terça-feira, 7 de outubro de 2025

Entre o Instante e o Eterno

Esperando como quem aguarda, saído do berço,
Quando a eternidade é crepúsculo, a bênção,
É que enfim há Vida a viver, o ser aqui exerço,
Venha a aurora, a primavera e a sua sugestão!

É um bálsamo para a alma, brisa para este rosto,
Um dia o vento me levará para o esquecimento,
Este é o karma humano, aceito-o de bom gosto,
Erodindo-se no relógio do ponteiro é o momento,

Percorrendo a distância tal fantasma, tal fragmento,
A identidade é Inteira, é dimensão para o Universo,
A esquadria do céu traz o cerúleo, o belo firmamento,

E poeira cósmica assenta-se nos ombros, silencia-me a voz,
Se perder o reflexo, o retrato for antigo, e o trilho adverso,
Terei resquícios no Eterno através do eco destes sonetos, (pó de arroz!).

sexta-feira, 3 de outubro de 2025

O Abracadabra da Espera

Por ditoso me vejo por aqui vos ter encontrado,
Que em consciência a tenha por mais um bocado,
Pois a noção de que para o fim tudo caminha,
Faz-me andar para trás tal açaime para a alminha,

Por tanto esperar sei que para muitos é essa uma ofensa,
Porém encontro na não procura a minha recompensa,
O tesouro divino que é a possibilidade dessa companhia,
Para mim é mil abracadabras, é maior do que toda a magia,

Por afortunado dou o clamor de quem gesticula a candeia,
Vejo que o dia nem sempre é noite, que por vezes clareia,
Portanto há sim tempo e espaço para pernoitar nesta lida,

Pois o chegar é relativo, como é relativa esta buliçosa vida,
Então dá-me a tua mão, demos as plumas por aqui soltadas
No que demos por fim gentis as asas abertas e espalhadas.

terça-feira, 30 de setembro de 2025

Sob a Monção, o Beijo

O poeta pensando que não era efémero o beijado,
Sob árvores e ramos íamos construindo uma raiz,
Que o caminho tinha promessas à alma deixado,
Num Universo Privado colorido a partilhada matiz, 

O prazer da mão na mão, o abraço e até o safanão,
Não a deixo ir, mesmo que o jantar esteja gelado,
Mesmo que o caminhado seja menor que o coração,
Pois por onde houver trilho, é possível ser encontrado,

Por isso por entre o monção, a contracurva e a adaga,
Vou, entre sombras assustadoras, o mundo não mudará,
Depois da possível partida e antes da potencial chegada,

Sabe que antes de mais és toda a minha vontade e desejo!
Não finjo saber o que pretendes, pois o que será, será,
Quando vier o brilho do amanhecer ainda teremos beijo?


quinta-feira, 25 de setembro de 2025

Entre Adeuses e Saudades de...

Caminhamos sozinhos, para ninguém acenando,
Expressões silenciosas que vão para lado nenhum,
Sonhos vazios onde as procuras se fazem buscando,
Os mortos ouvindo discos esquecidos de jeito algum,

As flores dobram-se para o Sol, e eu sou somente lunar,
Por aqueles olhos e toque derrubei panteões de deuses,
De suspiros ao peito, procurando enfim aquele uno lugar,
Onde me posso encontrar, despedindo-me dos adeuses!

E quando o dia terminar teremos sequer exílios onde ficar?
O relento é interno, o frio real, sou seixo saltitando no lago,
E a verdade é que tenho saudades de ir, ser e acompanhar,

Aqueles bocadinhos de Vida que sabem a Amor, a vida vivida!
A pétalas de flor a esvoaçar, aos confetes que no bolso trago,
Comovem-me, enternecem-me, do olá à sua última despedida.

quarta-feira, 24 de setembro de 2025

Da Vala Comum à Sepultura Digna

Dos pedaços desta Vida de que só meus apelidei,
Vós tendes sido o trago de magia, o abracadabra,
Por vil graça, pelos bocados com as quais brindei,
Divino grau venerado, de mil odisseias  à palavra!

