quero encontrar uma luz onde essa luz não pernoite,

E estas memórias tornam-se na semente do sonhador, 
Enraizadas no seu coração dando frutos majestosos
Que superam os tempos e ventos repletos deste amor

Maior do que os homens, a busca da parcela do Inteiro,
Que será trazida somente em vestidos belos e formosos
Por ares mais do que airosos no caminho do forasteiro!

domingo, 15 de maio de 2022

Somos a Mão do Universo

Mantendo os pés no chão o voo é sem algemas,
Sem dó e sem penas, procurando e dando amor,
As estações caminho para fugir dos problemas
Que são porções inadequadas de beijo, que são dor,

Pois esse pedaço de história é todo  um passado,
A altura da falésia vai deste chão até ao coração,
E eu sou o raio de sol tornado na espera da moção,
Aquele momento único em que Deus é revelado,

Há poesia para quem em poesia ainda acredita,
No olhar, no toque de um instante ainda por vir,
Pertença ao tempo que a ampulheta ainda recita

Num terno pulsar que mais do que chegar, soa a partir,
Entre este aqui e o depois astros no sideral em órbita
Que ensinam  que há tanto a chorar como a sorrir.

sábado, 7 de maio de 2022

Assim de Repente

Assim de repente, sinto a falta de toda a gente,
Dos sorrisos partilhados e na face delineados,
Dos olhares a apontarem iguais a se somarem
Em que duas mãos dadas eram no coração aliviadas,

Emudecendo os lábios aguardando um novo beijo
Que tarda a chegar, que aparenta nem sequer vir,
Entregando esta alma num simples e doce almejo
Antes da querença de um anseio de chegar ou partir,

Este sentimento é batimento cardíaco, vontade de voar,
Mesmo quando vem a queda, quando é difícil acreditar,
Quando não subimos à tona e respirar torna-se complicado,

Ou até quando beijar sem medo se torna em trilho nublado,
Não temais irmãos e irmãs, por vezes é assim o caminho
Que vamos andando seja em conjunto ou até mesmo sozinho.

terça-feira, 26 de abril de 2022

Frente ao Coração

Incendiamos amanheceres em valsas feitas ao pé-coxinho,
Através de suspiros silenciosos que não esquecem a eternidade
Ou um outrora de cores pintadas ora depressa ora devagarinho
Que convidadas à ausência de fulgores vou supondo à reciprocidade,

Esprememos as noites da sua bruma, daquilo tido como real escuridão,
Dançando a pé-descalço na parte funda do lago, de olhares sossegados
E de almas preenchidas, enxaguadas dos seus caminhos, da sua moção,
Se dependesse de mim seriamos todos pela luzência do sol tocados,

Pincelando as estrelas e os astros cadentes num pouco mais de proximidade
Daquilo que somos supostos ser, perto do que tem sido só esquecimento,
O legado silente do testamento tácito, o Inteiro e a sua completa serenidade

Para um dia olvidar os apelidos terrestres aprendidos e a sua confusão,
E poder chorar de tanto rir estando entre este divórcio e casamento
Enquanto vêm os dias em nascente e corremos em frente - frente ao coração.

terça-feira, 19 de abril de 2022

Distinção

Há presenças pelo esquecimento que se vão esvaindo,
Com olhos embevecidos em aléns de perenes procuras,
Cantando uma canção misteriosa que a si própria se traindo
Vai apagando os lampiões e velas deixando ruelas escuras,

Por onde semeamos silêncios e o seu subsequente alarido,
Através dum tempo que não é nosso a ampulheta quebrada
Reflecte o outrora e o para sempre, num beijo quase preterido
Em espelhos, o sorriso e dia soalheiro para ser encoberto na estrada

Branca onde o luar é bebida e sede para quem se atreve a passar
A ponte que liga as margens, saudades dessas memórias queridas,
Pois trago a poeira dos passos que não dei na algibeira, o caminhar

