Eurídice, minha alma, minha amada,
Indaguei-vos pelas noites e pelos dias,
Havendo sido vós por Hades reclamada,
Iniciei eu jornada por dantescas galerias,
No submundo ressoando a insana lira,
Na barca dos idos, atravessando o rio,
De enxofre, o frémito das sombras em ira,
Havia enfim deixado os domínios do estio,
O cão do Inferno sob esta melodia repousa,
E a flagelação dos condenados aquietada,
No caminho do aventureiro que assim ousa,
Alcançar quem é sua Vida, sua vera amada;
Vendo-vos o semblante, minha noiva de luz,
Empalecida e inerte a princesa de branco,
Neste olhar dormente que a fria neve induz,
Como a pesada cruz do mártir outrora santo,
Sim, resgatar-vos-ei dos confins dos Infernos,
Hei acordado com o negro mestre dos idos
Subamos juntos para longe deste Inverno,
Escutai esta lira, reviver-vos-á os sentidos,
Pela trilha íngreme, enfim o tempo não passa,
Ouço-o no tormento acutilante desta respiração,
Que, à ausência de som, meus interiores trespassa
Degrau a degrau, e ainda o vazio silêncio impera,
Nem vossa voz, nem brilho neste ténue caminhar,
E com nada, esta alma chora, esta alma desespera,
Acolá a entrada, avisto além a luz afinal!
Atrás olhando, e ao vos confirmar, um último…
Suspiro… perco-vos no negrume e como tal…
Um amor por uma memória de um aventesma,
Todo este fôlego não mais do que uma brisa,
No submundo e a canção já não é a mesma,
Olvidarei essa canção, nem Vida, Fado ou Deus!
Cessarão a dor do tormento Infernal desta lira!
Adeus minha alma, meu querido Amor… adeus…