E por vós me hei tornado o tirano, louco e ufano,
Por entre corações partidos, o belo do instante,
Portanto voo mais do que brindo ao desengano,
Idas as Oressas, vós sois em mim o único instante,

Pois da vala comum irei até à mais digna sepultura,
Bela e casta, embutida em ouro, nesta alma pura,
A verdade é só uma, somos a latrina para o fado,

As estrelas e sementes, o estrume, o pé no estrado,
O sono eterno recheado por sonho, a despedida,
O resto vem vindo em seus termos seja morte ou vida!

sexta-feira, 19 de setembro de 2025

Entre o Sol e o Crepúsculo

Desvelando o sorriso pelo crepúsculo escondido,
Se sonhar hoje dar-me-ei como enfim encontrado,
Todo o meu coração espera por este terno bocado,
Inteiramente ao vosso dispor e à vossa graça rendido,

Vosso rosto verei por cada sítio em que seja passageiro,
Estrelas brilhantes aparecem e desaparecem no horizonte,
E nós, tal como elas, somente uma ideia que ao além aponte,
Para eventualmente voltar como uma beata ao seu cinzeiro,

E mesmo que o dia jamais amanheça, enfim vi vosso olhar,
Trago-o em épocas onde caminhei o trilho, onde fui o filho
Do destinado, com e sem fado, erguendo-se do Sol e do Mar,

Esses meus amigos, as noites sem fim são minhas companheiras,
Se ficar por aqui, já me dou por feliz, há quem puxe o gatilho?
Amor, és em mim víscera, este é o crepitar, com ou sem maneiras.

quarta-feira, 17 de setembro de 2025

Trilhos do Inverno ao Outono

Aqui esperarei por Ester numa demora sem retorno,
Horas dentre jornadas, manhãs e tardes e estações,
O trilho do comboio virá para lá do Inverno ao Outono,
E será suficiente para um sorriso que alumie corações,

Brevidade, olhar fugaz, o silêncio da promessa quebrada,
Dentre véus e sombras, há segredos para lá de enigmas,
Por ela deixarem a porta entreaberta, o sinal na estrada,
O relógio pára mediante os passos na neve destes sigmas,

Tenho discursos ensaiados e cartas que nunca foram enviadas,
Porque estas correntes diáfanas, doiradas por auto-imposição
Não são presença real, são vestígio do efémero, não celebradas,

Porém prometi esperar dentro desta esfera feita de saudade,
Independentemente de qual for a altura do ano ou a estação,
Esta é a distância entre nós, para mim mesmo, e a única verdade.

Eco Maior que a Lembrança

Oh musas e ninfas ouvi o cantar deste trovador,
Há ternura nestas palavras, arrebatam um beijo,
Gestos imprecisos e bandeiras altas do estivador,
Pontes para espelhos, motes para anseios e desejos,

À memória de momentos que pertencem ao passado,
A cavar valas comuns com os dedos e unhas compridas,
E do caixão veio a constelação, por seu brilho acossado,
Pois o relógio é pai de órfão, horas permissivas e preteridas,

Pois este instante ecoa para a eternidade, para o infinito,
Mesmo que não me ouçam, sou uno num único grito!
Então após o crepúsculo virá a aurora numa bela dança,

E eu serei relembrado, serei muito mais que lembrança,
Não por meus versos, mas pelo deixado à humanidade,
Que serão seus, esta será a saída para além da efemeridade.

quarta-feira, 3 de setembro de 2025

Nem a Eternidade nos Contém

Estas ruínas desta chama oculta - uma ponte quebrada,
A voz do crepúsculo, do pai para o filho, coração insone,
Renasce a aurora por cada instante e memória eclipsada,
O reflexo fragmentado é somente sombra, so very alone,

E do vértice do labirinto nos atiramos ao abismo, o caminho
É véu rasgado para o superior, escuridão translúcida, beleza,
Cinza ardente numa chuva de vidro, a cicatriz, o eu sozinho,
Há beldade na ferida, o olhar é suspenso mesmo na tristeza,

Naufragámos promessas quando o Amor verdadeiro é vero,
Passageiro dentre segundos, entre memórias e as aspirações,
A orfandade das ressonâncias, oh mãe, o tempo é tão severo,

Nem a eternidade nos contém a nós meu bom amigo Camões,
Pois caminhamos sem chão, voamos além do tido como austero,
A obra é tentativa maior que o homem, para o céu são estes corrimões! 

