quarta-feira, 31 de março de 2021

Quando Chegar a Hora

Para além do outro lado, fechando com dedos cautelosos
Nossos olhos de melancolia pela bruma surpreendidos, 
São estes os últimos dias do verão, estes ventos dolosos
Permanecem nas margens por choros ainda preenchidos,

O céu de cristal silenciosamente suplica por novos horizontes,
Nossos destinos entrelaçados falam de visões ainda por vir,
Campos dourados regozijam nos toques com sede de mil fontes,
Um estalido de faísca de ouro, fagulha nos peitos ainda por sentir, 

Beleza, querida teia de estrelas aproximando-se da abóboda, 
Labirinto do tempo, meu agora e para sempre nesta solidão, 
Cruzemos então a vida e a morte, uma alma na eterna roda, 

Aquela que é Deus para um infinito número de caras e rostos, 
Tempo, a divindade, Eu vim e tomei estas terras celestiais na mão
E agora que a noite me leva, tal pegada na areia, ofereço meus gestos.


sexta-feira, 26 de março de 2021

O Bosque Pelo Mar Sem Margem

Olhamos para dentro buscando a auréola exterior, 
Era eu, o homem de mãos à cintura, a bravura,
De quem esperava o amanhecer do dia anterior, 
Precisando de ébano e marfim, de simples alvura, 

Pois há bosques adiante de luzes fragmentadas, 
Os celestiais livres de tristezas da substância,
Doces sítios para movimentos e emboscadas
Quando, para lá da vista, ainda há relevância, 

Para lá das barreiras que limitam esta existência, 
Um dia, adiante, serei para lá dessa dimensão, 
Abraçando Rainhas e Reis em toda a sua iminência, 

Os céus cairão a meus pés, passado e presente,
Como um recém nascido de coração na mão, 
Este é o momento em que nos tornámos crente!

quarta-feira, 24 de março de 2021

Tanto Quanto Os Meus Olhos Conseguem Ver

Tanto quanto os meus olhos conseguem ver
Há sombras próximas, as portas sendo abertas, 
E eu, velho e sábio, não consigo ir ou me conter
À pergunta: "Será breve o passar das horas incertas?"

E tanto quanto os meus olhos conseguem ver, 
Os ventos de Outono trarão o Domingo, o vento, 
Quando for velho e sábio e no caminho for e correr, 
Um dia qualquer, no meio do tempo, ainda lamento, 

"Já foste meu amigo não foste?" - caem os confetes,
Saúda-me meu velho amigo, esqueci-me das pontes, 
Fecho os olhos, cerro o coração, não me inquietes, 

Poeira na brisa, uma gota de água num mar infinito,
Desconhecendo o que poderá vir depois ou dantes, 
Eu sou o aprendiz dos mestres, o eterno incógnito. 

As Palavras Que Saem Do Coração

Sei que as palavras são cegas e vagabundas,
Trilham na vaidade, no velório da impaciência,
São veículo para o longínquo, roda das rotundas, 
Porém o instante dita-me sobre sua transcendência, 

Prematura ou inesperada, deixai-me ir à procura,
Vestidos brancos, uma tela de tintas ainda fresca, 
Atracções onde nos vemos, a pele é tal brancura
Silhueta para a perfeição e a paisagem é pitoresca, 

Onde me perco vezes sem conta nos seus cabelos, 
Os dias poesia para uma noite repleta de estrelas,
A maré sobe, movemo-nos num sonho dos belos, 

Aqueles que nos antecedem, que abrem caminho, 
As palavras juntam-se em moções de aguarelas,
Pouco mais tenho a oferecer, só este bocadinho. 

terça-feira, 16 de março de 2021

A Infinda Vestimenta

Vou caminhando sozinho, em busca do perene itinerário,
Nunca tive os pés sobre a terra, desta terra quase falto,
Preferia ser um pássaro, vendo o mundo ao contrário,
Talvez fosse tudo mais belo visto do alto, lá do alto…

Outrora era astro indómito navegando o firmamento, 
A fagulha então luzente, a estória ainda por acontecer,
Aprendiz para o Inteiro, trazendo nos bolsos o sentimento
Que alumia o Céu e que não se permite em bolsos conter,

Doces brisas no topo das árvores, limpai-me o rosto,
Tenho esperado por séculos o regresso ao alvorecer
Guardá-lo-ei em garrafas para perdurar pelo sol-posto,