De mil poetas que nunca chegaram, a solidão do altivo sonhador,
Lugar e abrigo para a claridade, não obstante das chegadas e idas, 
Neste momento onde aqui distinguimos os fãs dos eternos amadores.

quarta-feira, 13 de abril de 2022

O Primeiro e o Último Verso

As plumas que eram parte de asas espalham-se pelo chão, 
E eu, aprendiz de Ícaro, por ventos e tormentas subjugado,
De joelhos prostrado, suplico a quem me confira a sua mão,
Pois os danos da queda deixaram-me um pouco desamparado,

Procurando o céu e a abóboda inatingível tal rua e recreio, 
O anjo caído feito poeta inquisitivo, feito em indómito astro,
Adormecendo nesse pensamento sem qualquer medo ou receio,
Largando assim no celestial um rodopiante e cadente rastro,

O corrimão para o além vem para aqueles que são ousados,
Para os que recuperam luz da treva e da sua nebulosidade, 
Pois no final serão sempre esses os infindáveis bocados

Que satisfazem o Inteiro, Deus a falar através do Universo,
Trazendo finalmente para o terrestre Sol e a sua claridade
Criando por fim na e da alma o primeiro e o último verso.

domingo, 10 de abril de 2022

Para Me Abraçar

Acolhe-me o voo dos pássaros, um desabar de solidão
Dos apelidos que sobrevoei, as flores, as pedras atiradas
Aos meus pés, esta história contada no bater do coração,
Pelo menos o rio sabia o nome destas cicatrizes demarcadas,

Estas pálpebras com o horizonte pintadas, em breve serei um caixão,
Há que viver esta vida, levar o pincel à tela e senti-la perto, sentida,
Suspeito por procurar e por fugir de quem me quis outrora dar a mão,  
E estas carícias tornadas retoques, por curva e contracurva proferida,

Abscondido do lume de dois lábios, das sombras no quarto do poeta,
Fugidias onde o tempo se foi, memórias em jazigos, no olhar o beijo
Há muito perdido na rua tal aquele que do amor se tornou proxeneta,

E eu entre margens, sem ir e sem ficar, sem partir e sem um dia chegar,
Bebendo de minha sede, a procura da espera, o anseio tornado almejo, 
Quando virá aquela donzela para preencher o abismo, para me abraçar?
 

segunda-feira, 4 de abril de 2022

Nunca Encontrei o Meu Poema

Então ela sussurrava: "Nunca encontrei a minha poesia",
Por campos e prados de um outono que não parecia acabar,
Um relance ao sorriso do sol que sabe os píncaros de magia
Que foram passando, tépidos e mornos antes do mundo desabar,

Então ela pedia ao vento para permitir que a Lua esperasse 
Por almarges e pastagens, levava o suspiro a novos lugares,
Num último carinho suplicando para que o verão voltasse
Qual nascente e poente, por beijos tudo menos vulgares, 

As saudades eram de um tempo ainda por vir, tão reais, 
Ao som de um piano de fundo, um ruído minimalista
Preenchia-lhe o olhar o caminho de passos imortais

Quando tudo o que pretendia era de um astro o toque, 
Pois o coração ardia, naquela alma tão sentimentalista, 
Que assim traria o âmago do éter atrás ou em reboque.

segunda-feira, 21 de março de 2022

Lamento do Sonhador Que Vai Deixando de Sonhar

Sussurra-me um cantiga feita de altitude, 
Saudades da bênção do coração, do aqui, 
Das profundezas da minha enorme solitude
Queria contar com a ventania das asas do colibri,

Estas palavras confundem-se com a voz da brisa,
Quanto tempo esta espera tornada em mim procuras,
Estranho este semblante que fala tal uma doce poetisa
Que vai escrevendo linhas da mais alta das alturas,

Rosa és falta, uma memória tornada em recordação,
Entardecendo,  que me vai trazendo o sono da morte,
Inverno longo tornado em história, tornado em ilusão,

E eu, eterno sonhador eternamente buscando a sua consorte,
Sou o primeiro a sorrir, a recair neste lúgubre fado canção
Quando apenas pretendo saborear a vida e largar a morte.