Poema Para Uma Alma Por Vezes Desencontrada

Há estórias a contar das profundidades destas cicatrizes,
Onde imaginava ósculos escondidos por instantes lunares,
E a sua voz cantava tão suavemente, esquecia as meretrizes,
Curioso por me aproximar da chama, por encontrar os lugares

Onde a sua radiância era serenata carpida por doce trovador,
E o resto me chamava, enquanto comia de colheres de prata,
Caído do paraíso ante um séquito seguido por um olhar observador,
Pois estes olhos traziam lágrimas de esperança escrevendo a errata,

Uma eulogia para quem nunca viveu, enaltecido por toques de despedida,
Permanecendo onde as nossas faces se revoltaram do tido como mortal,
Um mundo de sonhos, um berço de imaginação por uma luzência precedida,

Um conto de fadas irreal com aventuras como tu, e como eu de mão dada,
Sombras do nosso eu efémero, somos um caminho entre o sol e o fractal,
Será que finalmente vêem nosso brilho, e será que finalmente estás acordada?


terça-feira, 26 de agosto de 2025

Rio que Não Chega ao Oceano

Para esta entrega tenho todo um ser ausente,
Um quarto onde só o vento encontra guarida,
Num relógio sem ponteiros, o incrédulo crente,
O seu nome repetindo-se por uma manhã diferida,

Entre ecos não de memórias, mas desta ânsia sentida,
Há um abraço preso na parede de um tempo não meu,
É este fogo que queima e aquece, uma chama suprimida,
E um copo cheio de ausência que bebo até ao fundo, ao breu,

O horizonte é esta linha onde o olhar se encosta de saudade
Do que ainda não sucedeu, tal rio que não chega ao oceano,
Um brinde e seu trago, trago-o em memória e na sua brevidade

Um clarão, cego e torturado, esperando onde não sou encontrado,
Sem idade ou tempo, se pudesse encontrar-me em qualquer humano!
Eu até gosto da ideia de amar, será por isso que é tão difícil me sentir amado?

quarta-feira, 20 de agosto de 2025

Relógio Afogado nas Marés

O eclipse da aurora, lua nova - sou marés, vento, tempestade,
Há um vazio em memória, um futuro onde ainda a desejo,
Promessas ditam que se tu fores nostalgia, eu sou saudade,
Independentemente de qual for a cor ou sabor desse beijo,

Retoco cicatrizes em fogo, o segredo que entre lábios ficou,
O perfume é meu e de uma entrega entre vindoiras estações,
É uma viagem sem mapa, uma ponte sem destino que desabou,
Serei um dia chegada pois há muito fui partida entre estes botões,

Este é e sempre foi o caminho do viandante sob um céu estrelado,
A porta entreaberta, agora cerrada, é um novo pássaro a esvoaçar, 
Passagem para o Verão, mesmo estando aqui o relógio quebrado,

Ela chama, chama-me, e eu vou, meio doce, meio apoquentado,
Abraçando o torvelinho, sou na espiral, ela ensina-me a sonhar,
Na dor de estômago aprendo finalmente a estar feliz e enamorado.

quarta-feira, 13 de agosto de 2025

O Relógio sem Ponteiros

Este é o silêncio antes de qualquer tempestade,
Encontro à beira de um cais quase abandonado,
O último instante antes de adormecer, em verdade
Um diálogo com a própria sombra - o assombrado,

Há uma luz que entra por uma janela esquecida,
Em imaginação pincelo a cidade após a chuva,
Coloco-a numa carta que será sempre perdida,
Este é o tempo do viandante antes da contracurva,

Vestígios de quem fora, ecos para idas alvoradas,
E vem a saudade, abismo para qualquer claridade,
Sou relento para os trilhos de umas outras estradas

Relógio sem ponteiros, dele tenho sido escravizado,
Pelas fendas destas quatro paredes, há eternidade, 
E nessa espera a prisão, aqui sou o estigmatizado.