Apregoando amor perante o vendaval, perante a tormenta!
E o que restar guardarei nas algibeiras até poder oferecer,
Sim, as constelações terei um dia como infinda vestimenta.

segunda-feira, 15 de março de 2021

A Espera Continua

Vou seguindo o pássaro negro para casa, o lugar
Que apelido é onde descanso os ossos enfim, 
Pressiono a cara contra a vidraça da sala de estar,
Toco na janela e abro a porta, espero-a em nosso jardim,

Pois sei que Deus espera por mim no final do trilhado,
Não receio a morte nem a bruma que um dia virá,
Caminho procurando a libertação do coração algemado.
Procuro o Inteiro, desejo o prometido e pretendo-o já!

Quanto a quem amei um dia, sempre haverá espaço,
Para a ver quente e feliz, haja chuva ou faça Sol, 
Suspiro este desabafo nas nuvens ansiando seu regaço,

Os castelos de areia feitos no ar, tão difíceis de fazer,
Tão bonitos de ver, são apenas emboscada e anzol,
Miragem e ilusão para um peito casto satisfazer.


A Candeia Entre a Neblina

Algures entre este sol desponta o horizonte, 
De olhos perdidos para o poema, para a Vida, 
Translúcido, procurando sementes para a fonte
Que sacia a sede do sedento na ocasião envolvida,

Algures anoitece, a frialdade do ar queima o rosto,
O dano de um beijo e o ser colocado num cinzeiro,
Porém agitam-se os ramos e por instantes não há desgosto,
Para além de um manto de penumbra acossando o luzeiro, 

É o esplendor que separa o trigo do joio, o insigne amor, 
Descendo os corrimões que vão para Tártaro, à perdição!
Quase ouço os sopros, imponentes e repletos de clamor,

Antes que sucumba sobre mim a noite escura, a última cortina,
Percorrerei a terra, para sempre buscando o fragmento do coração,
Nesse preciso momento serei Deus a alumiar envolvido por neblina.

sábado, 13 de março de 2021

Este Quase Talvez

Olhos mexendo sob lágrimas azuladas, 
Este sonhar por vezes não é sustentável, 
Crava-se na pele e nas marés atracadas,
O tempo retoca e passa, isso é indubitável, 

Imobilizado e vestido em baldes de cimento,
Agarrando nuvens tentando obter o horizonte,
Onde o passo logo é passada e incremento
Para o viandante, o ir para lá desta ponte,

Porém ainda se perguntavam para onde foi o verão
E a beleza das transparências de corda ao pescoço
Apoquenta a graça, remedeia o ponto do cidadão,

Perdido e encontrado assim por uma última vez,
Sendo tão difícil de engolir, sendo tão insosso, 
Esta pedra que trago na garganta, este quase talvez.

sábado, 6 de março de 2021

Acordando Desperto

Acordando desperto procurando o brilhante
Do estelar, a incerteza de um olhar objectivo
Aí jaz então a beleza encontrada no instante, 
Desde o detalhe do abraço ao beijo respectivo,

Reflicto no passado, é vê-lo ao comprido estirado,
Foi a lágrima e o sorriso, foi o deixado e pretendido,
Onde a mudança foi permanente e é o único guardado
No baú deste coração ornamentado o então difundido, 

Os fragmentos que ligo são holofote para meninos perdidos,
Para sempre caindo magoando o joelho, arco-íris vendendo, 
Fugindo atrás do Sol, por um momento no tempo concedidos

Ao prazer de não ver as sombras no ir indo sobre o horizonte, 
Sobre a linha do céu, somente tu e eu, o infinito querendo
Quem trouxer ao passar do segundo, ao passar pela ponte.

terça-feira, 2 de março de 2021

Lágrima ao Mar

Não temais marinheiros, entrai bravios no mar,
Ante a próxima intempérie, o sonho inacabado,
Procurando a palavra, retorquindo deste lugar,
O osso do inteiro outrora então fragmentado,

Não temais exploradores, apostai na revinda, 
Sorri ao inalcançável, somos brisas e perdição, 
Os restantes dias passados donde a luz finda
Dos bastidores e uma cortina fecha o coração,

Escondemos os tesouros tão fundo sob a terra, 
Gritos entre segredos ocultos e lábios cerrados,
O mundo por vezes é aquilo que nos encerra 

Dentro do sol, sufocando e mendigando ar, 
Contando as sombras dos dias já rasurados, 
Com o tempo na lágrima, a lágrima no mar.

