terça-feira, 26 de agosto de 2025

Rio que Não Chega ao Oceano

Para esta entrega tenho todo um ser ausente,
Um quarto onde só o vento encontra guarida,
Num relógio sem ponteiros, o incrédulo crente,
O seu nome repetindo-se por uma manhã diferida,

Entre ecos não de memórias, mas desta ânsia sentida,
Há um abraço preso na parede de um tempo não meu,
É este fogo que queima e aquece, uma chama suprimida,
E um copo cheio de ausência que bebo até ao fundo, ao breu,

O horizonte é esta linha onde o olhar se encosta de saudade
Do que ainda não sucedeu, tal rio que não chega ao oceano,
Um brinde e seu trago, trago-o em memória e na sua brevidade

Um clarão, cego e torturado, esperando onde não sou encontrado,
Sem idade ou tempo, se pudesse encontrar-me em qualquer humano!
Eu até gosto da ideia de amar, será por isso que é tão difícil me sentir amado?

quarta-feira, 20 de agosto de 2025

Relógio Afogado nas Marés

O eclipse da aurora, lua nova - sou marés, vento, tempestade,
Há um vazio em memória, um futuro onde ainda a desejo,
Promessas ditam que se tu fores nostalgia, eu sou saudade,
Independentemente de qual for a cor ou sabor desse beijo,

Retoco cicatrizes em fogo, o segredo que entre lábios ficou,
O perfume é meu e de uma entrega entre vindoiras estações,
É uma viagem sem mapa, uma ponte sem destino que desabou,
Serei um dia chegada pois há muito fui partida entre estes botões,

Este é e sempre foi o caminho do viandante sob um céu estrelado,
A porta entreaberta, agora cerrada, é um novo pássaro a esvoaçar, 
Passagem para o Verão, mesmo estando aqui o relógio quebrado,

Ela chama, chama-me, e eu vou, meio doce, meio apoquentado,
Abraçando o torvelinho, sou na espiral, ela ensina-me a sonhar,
Na dor de estômago aprendo finalmente a estar feliz e enamorado.

quarta-feira, 13 de agosto de 2025

O Relógio sem Ponteiros

Este é o silêncio antes de qualquer tempestade,
Encontro à beira de um cais quase abandonado,
O último instante antes de adormecer, em verdade
Um diálogo com a própria sombra - o assombrado,

Há uma luz que entra por uma janela esquecida,
Em imaginação pincelo a cidade após a chuva,
Coloco-a numa carta que será sempre perdida,
Este é o tempo do viandante antes da contracurva,

Vestígios de quem fora, ecos para idas alvoradas,
E vem a saudade, abismo para qualquer claridade,
Sou relento para os trilhos de umas outras estradas

Relógio sem ponteiros, dele tenho sido escravizado,
Pelas fendas destas quatro paredes, há eternidade, 
E nessa espera a prisão, aqui sou o estigmatizado.

segunda-feira, 4 de agosto de 2025

O Velho Que Serei

No rosto rugas, mãos trémulas e passo arrastado,
Cabelos brancos, ossos frágeis num espelho gasto,
A voz cansada e a lentidão longa do já respirado,
Os relógios - memória para um tiquetaque padrasto,

Do passado distante ficou um espera e um legado,
Fim e começo para a aceitação no olhar trazida,
Serenidade e introspecção num destino, num fado,
Ora concretizado, ora tentado numa gestação inferida,

Sendo talvez o eco de um qualquer tempo sem idade,
Em caminhar lento entre uma brisa e a eternidade,
Onde converso com fantasmas e estrelas queridas,

Assim velo o céu através de janelas de vento coloridas,
Pois para a criança que fui e que ainda estende a mão,
Guardei-a no bolso onde a trago vestida no coração.

A Criança Que Fui

Entre sorrisos soltos e brinquedos esquecidos,
Mãos pequenas com chão proveniente da terra,
Lancheiras de céu estrelado e silêncios enaltecidos,
Soldados de plástico antes do adeus, antes da guerra,

Esconderijos secretos e papagaios de papel a esvoaçar,
Desenhos da parede ocultos pelo pó de um tempo passado,
Suspenso entre páginas rasuradas, a vontade de retraçar
Os voos dos anónimos aviões com os dedos apontados,

Pois os relógios parados tornam-se em calendários rasgados,
Lembranças partidas em clausuras de um olhar lacrimejante,
Aqui fui eternamente ontem, criança de mundos inventados,

A magia esquecida dos portais de segredos, a inocência era abrigo
E refúgio para a ternura que era o brilho na alma, a pureza latejante,
Preenchia-me o vazio sem reparar, que saudade desse bom amigo.