segunda-feira, 4 de agosto de 2025

O Velho Que Serei

No rosto rugas, mãos trémulas e passo arrastado,
Cabelos brancos, ossos frágeis num espelho gasto,
A voz cansada e a lentidão longa do já respirado,
Os relógios - memória para um tiquetaque padrasto,

Do passado distante ficou um espera e um legado,
Fim e começo para a aceitação no olhar trazida,
Serenidade e introspecção num destino, num fado,
Ora concretizado, ora tentado numa gestação inferida,

Sendo talvez o eco de um qualquer tempo sem idade,
Em caminhar lento entre uma brisa e a eternidade,
Onde converso com fantasmas e estrelas queridas,

Assim velo o céu através de janelas de vento coloridas,
Pois para a criança que fui e que ainda estende a mão,
Guardei-a no bolso onde a trago vestida no coração.

A Criança Que Fui

Entre sorrisos soltos e brinquedos esquecidos,
Mãos pequenas com chão proveniente da terra,
Lancheiras de céu estrelado e silêncios enaltecidos,
Soldados de plástico antes do adeus, antes da guerra,

Esconderijos secretos e papagaios de papel a esvoaçar,
Desenhos da parede ocultos pelo pó de um tempo passado,
Suspenso entre páginas rasuradas, a vontade de retraçar
Os voos dos anónimos aviões com os dedos apontados,

Pois os relógios parados tornam-se em calendários rasgados,
Lembranças partidas em clausuras de um olhar lacrimejante,
Aqui fui eternamente ontem, criança de mundos inventados,

A magia esquecida dos portais de segredos, a inocência era abrigo
E refúgio para a ternura que era o brilho na alma, a pureza latejante,
Preenchia-me o vazio sem reparar, que saudade desse bom amigo.

 

quinta-feira, 31 de julho de 2025

Entre o Ontem que Não Acabou e o Amanhã que Não Veio

A ansiedade retroactiva numa nostalgia invertida,
Pressentimento e desejo por um pouco de esperança,
Esta saudade antecipada por um futuro ausente, a ferida
É passado presente de amanhãs esquecidos, a mudança,

Entre o medo e a intuição de ir entre um ontem inacabado,
Estas horas então cruzadas em ciclos de torvelinhos temporais,
Os relógios partidos e as estações trocadas, Cronos derrubado,
Ecos de promessas e fantasmas de planos com todos em espirais,

Há lembranças que nunca foram no cheiro de um dia que não veio,
E as vozes antes do silêncio, tal como as pegadas sem seu caminho,
Os gestos interrompidos de olhares que ainda não se deram em devaneio,

Estico os braços em abraços por vir, cartas não escritas, a multidão sem rosto,
E sei que tenho pressa no peito, cansaço de saber que por vezes não vivi no trilho,
Naqueles desejos suspensos, alma desalinhada, turbulência calma, outro sol-posto.

segunda-feira, 28 de julho de 2025

Bilhete Só de Ida

Malas cheias de silêncios com mapas a linhas tremidas,
Os comboios levam as memórias, carimbos no passaporte,
Olhos presos a um nome antigo nestas cartas envelhecidas,
Relógios parados entre cruzamentos de meia vida e quase morte,

Um bilhete só de ida para um qualquer caminho sem qualquer chão,
A bússola quebrada apontada para dentro, perdido em cada espelho,
Outro prisioneiro de camas frias de hotéis anónimos, o berço do caixão,
Carregado em cada quilómetro esquecido onde o seguro morreu de velho,

Reinventando as fachadas da cidade para lá das portas à chave fechadas,
Quantas vezes vagueei por estas ruas em calendários por ela demarcados,
Regressei mil vezes a essas ruínas por cada uma destas fotos amareladas, 

Hoje, deixo as correntes nos trilhos de cada estação por onde não passei,
Em papeis como estradas e poemas como paisagens, eu porções, tu bocados,
O velho eu ficou na paragem, e eu fui indo e sendo por onde um dia não fiquei.

terça-feira, 15 de julho de 2025

Lua Nova

O céu estrelado dá lugar ao brilho de constelações,
Sem sombras ou eclipses, o cosmos e o seu recomeço,
Tal metamorfoses e esperas em diferentes transições,
Sou só a mudança independentemente do que pareço,