quinta-feira, 25 de fevereiro de 2021

Pois Um Dia

Fechando os olhos apenas por um momento,
A berma afastada celebra um sonho sonhado, 
Recuso-me a partir, a esquecer o sentimento
De quem se largou no poema, o escrevinhado, 

Não posso descurar que somos poeira ao vento,
O anseio e desejo futuro, um instante passado,
Pois ao partir a pegada na estrada é testamento
De quem lá passou em ritmo lento ou apressado, 

Para a foz tragam o melhor que vem da passagem,
Esta brisa é o ponto do tempo que é toda a verdade,
Por isso preencho os pulmões, sinto-os com a aragem, 

A procura é por quem não encontramos, dentro ou fora, 
Almejando que o dia regresse agindo em reciprocidade,
Pois um dia sim iremos todos fugir, iremos todos embora.

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2021

O Passo Desalinhado

Esta melancolia verte-se na lágrima caída,
Esta solidão, esta demora é esta amante,
Por quem me enleva o coração, a batida
Aumenta o ritmo da chuva sempre errante, 

Espero por quem ainda não me apareceu, 
Espero por quem já foi e partiu há estações,
Esquecendo o beijo que esvoaçou para o céu
E timidamente, esqueceu a fluidez das canções

Que adormeciam gigantes na delicadeza do amor,
Então merecem os corações esse toque de Ícaro? 
O perdão pedido, as asas ardendo e neste torpor 

Encontrar felicidade, o morrer com um sorriso traçado,
Que o morro deixe a paz e paixão elevada ao pícaro
Do Elísio, pois tem de haver trilho para o passo desalinhado.

Acredita Nestas Palavras E Confere-me A Mão

Confere-me a mão em plena confidencialidade,
Demonstrando-me que não há razão ou idade
Para se ser feliz por um momento desta vida
Pois a qualquer instante vem o fim, a partida, 

Logo devemos aproveitar este bocadinho de sol, 
Escapar às curvas da estrada, às redes, ao anzol,
Pois há tanto para ver e saborear, há tanto a tocar, 
Por vezes parecemos baratas tontas de papo para o ar, 

E há parte do expoente do dia, parte do que é importante, 
Por isso a procuro sempre mais e mais, o eterno suplante
Do passado, o amor indomável, o beijo eterno e devasso

Em breve seremos novamente poeira, é erro crasso
Não aproveitar este mundo enquanto nele estamos,
Ou não instanciar o beijo enquanto nele habitamos.

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2021

De Mão em Mão

Cabeça na almofada, despertador na cabeceira,
Debaixo do Sol caminhamos de mão em mão,
Perdidos entre cores, encontrados na ribanceira,
De tanta curva e contracurva, vem a contramão,

Lá fora o Luar expedita aqueles sonhos e ilusões, 
Onde, de mão em mão, estrelas foram alcançadas, 
Nas frentes outrora escuras temos nossas dimensões,
Este instante é nosso, dizem as noites alvoraçadas,

E se um dia me faltar o ar, se um dia eu for partida, 
Que o deslumbre continue, que não seja peça extinta,
Pois enquanto formos de mão em mão, na investida,

E tivermos falta de mais, chama, o mundo a nossos pés,
Trincando a maçã, bebendo o vinho na sombra indistinta, 
Com saudades do Lar, lugar, beijo na face em belos rodapés.

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2021

Eu Por Cada Momento

Transpõe-me para uma ausência de escuridão,
Pois a terra é um carvalho assente em raízes, 
É um livro escrito com galhos em imensidão, 
Apontado para Norte, somos meros aprendizes, 

Folhas caídas pelo Outono revestidas, doce som,
Pois aqueles que abdicam de si são crianças nuas, 
Calcando ignorantes o futuro e a sua sofreguidão, 
Assim vão passando os sois, assim passam as luas, 

Daqui para o infinito e dele para o preciso instante
Onde enveredamos pelo trilho cuja semente é plantada, 
Crescem fortes estes troncos do peito, não obstante

O quanto nos lembramos do que pretendemos projectar,
Este jardim de Éden, os campos Elísios, a luz fragmentada
Nada nem ninguém me irá impedir de cada momento amar.