quinta-feira, 10 de março de 2022

Para Quem Vai Deixando De Sonhar

Há um pouco de vida no cadáver na morte,
E um dia sim seremos escuridão e então?
Na vida somos seixos um pouco à sua sorte,
Uma comédia deixada à metade do coração, 

Linhas ainda por traçar, pontos mal desenhados, 
Enxovalhados, retratados por instantes de espelhos
Envolvidos por dobras de lençóis amarrotados,
Sujos por dentro, portões mal fechados por velhos,

E há vontades de escrever, porém sou desconhecido, 
A queda do sonho quando para trás o vamos deixando, 
Tenho tantos ainda por cumprir, esse anseio embevecido, 

Subam ao mastro, há um pouco de vida por viver, por ver,
Apesar do medo de ao nada a cometer, vamos beijando
O céu há hipóteses ainda para permitir ainda aqui ser.

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2022

Retraçando os Passos Onde Encontramos Amor

Numa tela vai-se pintando uma valsa de alvos vestidos, 
Sua pálida pele, silhuetas latejando dentre a distância,
Não precisamos de uma canção pois há ecos contidos,
Reparem, aqui encontramos Amor e a sua relevância, 

Ele enfim se encontrou no silêncio, absolutamente perdido, 
Suas vozes irascíveis, por utopias que precisam de remédio, 
Esta fantasia é um vazio gritado por teres o sol concedido
E no seguinte segundo o teres coberto a Lua em tal repúdio,

Cerrando os punhos, fechando os lábios, o exílio da madrugada,
Deixamos a crença para trás, o almejo de respirar um sonho lindo, 
De um amanhã que se tornou no passado de uns outros pés à estrada, 

O seu abraço, o meu olhar, uma ode à perfeição em substância, 
Desperdiçamos o que outrora fomos, esse néctar vai esvaindo,
Reparem, aqui encontramos Amor em toda a sua importância.

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2022

A Queda de Ícaro (Poeta) e o Seu Som

Este é o burburinho da ruela, mera conversa de esquina,
Estrelas cadentes recaindo em braços suspensos no ar,
Simples fotografia do mundo na alma de quem imagina,
A queda de Ícaro na perfídia desta luz demasiado invulgar,

Curvo a cabeça perante o conter de instantes acumulados,
Fragmentos de uma Vida inteira, destilando na ampulheta,
Embalado numa cadeira de sonhos, fracções e até bocados,
Para o além, para o longínquo até ao lugar onde alui o poeta,

Alguns vão dizendo de que o seu corpo jamais será encontrado,
Haja ou não escadas para subir ao céu, sem sonho, de cama desfeita,
Pois são tempos estranhos quando o último anseio é da Lua pendurado,

Quando só queríamos a aurora, a madrugada de um amanhecer por vir,
Esta é a sua queda, o quão apetece tornar em viúva esta ânsia imperfeita,
Esperanço que ele sonhasse com Glória, livre enfim num sorriso, num ouvir.

quarta-feira, 9 de fevereiro de 2022

O Tentar

O murmúrio do riacho vai alçando as plumas do vento,
Lembra os quilómetros feitos, o tempo em cada perna,
As lágrimas, sangue e suor deixados por cada momento,
De uma outra partida e destino sob a luzência da lanterna,

Esse suspiro quase indelével é vínculo para uma eternidade,
Tal passo ligeiro no corredor do Universo atentamente a ecoar,
O som esmorecendo, haja luz entre esta terna nebulosidade
E vagões nos trilhos e esses trilhos enfim remetidos no olhar,

Pois hei-de a ir buscar, essa verdade em aparência distante,
E retornar partes da tela levemente como uma alba a renascer
Dentre a fagulha nas rugas do rosto de uma criança diletante

Que vai à procura de cometas e astros sendo a subir ou a descer
O sonho, amarrando pedras nos pés também para ficar, não obstante,
Do abraço ao colhido, ao voo desgarrado, do tentar e tentar e tentar viver.