Há saudades no vazio das memórias entretanto esquecidas,
Intuições de ausências, silêncios e vozes quase quebradas,
Por entre reflexos de potenciais sonhos e estrelas prometidas,
Sussurramos toques na pele, a margens então de novo beijadas,

Lua Nova a noite inteira, seja qual for o que vier na turva maré,
De pés descalços na areia, o vento é a neblina, a flor é nocturna,
Pelo horizonte é que há que continuar sempre com indomável fé,

Este ventre do tempo prepara-nos para o que estará na estrada,
Tal presságio para o destinado, fado e oração para a noite soturna,
Renunciando a oferenda de uma cópia, um dia virá a madrugada.


segunda-feira, 14 de julho de 2025

O Verso Que Não Fui

Estas camisas rasgadas, usadas e ao lixo atiradas,
Foram outrora ossos daquilo que não consegui levar, 
Meros acessórios de um instante estagnado em cicatrizes demarcadas,
Possíveis e potenciais proto-momentos impossíveis de aconchegar, 

E se tinha nomes nesse dia apartado, hoje por suas sombras sou procurado, 
Onde vivendo em existência, existo vivendo e quase, quase sendo, 
Do alto do além de um horizonte donde estou pendurado, 
Acredito no que poderá vir, e nesse acreditar vou crendo, 

Por isso há trilhos dentre o nevoeiro que deixaram paradeiro
Na criança que já fui, até ao eventual velho que um dia serei, 
Sim, há ainda arco-iris, mesmo que a maioria termine num cinzeiro, 

E no fim? Fica a saudade de quem não foi por cada segundo, 
O verso de um soneto sem rima, que jamais escrevinharei,
Essa expectativa de um potencial não concretizado, um quase mundo.

quarta-feira, 9 de julho de 2025

Criança, devo finalmente partir, mas levar-te nas lágrimas,
Como o vento leva sementes para sítios desconhecidos,
A noite pode esconder as minhas pegadas da tua porta,
Mas o teu nome ecoará através dos meus ossos,
Não deixes que a mágoa ancore a tua jovem alma,
Apesar de caminhar onde as estrelas são estranhas,
Jamais estou longe de ti,
Mesmo que desapareça para o silêncio

segunda-feira, 7 de julho de 2025

Entre o Agora e o Nunca

A contenda entre o presente e as sombras do passado,
É o velho relógio que já não marca o tempo, a procura,
Pois o tempo é inimigo da alma e do que esta há sonhado,
A brevidade da vida vista num pôr do sol ou numa rua escura,

Sei que há sonhos perdidos entre estações de comboio,
Em estradas que se desfazem mediante cada novo passo,
Somos andarilhos em busca de lugar seguindo um arroio,
Mesmo quando o poeta perde as palavras, marca o compasso,

E quando a noite vem, ele cobre-se com mantas estreladas,
Em danças de estações feitas de pinturas que ninguém vê,
O palco vazio depois do aplauso, as vozes do então ecoadas,

Entre o agora e o nunca, há espelhos que por nós foram esquecidos,
A liberdade do não saber, o infinito no horizonte de quem ainda crê,
Acredito que há luz entre os abismos, mesmo nos brilhos obscurecidos,

quarta-feira, 25 de junho de 2025

Entre Linhas Não Escritas

Houve um dia em que a alma assinalou a sua partida,
Num amor que ficou entre linhas que não foram escritas,
Ouçam esta voz que ecoa dentre o silêncio por si contida,
Sozinho numa multidão sem rosto, as lembranças subscritas,

O ar rarefeito após um adeus, há uma lágrima nunca vertida,
Por um espelho que se recusa a devolver o reflexo do poeta,
Libertai-o com esse sorriso, tão leve é a flor ao céu remetida,
Isto é o que os sonhos dizem quando ninguém escuta a borboleta

Esvoejar, é preciso, há eternidade encerrada na infinidade de uma pausa,
E há presenças dos ausentes nos lugares vazios que deixaram para trás,
Um brinde ao que sobra quando ninguém está a ver, um brinde à causa,

Somos estranhos no próprio corpo, esta inquietação é estado natural,
A linguagem dos gestos interrompidos na espera por novas manhãs,
Enquanto o ontem ainda respira numa espera nesta paisagem pictural.