A Candeia Para a Escuridão

A exigência de pedágios para a passagem na ponte,
Caminhando ouço as vozes dos que me precederam 
Eu, só o viandante pretendendo chegar ao horizonte
Trazendo aos ombros os gigantes que antes viveram, 

Entre montanhas e vales, que me siga quem se procura, 
Este trilho é abóboda celeste para os reais sonhadores
E será caminho da brilhante escadaria à viela escura
Pois somente a revinda do sonho removerá as dores

De quem amou e ficou demasiado tempo perto do fogo, 
Inalando fumo nos pulmões por longínquas distâncias,
Saibam que um dia chegaremos algures... logo, logo

Seremos a pertença de um beijo doirado jamais dado, 
Anjos entre homens, homens inteiros e até crianças,
Este coração é candeia para a escuridão, é o fado. 

domingo, 7 de fevereiro de 2021

O Universo de Si Consciente

Quando viramos a coberta que nos encobre,
Há horas passadas que vão pelo nevoeiro
Do tempo, nossa riqueza que nos faz pobre
Se enquanto não usado vai com o barqueiro,

Tais passos não dados, a indiferença do olhar, 
É assunção de escassez de vida, de partida
Do ser antes de ter ido, não é possível amar
Sem deslumbre se a margem não é querida, 

Fugimos à morte se atingirmos o acontecimento,
Deus pretende que entrelacemos nossa história,
Somos expoente em vida se formos no momento, 

Portanto assim vou e rumo desaforado e impaciente, 
Um dia sim, seremos apenas mais uma memória
Porém hoje somos o Universo de si consciente.

terça-feira, 2 de fevereiro de 2021

É Preciso Despertar

É preciso despertar o brilhante do firmamento, 
Transparecer luzidio para poder alumiar o dia,
Este aqui é o único instante, o único momento
Para poder trazer o brilho das estrelas e a magia, 

Escrevo-a dentre dedos cujas pontas são esticadas
Para o horizonte longínquo, porém, no presente, 
É assim que nascem asas destas costas arcadas
Mesmo quando regressa a chuva incipiente,

Lembranças dormentes passando de mão em mão
E não tidas tais nuvens brancas além escondidas
Até andei de pernas para o ar para sentir o chão

Entardecendo a aurora com um Luar versejado,
É preciso reencontrar as horas outrora perdidas
Para finalmente reencontrar o nosso Sol amado. 


quinta-feira, 28 de janeiro de 2021

O Abismo Entre Eu e Ela

Estas quatro paredes nunca nos segurarão,
Não enquanto houver novos sítios e lugares,
O movimento é o que digna, enleva e dá a lição
Do tempo partilhado e os seus diferentes estares,

São caminho no holofote, para termos de novo vida.
O mundo entretanto mudou, é difícil ir de mão em mão, 
Pulsa o peito batente é tumultuoso e anseia por guarida
Que gostaria que fizesse parte do cenário, da conclusão

Em que dois eram somatório, oratório para os deuses do olimpo, 
Rodinhas para rodar, asas para voar e olhos para conseguir ver,
Saudades de casa, o seu ombro arrebatado a um cerúleo tão limpo,

Não obstante, verto-me por degraus para chegar a esse lugar, 
Algemado ao coração, tentando não sentir o óbvio e o tecer
Que me entrelaça a ela é abismo para o não saber quando amar.


terça-feira, 26 de janeiro de 2021

Quando Vier a Emboscada

Há quem passe a vida perseguindo-a sem nunca a alcançar, 
Numa doce procura, numa caminhada através de labirintos,
Através do escuro beco sussurram as vozes num abismar
Que parece de outra dimensão, de tempos outrora extintos, 

Prosseguindo as inquietudes da alma trazidas na algibeira aberta,
Os sonhos verteram-se para o chão, perdeu-se a razão para amar,
Ninguém pisca os olhos, quanto mais fechar, a quimera é incerta
E nessa mesma incerteza que era dela não permitia ser ou estar,

Porém há uma esperança que ainda perdura no canto do olho, 
É a brasa, o estado de afogueamento ou rubor vivo vivido,
Procurando os luares adormentados na meia-luz do sobrolho, 

Reflectindo a luz e a sombra da estirada, a mais bela emboscada
É o não saber quando espreita a cilada no passo já oferecido
Ao chão, venha o dia, seja a noite e que a luz jamais seja ofuscada.

sexta-feira, 22 de janeiro de 2021

Guerra Civil

É a algazarra no vértice da esquina, ruído e barulho, 
De antemão já sabia que vinha para o fim do mundo, 
"Guerra é guerra!", bramo e com o punho erguido vasculho
O inimigo removeu-nos das nuvens para um poço profundo, 

