terça-feira, 27 de maio de 2025

Dialecto dos Esporos Contra a Corrente

Sonhando com esporos resplandecentes indo contra a corrente, 
Um multiverso de caras sem nome ultrapassando em contramão,
Então parecia que o fontanário ia secando por causa dessa gente, 
E que ia assim endurecendo as paredes de um cinzento coração,
 
Esperando por um momento certo que tardava a ser chegada,
Conversava num dialecto que os outros pareciam ignorar,
Através de palavras que cabiam nos varões da berma da estrada,
Assim escapulia da realidade, assim se permitia a si mesmo esvoaçar,
 
Procurando por momentos belos que preenchessem a brisa,
Pois boas novas um dia trará o vento rodopiando o compasso,
Onde cairão esses esporos traçados em Vénus a uma luz imprecisa,
 
Por onde sorriremos, tentando ser o sentimento na sua plenitude,
Sei que haverá um dia qualquer um tempo, sei que haverá um espaço,
Mesmo que ainda magoe, mesmo que o sentir só conheça a servitude.

quarta-feira, 21 de maio de 2025

Pegadas que o Mar Apaga

Estás por todo o lado, cada nuvem e em cada pequena cicatriz,
De suspiros entrelaçados, mãos que se buscam em vertigem,
Sim, estás por todo o lado, da treva profunda ao final do arco-íris,
Escapando tal moedas entre dedos, ao prazer que as feridas infligem,

Sim, ainda escrevo versos a que a ela desejava tanto de confiar,
Ecos gastos pelo tempo, dançando valsas que vamos guardando,
Instantes nos prendem, e somos náufragos de um triste e solitário mar,
Sem dono, e sem descanso — as margens recuam apesar de irmos remando,

Esquecendo os moldes, as rimas, a ilusão da correspondência,
Pois há silêncios que habitam quem jamais se entende por palavras,
E assim se curva a infância ao tempo, assim se desenha a essência,
Na pele enrugada da espera, no passo lento de mil quase abracadabras,

Oiço correntes roçando o chão — e se repousar, quem me acolherá?
Outro instante, outro acaso… e que o resto venha sem cama traçada.
É o hino de quem não pertence ou tem pertença, é o rastro do amanhã,
É o pó dos dias na pele, buscando faróis num olhar ainda sem a alvorada.

domingo, 18 de maio de 2025

Eu Pertenço à Estrada

Há vestígios de ruínas cantando do alto da fachada,
Suspiros ofegantes entrelaçados que buscam a vertigem,
Quando o caminho diverge entre uma ou outra alvorada,
Há que nos agarrar na segurança na rua errante, sem origem,

Pois há poemas ainda por vir que a ela gostaria de dedicar,
Ecos desfeitos pelo tempo, percorrendo valsas em nós contidas,
Aprisionados por um instante, reféns e prisioneiros de um mar
Que não vê dono em quem não sabe remar, sem margens queridas,

Esqueço as rimas, esqueço a métrica, esqueço a vontade de reciprocidade,
Pois há silêncios encontrados no lar de quem nunca conseguiu ser chegada,
E assim a criança se torna no velho, e assim se avança no tido como idade,

Ouço correntes arrastando-se no chão, e se pernoitar aqui quem me dará guarida?
Outra hora, outro momento e o resto que venha – é o hino do pertencente à estrada,
É o passo vacilante, na pele o pó dos dias, procurando o olhar farol, num bater que não intimida.