terça-feira, 17 de junho de 2025

Antes de o Ser, Já o Era

O instante, antes de tudo, é a memória do que nunca aconteceu,
É o tempo que dobra dentro de um abraço, a visita a um passado,
Esta saudade que chegou antes da partida, que em si esmoreceu,
Foi a hora em que o relógio perdeu a razão, o beijo quase sonhado

Que só um reconheceu, dentre mãos que lembram um toque perdido,
Numa ausência que dorme na almofada ao lado, o beijo em imaginação
De dois corpos que dançaram noutra vida, o anseio de um desejo ferido,
Pois amar é sentimento que apenas coexiste em poesia dentro do coração,

Porque há palavras que não quiseram algum dia ser ditas, assim é o trilho,
De poemas que se escreveram em lágrimas, o nome que o papel recusou,
Pois o verso ficou preso na garganta, a tinta sangrou desde o pai até ao filho,

Somente o vento sabe o segredo que a alma esconde, a confissão sem ouvinte,
A chuva é reencontro e as estrelas as cartas que o tempo leu e em si enclausurou,
Deus dança no detalhe do invisível, o corpo templo tanto para rei como para pedinte.

O Silêncio Entre os Dedos dos Dias

Sim, o eterno escorre entre os dedos dos dias,
A infinitude contida num instante de olhar,
Numa ausência que ocupa as horas fugidias,
É o relógio que não consegue o tempo buscar,

Há amor que só existe entre silêncios partilhados,
Mesmo no beijo nunca dado, mas vive nos lábios,
O sussurro das árvores ouvido baixo encaminhados
Para a noite que floresce ao dormir nos subúrbios

De um sonho, espelho tatuado de uma alma inquieta,
Escrito num poema feito sem papel, esta é a canção,
Pois há Deus no palpitar errante da nossa respiração,

O renascer da fénix acontece sem ninguém notar no poeta,
É o silêncio que escapa entre duas notas subentendidas,
É resposta muda, em gestos preteridos e gastos por partidas.

O Silêncio Entre um Passo e o Outro

O Adeus que nenhuns lábios conseguiram proferir,
Tal silêncio entre duas notas durante uma dança,
O intervalo poético de um eco de um passado sorrir,
Na pausa entre olhares, o ágil andar de uma criança,

Há um desejo magnético no limiar de um compasso,
O ritmo sincronizado com a respiração de um poeta,
Este ar entre os dedos que supera o tempo e o espaço,
É suspiro na pele, rastro feito por uma estrofe discreta,

Movemo-nos na latência de uma luz imóvel e brilhante,
Grãos do ido apossam-se num olhar entretanto cerrado,
É mudez tornada passo de dança coreografada e sonhante!

Com intenção, o som desaparece e o corpo continua a dançar,
O não-dito vibrando no meio de um gesto por si próprio fechado,
Entre um passo e o outro, há um Universo inteiro para morar!


segunda-feira, 9 de junho de 2025

O Poema Que Me Escreveu

Não fui eu que busquei escrever o poema,
Foi ele que veio — em palavra, crua e inteira,
Sem pensar no sentido ou rasto no diadema,
Chegando assim: belo, sem pudor ou rasteira,

Então, minha mente era somente o espaço
Onde a estrofe a si mesma se ia escrevendo
A toque preciso, a caneta — limpa, a subtil traço - 
Ia permitindo ser, ia permitindo e acontecendo,

Somente sentido, fui vendo a cor, o calor, o brilho,
E então fui página, fui folha em qualquer vento,
Sem controlo sobre o seu caminho ou sequer trilho,

Sei que cada soneto cura pedaços da aberta ferida,
E o poema me dá passo, asa e jornada em novo alento:
Sim, foi ele que me escreveu, foi ele que pincelou esta Vida.

terça-feira, 3 de junho de 2025

Cada Sonhador Tem Um Ícaro Dentro De Si

Sussurros de outrora próximos desta respiração,
Ofegante por Vida, ergue-se o sonhador prostrado,
O risco de queda, a possível tragédia é também bênção,
Por Dédalo essa altura, a ambição escombro do ansiado,