Dormitamos entre o fogo e é então que irmão mata irmão,
Sem fraternidade, dou a outra face, rogo aos santos e a Deus
Pois é nesta altura que até o ateu vira crente tal é a confusão,
É também nesta altura que o familiar se vira contra os seus,

A Morte a pairar por perto não distinguindo velho de criança,
O saque, a pilhagem, o furto é a indistinção entre a diferença
Vai-se a crença, fica a ilusão e miragem, preso sob fiança,

Estas cruzes, estes sepulcros sem nome, são de irmãos
Que cavaram sua cova sozinhos, essa é a sua sentença
Perante o pai indiferente que do negrume lava as mãos.


 

quinta-feira, 21 de janeiro de 2021

Vamos Deixando Poeira de Ouro

Outrora era um homem no epicentro da confusão, 
Esvoaçando cego pela luz, ouvindo os sonhadores
Não mais do que um vislumbre para fora desta ilusão,
Debaixo do holofote a peça acabou sendo eu os bastidores, 

O passado por vezes apanha-nos e prende-nos à sua beira, 
Procedemos a busca pela fragrância que faz mais sentido, 
Entretanto balança, balança e caem-nos sonhos da algibeira
Será esta a viagem para a qual não nos teremos ainda precavido?

Lanço os braços adiante e alcanço parte custódia do firmamento, 
Sabes que houve alturas em que a geada preencheu este coração, 
As nuvens que me passam, os beijos que traçam este momento,

Por isso inspiro o suspiro que vai e vem, eu sou aquilo que é deixado, 
A poeira de ouro bem sedimentada é trilho inverso por vocação,
O resto que ainda está para vir é o resto que falta ser abraçado.

segunda-feira, 18 de janeiro de 2021

Estas Velhas Algemas

As salas vazias e as escadas para a cúpula apontadas, 
Vamos vivendo para o dia a dia, daqui tão longínquo, 
É o motim que me traz à tona, as setas quebradas,
A prisão do próprio pensamento caindo obliquo, 

As palavras lajes para um discurso inacabado, 
No peito sinto-vos, a mesma criança sonhando,
Durmo com os olhos abertos, ainda perturbado
Dentro da raiz esquecida, a mim me arrancando,  

É o fardo de quem partiu, porém não é a chegada
A inteireza que ansio é maior do que estes poemas,
Procuro mais do que onda ou matéria, a porta fechada

Que abrirei com ou sem chave, é o poeta e os diademas
Alçado a brisa branda sobre a margem e a sua fachada,
Um dia vos prometo, um dia partirei estas velhas algemas!

sexta-feira, 15 de janeiro de 2021

Poema De Um Homem Sob O Oceano

De pés descalços sobre a raiz do azul oceano,
Paciente e resiliente face às ondas ainda por vir,
Voamos vestidos de reflexos cerúleos sem engano,
Este é o sítio neste momento para por fim as sentir,

Por isso nos importunam as nuvens na veloz ascensão, 
Sobre a água uma ponte invisível, que doce beleza,
E por aí não obstante bate por fim o uno coração
Rematando para longe os traços de dor e tristeza, 

Encurralado entre os antebraços, deposito os abraços
De quem me pretende próximo, um rosto no beijo
E vem o desejo, e vem a vontade a nítidos laços,

O ar engolido, libertado em busca de um tesouro
Maior do que a vida, maior que o maior almejo,
Aqui é onde fico e me preparo para o tempo vindouro.




quarta-feira, 13 de janeiro de 2021

As Horas Sedentas

Então sozinho fui andando numa linha estreita,
Perseguindo as sombras tortas desta parede, 
A candeia luzidia pela rua que se endireita
Acima da colina e eu escapando sem rede, 

Logo rasgava esquinas acossando a fragrância,
O seu nome ainda apaziguando as lides nocturnas, 
E eu correndo em tamanho estado de beligerância
Via-me ao longe parado através de dias e horas soturnas, 

Entretanto o rosto enrugava assentando no fundo
De papeis amarrotados onde rangendo os dentes
Era voz formada de vazio em tom nauseabundo,

E sonhos quebrados isolados por paredes cinzentas,
Por vezes custa-me continuar a luta por quatro frentes,
Porém continuar é preciso para preencher as horas sedentas.

