quarta-feira, 25 de junho de 2025

Entre Linhas Não Escritas

Houve um dia em que a alma assinalou a sua partida,
Num amor que ficou entre linhas que não foram escritas,
Ouçam esta voz que ecoa dentre o silêncio por si contida,
Sozinho numa multidão sem rosto, as lembranças subscritas,

O ar rarefeito após um adeus, há uma lágrima nunca vertida,
Por um espelho que se recusa a devolver o reflexo do poeta,
Libertai-o com esse sorriso, tão leve é a flor ao céu remetida,
Isto é o que os sonhos dizem quando ninguém escuta a borboleta

Esvoejar, é preciso, há eternidade encerrada na infinidade de uma pausa,
E há presenças dos ausentes nos lugares vazios que deixaram para trás,
Um brinde ao que sobra quando ninguém está a ver, um brinde à causa,

Somos estranhos no próprio corpo, esta inquietação é estado natural,
A linguagem dos gestos interrompidos na espera por novas manhãs,
Enquanto o ontem ainda respira numa espera nesta paisagem pictural.

terça-feira, 17 de junho de 2025

Antes de o Ser, Já o Era

O instante, antes de tudo, é a memória do que nunca aconteceu,
É o tempo que dobra dentro de um abraço, a visita a um passado,
Esta saudade que chegou antes da partida, que em si esmoreceu,
Foi a hora em que o relógio perdeu a razão, o beijo quase sonhado

Que só um reconheceu, dentre mãos que lembram um toque perdido,
Numa ausência que dorme na almofada ao lado, o beijo em imaginação
De dois corpos que dançaram noutra vida, o anseio de um desejo ferido,
Pois amar é sentimento que apenas coexiste em poesia dentro do coração,

Porque há palavras que não quiseram algum dia ser ditas, assim é o trilho,
De poemas que se escreveram em lágrimas, o nome que o papel recusou,
Pois o verso ficou preso na garganta, a tinta sangrou desde o pai até ao filho,

Somente o vento sabe o segredo que a alma esconde, a confissão sem ouvinte,
A chuva é reencontro e as estrelas as cartas que o tempo leu e em si enclausurou,
Deus dança no detalhe do invisível, o corpo templo tanto para rei como para pedinte.

O Silêncio Entre os Dedos dos Dias

Sim, o eterno escorre entre os dedos dos dias,
A infinitude contida num instante de olhar,
Numa ausência que ocupa as horas fugidias,
É o relógio que não consegue o tempo buscar,

Há amor que só existe entre silêncios partilhados,
Mesmo no beijo nunca dado, mas vive nos lábios,
O sussurro das árvores ouvido baixo encaminhados
Para a noite que floresce ao dormir nos subúrbios

De um sonho, espelho tatuado de uma alma inquieta,
Escrito num poema feito sem papel, esta é a canção,
Pois há Deus no palpitar errante da nossa respiração,

O renascer da fénix acontece sem ninguém notar no poeta,
É o silêncio que escapa entre duas notas subentendidas,
É resposta muda, em gestos preteridos e gastos por partidas.

O Silêncio Entre um Passo e o Outro

O Adeus que nenhuns lábios conseguiram proferir,
Tal silêncio entre duas notas durante uma dança,
O intervalo poético de um eco de um passado sorrir,
Na pausa entre olhares, o ágil andar de uma criança,

Há um desejo magnético no limiar de um compasso,
O ritmo sincronizado com a respiração de um poeta,
Este ar entre os dedos que supera o tempo e o espaço,
É suspiro na pele, rastro feito por uma estrofe discreta,

Movemo-nos na latência de uma luz imóvel e brilhante,
Grãos do ido apossam-se num olhar entretanto cerrado,
É mudez tornada passo de dança coreografada e sonhante!

Com intenção, o som desaparece e o corpo continua a dançar,
O não-dito vibrando no meio de um gesto por si próprio fechado,
Entre um passo e o outro, há um Universo inteiro para morar!


segunda-feira, 9 de junho de 2025

O Poema Que Me Escreveu

Não fui eu que busquei escrever o poema,
Foi ele que veio — em palavra, crua e inteira,
Sem pensar no sentido ou rasto no diadema,
Chegando assim: belo, sem pudor ou rasteira,

Então, minha mente era somente o espaço
Onde a estrofe a si mesma se ia escrevendo
A toque preciso, a caneta — limpa, a subtil traço - 
Ia permitindo ser, ia permitindo e acontecendo,

Somente sentido, fui vendo a cor, o calor, o brilho,
E então fui página, fui folha em qualquer vento,
Sem controlo sobre o seu caminho ou sequer trilho,

Sei que cada soneto cura pedaços da aberta ferida,
E o poema me dá passo, asa e jornada em novo alento:
Sim, foi ele que me escreveu, foi ele que pincelou esta Vida.

terça-feira, 3 de junho de 2025

Cada Sonhador Tem Um Ícaro Dentro De Si

Sussurros de outrora próximos desta respiração,
Ofegante por Vida, ergue-se o sonhador prostrado,
O risco de queda, a possível tragédia é também bênção,
Por Dédalo essa altura, a ambição escombro do ansiado,

Há brilho nos seus olhos, no sacrifício de uma pluma ao vento,
Este é o labirinto de para quem o horizonte é lar, vive a fantasia,
Mesmo dentro do labirinto, a bravura que consta no contratempo
É inspiração, quimera, ideal e ânimo ao rubro seja noite ou dia,

Esperançando que a partida se torne um dia na chegada,
Ousado perante o abismo vertiginoso da vaidade e sua culpa,
Há cinzas onde havia penas, os raios solares a única estrada,

À glória desse destino, o fulgor de um ígneo grito, brasa e clarão,
E radiante o áureo torna-se terra, sem obrigado ou desculpa,
Ascendendo com o Zéfiro mesmo enfrentando a sua própria extinção.