Há brilho nos seus olhos, no sacrifício de uma pluma ao vento,
Este é o labirinto de para quem o horizonte é lar, vive a fantasia,
Mesmo dentro do labirinto, a bravura que consta no contratempo
É inspiração, quimera, ideal e ânimo ao rubro seja noite ou dia,

Esperançando que a partida se torne um dia na chegada,
Ousado perante o abismo vertiginoso da vaidade e sua culpa,
Há cinzas onde havia penas, os raios solares a única estrada,

À glória desse destino, o fulgor de um ígneo grito, brasa e clarão,
E radiante o áureo torna-se terra, sem obrigado ou desculpa,
Ascendendo com o Zéfiro mesmo enfrentando a sua própria extinção.

terça-feira, 27 de maio de 2025

Dialecto dos Esporos Contra a Corrente

Sonhando com esporos resplandecentes indo contra a corrente, 
Um multiverso de caras sem nome ultrapassando em contramão,
Então parecia que o fontanário ia secando por causa dessa gente, 
E que ia assim endurecendo as paredes de um cinzento coração,
 
Esperando por um momento certo que tardava a ser chegada,
Conversava num dialecto que os outros pareciam ignorar,
Através de palavras que cabiam nos varões da berma da estrada,
Assim escapulia da realidade, assim se permitia a si mesmo esvoaçar,
 
Procurando por momentos belos que preenchessem a brisa,
Pois boas novas um dia trará o vento rodopiando o compasso,
Onde cairão esses esporos traçados em Vénus a uma luz imprecisa,
 
Por onde sorriremos, tentando ser o sentimento na sua plenitude,
Sei que haverá um dia qualquer um tempo, sei que haverá um espaço,
Mesmo que ainda magoe, mesmo que o sentir só conheça a servitude.

quarta-feira, 21 de maio de 2025

Pegadas que o Mar Apaga

Estás por todo o lado, cada nuvem e em cada pequena cicatriz,
De suspiros entrelaçados, mãos que se buscam em vertigem,
Sim, estás por todo o lado, da treva profunda ao final do arco-íris,
Escapando tal moedas entre dedos, ao prazer que as feridas infligem,

Sim, ainda escrevo versos a que a ela desejava tanto de confiar,
Ecos gastos pelo tempo, dançando valsas que vamos guardando,
Instantes nos prendem, e somos náufragos de um triste e solitário mar,
Sem dono, e sem descanso — as margens recuam apesar de irmos remando,

Esquecendo os moldes, as rimas, a ilusão da correspondência,
Pois há silêncios que habitam quem jamais se entende por palavras,
E assim se curva a infância ao tempo, assim se desenha a essência,
Na pele enrugada da espera, no passo lento de mil quase abracadabras,

Oiço correntes roçando o chão — e se repousar, quem me acolherá?
Outro instante, outro acaso… e que o resto venha sem cama traçada.
É o hino de quem não pertence ou tem pertença, é o rastro do amanhã,
É o pó dos dias na pele, buscando faróis num olhar ainda sem a alvorada.

domingo, 18 de maio de 2025

Eu Pertenço à Estrada

Há vestígios de ruínas cantando do alto da fachada,
Suspiros ofegantes entrelaçados que buscam a vertigem,
Quando o caminho diverge entre uma ou outra alvorada,
Há que nos agarrar na segurança na rua errante, sem origem,

Pois há poemas ainda por vir que a ela gostaria de dedicar,
Ecos desfeitos pelo tempo, percorrendo valsas em nós contidas,
Aprisionados por um instante, reféns e prisioneiros de um mar
Que não vê dono em quem não sabe remar, sem margens queridas,

Esqueço as rimas, esqueço a métrica, esqueço a vontade de reciprocidade,
Pois há silêncios encontrados no lar de quem nunca conseguiu ser chegada,
E assim a criança se torna no velho, e assim se avança no tido como idade,

Ouço correntes arrastando-se no chão, e se pernoitar aqui quem me dará guarida?
Outra hora, outro momento e o resto que venha – é o hino do pertencente à estrada,
É o passo vacilante, na pele o pó dos dias, procurando o olhar farol, num bater que não intimida.