sábado, 2 de janeiro de 2021

O Análogo do Viver

Eternizado num momento, a eterna adversidade,
De lápis em riste, feliz ou triste, irei escrever
Sobre voos e quedas, o humano e a divindade, 
Acordar o Pégaso e dar a vida ou até morrer, 

Da rota e o seu peregrino ao universo e a viagem, 
Há liberdade na falésia e há paixão no esvoaçar,
O deslumbrante é cativo do sem pertença, a aragem
No rosto e pés descalços no verdejante, sim, o amar

Quem aparece no espelho, a colheita do plantado
É amor redobrado, é preciso ar para poder revir
E as folhas caídas da estrada são bosque encantado 

Para quem não deixou de acreditar, havemos de ir
Perto ou longe, alto ou baixo, desde que andemos,
Pois o análogo do Viver diz o quanto viver queremos!

quarta-feira, 30 de dezembro de 2020

Enquanto Houver Vida

Então tropeçava nas estrelas cadentes do caminho,
Assim, impaciente para ir e ansioso por chegar,
Com candeias rodopiando a cabeça, oh carinho
Partilhei segredos que desconhecia, vou devagar

Subindo a colina, tentando não olhar para trás, 
O céu desmorona e a terra treme, é o motim
Que só é dos poetas, é preciso correr atrás
Do beijo, do abraço, do saber dizer que sim, 

Quebrar o feitiço do mundano, isto é a vontade
De ir sem esperar por empurrão ou travão, 
Um dia chegaremos e esse dia será metade,

Perfeitamente complementar, de mão em mão, 
Esperando a Lua para poder dançar em reciprocidade,
E em boa verdade, conseguir trazer Vida para o coração

(pois só isso é verdade...).

terça-feira, 29 de dezembro de 2020

Arrependimento

De quando não fui pelo instante passageiro,
Por isto ou por aquilo não me preenchi de Vida,
Por tanta cautela, fugi a medo sempre ligeiro,
No meio da luz fui escuridão sem qualquer lida, 

Quando podia andar arrastei-me por entre corredores, 
Estas linhas de vida e sinais de quem foi esmorecendo,
Isto é quando andar na água não faz de nós salvadores,
Quando não há distinção se vamos subindo ou descendo,

Há um velho que fui, a mais leve queda, os lençóis engelhados,
Não há livro onde caibam as possibilidades do que não foi, 
Por isso os enterro em tecidos funerários embrulhados,

Percorrendo as palavras afirmativas e negativas, o caminho, 
Pois as hóstias que engulo não sanam a ferida que ainda dói
E o beijo para onde rumo, longínquo, aqui procuro-o sozinho.

terça-feira, 22 de dezembro de 2020

Pedágio da Vida

Sou uma retícula à porta de uma encruzilhada,
Honrando a voz que é bramido pela ribanceira
Levando-me adiante onde vou pela algibeira,
Ora veículo para a berma, ora simples estrada,

De instantes sendo retido, conforme prometido
Sou apenas uma alma vagabunda indo em frente,
Encontro e perco-me  face ao tempo que indiferente
Me julga mediante as rugas no rosto em si reflectido,

Vai ficando a voz grisalha, os beijos então glosados, 
Entre duas margens, entre as bermas, o terno cinzeiro, 
Sendo pertença para quem não vê, onde os implicados

Fecham-se em quartos sem janelas, é impossível ver
A cor do prado, a luz do sol, sem recado e do bueiro,
Metade ou inteiro, quão difícil é por vezes simplesmente viver.

sexta-feira, 18 de dezembro de 2020

Até Que Durma

Hoje a morte levanta-se, portanto, disparem à vontade!
Pois apesar do amor por ela, ele continua seu escape,
Não obstante do sentir e da congruência da metade,
Fugindo sem aviso, como os outros, eu outro recape

Na ferida fugindo do dilúvio, da sombra obscura
Que é fraterna da morte, amor no chão quebrado,
Que é queda na cova, que é viela da rua escura,
E isto vai passando, vai-se esquecendo o bocado

Em que éramos o único toque e o lábio descarnado,
A vida de poeta não é fácil pois escasseia o deserto
Para a sede, e a sede é de infinito, o rasto entornado

No trilho da combustão instantânea, dá vontade de (r)ir, 
Hoje então descanso com moedas nos olhos, o incerto
Apadrinhar-me-á até meu cansaço vier e se esvair.